>
Ao fim do primeiro mês de temporada, o Cavs tinha conquistado 7 vitórias e 10 derrotas. Não era nem sombra daquele Cavs que esteve sempre no topo do Leste nos anos anteriores, mas era um número de vitórias respeitável, digno, daqueles que dá pra levar pra jantar e apresentar para os nossos pais sem vergonha. As limitações do elenco eram óbvias, mas o técnico Byron Scott é um gênio e os jogadores pareciam estar se adaptando rápido aos novos papéis. Já tinha gente falando que o JJ Hickson poderia levar o prêmio de jogador que mais evoluiu na temporada, fruto de um aumento de produção digno de quem assumiu a carga de ser a nova cara da franquia. O Cavs era um time ruim, claro, mas com alguns jogadores talentosos, jovens, um técnico competente e vontade de provar para o mundo que eles poderiam sobreviver sem LeBron James.
Enquanto isso, o Heat demorava pra engrenar e enquanto o planeta tacava cocô no LeBron e em sua decisão de ir jogar na praia, o Cavs se alimentava das dificuldades de sua ex-estrela. Quanto pior o Heat jogava, mais ânimo o Cavs tinha para superar suas dificuldades. Até que os dois times se enfrentaram, o Cavs entrou pronto para matar-pilhar-destruir, a torcida vaiou LeBron o quanto conseguiu, e o Heat simplesmente massacrou o adversário. Comentei na época sobre como o ódio ao LeBron em Cleveland havia unido todo o elenco do Heat para defender seu companheiro, e desde então o time parece ter se encontrado, percebeu que o jogo coletivo pode significar fazer turnos (“uma hora vou eu, outra hora vai você”) e que o entrosamento maior precisa estar na defesa. Agora o Heat está solidamente lá no topo do Leste e ninguém mais questiona se eles vão ou não dar certo.
Já o Cavs, depois do forte golpe no ego, desmoronou como ex-namorada que viu o amor de sua vida se dando bem na balada – e de quebra lhe cuspindo na testa. O Cavs perdeu seu objetivo, seu ânimo, deixou de se alimentar das dificuldades alheias, e tornou-se incapaz de superar as próprias. Depois de perder para o Heat, o Cavs perdeu 19 partidas e ganhou apenas uma, contra o Knicks, que só por isso deveria ficar de castigo. Antes o Cavs tinha um recorde bom o bastante pra ir pros playoffs porque o Leste fede, agora eles são o pior time de toda a NBA. Disparado.
No papel, o time não parece tão ruim, mas é preciso lembrar que ele foi inteiramente formado ao redor de LeBron James e, mesmo assim, sem muito critério. Nunca foram jogadores que se encaixavam ou faziam sentido juntos, eram apenas trazidos para mostrar serviço para o LeBron, para tentar aumentar o nível do time como fosse possível. A diretoria nunca poupou esforço ou dinheiro para trazer reforços, mas também nunca teve muito tutano. O conjunto acabou dando certo basicamente porque seus papeis eram limitados e a única parte tática era defensiva. Levou muito tempo até que os assistentes técnicos dessem um padrão ofensivo para o Cavs, e mesmo assim sempre foi gritante a queda de nível toda vez que LeBron passava a bola. Sem ele, mesmo os jogadores mais talentosos agora estão expostos como nunca estiveram, e ao invés do papel secundário precisam assumir jogadas e responsabilidades. Agora enfrentam marcações exclusivas, dupla marcação, precisam criar o próprio arremesso. Mo Williams nunca foi um armador nato, levou seus companheiros do Bucks à loucura até que tiveram que trocá-lo para salvar o clima na equipe, e agora sua afobação no ataque e sua dificuldade para chamar jogadas fica evidente, esfregada na nossa cara. Não tem o LeBron armando o jogo para camuflar.
No par de vezes nas últimas temporadas em que o LeBron não jogou pelo Cavs, contundido, sempre fiquei surpreso em ver como o elenco conseguia se virar bem sem ele, mas era um tipo de jogo completamente diferente. Todos os carregadores de piano, secundários até o osso, davam o sangue uns pelos outros. O que sempre impressionou no Cavs é que ele era um time incrivelmente unido, em que todo mundo sabia seu lugar, sua importância e seu papel. Foi esse tipo de compreensão e união que segurou o Cavs no começo dessa temporada, mas quando a moral foi derrubada, a fraqueza do elenco foi escancarada.
É injusto dizer que esse time fede demais e que portanto o LeBron jogava sozinho nas últimas temporadas, que fez tudo por si só. A maioria desses jogadores do Cavs funciona bem como especialista que vem do banco, como defensor, como arremessador parado, essas coisas essenciais para qualquer time ser campeão. Era um time bom porque tinha gente disposta jogar em volta de uma única estrela e sabia fazer isso muito bem. Mas, sem a estrela, estão todos fora de seu ambiente natural e precisam fazer coisas que não podem fazer. Eles não fedem tanto assim com uma estrela, são limitados mas eficientes no esquema tático certo, mas sem uma estrela eles são um elenco para apanhar um bocado. Um bocado, mas não tanto.
O golpe na moral ao perder para o Heat em casa e ver LeBron sair sorrindo feliz da vida e começar a ganhar um jogo atrás do outro foi muito forte, mas o golpe na saúde dos jogadores foi ainda maior. Toda equipe sofre com lesões, mas no caso do Cavs isso é ainda pior. O LeBron saiu do Cavs quando restavam poucos jogadores sem contrato na NBA, então não havia ninguém para contratar. Fora que a grana em Cleveland é muito curta, em parte pela dificuldade econômica da cidade, mas também porque os dirigentes toparam um monte de contratos gigantes e idiotas (como o do Varejão e o do Jamison, por exemplo) simplesmente para manter ao lado do LeBron a estrutura necessária para vencer. Mas sem uma estrela, não adianta pagar 7 milhões no Varejão e não ter grana para reconstruir o time. E, mesmo com grana, os jogadores da NBA preferem escapar de Cleveland agora, já que não há mais chances de título, a economia lá é ruim e a cidade é uma droga. Com isso, o Cavs teve que usar seus antigos reservas como atuais titulares, e qualquer lesão significa que os jogadores mais zé-ninguém do mundo terão que entrar em quadra. E as lesões vieram a rodo.
O Varejão está fora da temporada com uma lesão no tornozelo adquirida nos treinamentos, e ele vinha sendo o melhor jogador da equipe – o que já mostra como o time é uma porcaria. Não que o Varejão seja horrível, sua defesa tem sido impressionante (o que ele fez com o Dwight Howard nessa temporada não foi bolinho não) e sua energia é essencial para a moral dessa equipe, mas ele é o típico jogador secundário que você encaixa num time pra fazer o trabalho que ninguém quer fazer. Fora ele, o Cavs também está sem o Daniel Gibson (típico arremessador especialista pra vir do banco, mas que no Cavs atual teve que ser titular), sem Joey Graham (que fede mas também já foi titular porque não tinha ninguém pra colocar no lugar do LeBron), sem Leon Powe (que tem “reserva do Celtics” tatuado na testa) e sem Anthony Parker, único desses que se for titular não vai fazer o Universo chorar, pelo menos.
Isso quer dizer que, para enfrentar o Lakers, esse Cavs que já fede, que já não tem moral ou vontade nenhuma, e que perdeu 21 de seus últimos 22 jogos, ainda estava completamente desfalcado e teve que usar uma série de jogadores muito ilustres: Manny Harris foi titular (novato que foi de mal ser usado para jogar mais de 40 minutos por jogo), Samardo Samuels tentou 12 arremessos e só acertou um (vai ver que tentou tanto por causa de sua grande força nominal) e Alonzo Gee foi o cestinha do time com 12 pontos (famoso Alonzo Gee, que está em seu terceiro time em apenas duas temporadas). Esses jogadores fazem caras como Ryan Hollins parecerem famosos como estrelas do rock. Perto desses jogadores, ex-BBB é uma baita celebridade. Se alguém souber qual é a cara de qualquer um deles sem colar no Google, ganha um prêmio.
Samardo Samuels, meu deus, Samardo Samuels. Parece nome de jogador inventado de videogame. Parece nome falso de traficante procurado pela polícia. Não me surpreenderia se ele fosse apenas um torcedor do Cavs sorteado para participar do jogo porque não tinha mais ninguém pra entrar em quadra. Se o Samardo Samuels pode, eu também posso. Vamos fazer uma campanha para que os leitores do Bola Presa possam substituir o Samardo Samuels no elenco do Cavs, cada dia vai um leitor e entra em quadra, e vamos revezando pra todo mundo ficar feliz. E o Cavs sai ganhando, certeza de que se eu ficar arremessando de três do meio da quadra eu acerto uma bola em 12 tentativas!
Não é estranho, portanto, que esse elenco tenha marcado apenas 57 pontos contra o Lakers – e tomado 112. É o maior cacete que eu vi nos últimos anos, a coisa mais humilhante depois do capote no Globocop, e o recorde do Lakers em limitar o número de pontos do oponente. Antes do LeBron ser draftado, a torcida do Cavs levava placas de “percam por LeBron” para o ginásio, mas o time pelo menos fingia que estava jogando basquete. Não colocavam o Samardo Samuels na quadra! É claro que o Cavs já está pensando na primeira escolha do draft pra temporada que vem, mas colocar o Samardo Samuels é o equivalente a jogar a toalha no boxe, é desistir sem tentar, é entregar o jogo. Se um jogador mediano entrar em quadra sozinho e arremessar todas as bolas só ele durante o jogo todo, faz mais de 57 pontos fácil.
O Cavs, vergonhosamente, fica para nós como um exemplo do que acontece quando um time constrói ao redor de uma única estrela – e perde essa estrela sem trocá-la. Mesmo o Mavs sem Nowitzki e sem Caron Butler consegue segurar melhor as pontas. O Cavs foi mal montado, aos trancos e barrancos, e jamais teve um “plano B”. Quando o Celtics montou várias defesas especiais para parar LeBron nos playoffs (que eu analisei na época aqui), não havia nada pensado, programado, planejado ou ensaiado para manter o time funcionando. Nenhuma contratação visava tapar um buraco específico. Apenas foram agrupando, agrupando, agrupando. Montaram um circo incapaz de se encaixar e que não tem mais cabeça para superar essas cagadas.
Quanto o Nets flertava na temporada passada com a pior campanha da história da NBA, comentei aqui que o elenco não era tão ruim, que eles tinham algumas grandes partidas, que não era motivo para bater um recorde histórico de ruindade. Mas é que depois das primeiras derrotas o time praticamente desistiu, começou a ficar frustrado, via as lesões acontecendo e tinha ainda menos vontade de entrar em quadra. Perder entra na cabeça dos jogadores e come seus cérebros, você se acostuma, entra em quadra como um zumbi, esquece que era possível vencer. Esse Cavs entrou nesse buraco, e sequer quer sair dele. Vai feder, tomar surras históricas, colocar o Samardo Samuels em quadra, marcar 57 pontos, e esperar começar tudo de novo no draft. Mas o processo de reconstrução vai ser longo, tem que se livrar do Jamison, do Mo Williams (que já está enlouquecendo os companheiros de novo), decidir se vale a pena manter o Varejão num time em que ele é inútil ou conseguir umas escolhas de draft em troca. Só esperemos que esse processo de reconstrução não culmine em mais um time construído apenas em volta de uma futura escolha do draft. Porque já vimos que isso não dá certo, e uma hora você acaba tendo nas mãos apenas Samardo Samuels. Samardo Samuels. Samardo Samuels.
A lição serve para o Nuggets também. Eles tentaram uma série de trocas para colocar o talento necessário ao redor de Carmelo Anthony para levá-lo a um título, e não foi um erro, o Nuggets teve altos e baixos mas é um time de respeito. Mas se perderem Carmelo por nada, como aconteceu com o Cavs e LeBron, terão apenas um time de jogadores secundários e especialistas, ninguém para manter um padrão de jogo, e o Billups será um jogador bom mas incapaz de levar qualquer coisa nas costas sozinho, velho demais para participar de uma reconstrução, e caro demais para permitir novas contratações. Mesmo melhor montado do que o Cavs, o Nuggets despencaria para um buraco muito rápido. Melhor do que ficar torcendo para o Carmelo reassinar é admitir a derrota, fazer uma troca por pivetes e escolhas de draft, se livrar do Billups, do Kenyon Martin, e começar de novo sem maiores dificuldades. Sem Samardo Samuels.