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Antes dessa temporada começar muita gente clamou que era o ano em que o Leste finalmente recuperaria o seu domínio sobre o Oeste. Essa foi a regra durante os anos 90 e acabou logo após a aposentadoria de Michael Jordan; desde a temporada 1999-2000 o Oeste sempre vence a maioria dos jogos contra os adversários da sua conferência oposta. Quem previu as mudanças estava de olho na má campanha do Spurs no ano passado, no Jazz perdendo Carlos Boozer e outros times que em teoria estariam decadência. Ao mesmo tempo o Heat emergia como um time a beirar as 70 vitórias, o Knicks estava mais forte e até fracassos como Wizards e Nets tinham as duas primeiras escolhas no Draft para dar uma voltar por cima.
Metade da temporada chegando nessa semana e o que vemos é o Oeste ainda vencendo 55% dos confrontos. E ,de novo, vemos times com 40% de aproveitamento dentro da zona de playoff do Leste enquanto no Oeste você precisa de mais de 50% para estar no oitavo lugar com três times bons no seu cangote. Sim, o Leste talvez tenha candidatos mais fortes ao título com o Orlando Magic, Miami Heat e Boston Celtics, mas como um todo ainda está muito distante.
Eu comecei a pensar nesse assunto porque estou assistindo a muitos jogos do Chicago Bulls nessa temporada e é impressionante como o Carlos Boozer domina o jogo com muito mais facilidade do que fazia quando enfrentava mais times do Oeste. Dos 82 jogos que um time faz na temporada, são 30 contra os da conferência oposta e 52 dentro da própria, então dá pra sentir a diferença. Ver jogos do Boozer ou de qualquer outro jogador de garrafão do nível (alto) dele contra Indiana Pacers, Washington Wizards, New Jersey Nets ou Toronto Raptors é quase desleal. Quem está acompanhando o Amar’e Stoudemire de perto deve ter percebido a mesma coisa.
Uma conferência ter jogadores de garrafão melhores que a outra é normal, é difícil manter um equilíbrio exato sempre, o que surpreende é como a superioridade já dura uma década. Foi de 99 a 2003 com Chris Webber, Tim Duncan, David Robinson, Rasheed Wallace, Kevin Garnett e Shaquille O’Neal, depois os mesmos e mais a ascenção de Dirk Nowitzki, Amar’e Stoudemire e Yao Ming e ainda o bom começo de carreira de outros que são os que dominam hoje, como David West, Pau Gasol e Zach Randolph. E quando alguns dos bons do Oeste como Amar’e e Boozer vão para o Leste, aparecem Kevin Love, Blake Griffin e LaMarcus Aldridge. Aliás, esse último merece um destaque: durante os primeiros anos de carreira ele era mais um membro da comunidade Channing Frye de alas de força com alergia ao garrafão (vai saber do que aquela tinta é feita!), mas nessa temporada é outro jogador. Ataca a cesta, busca contato, sofre faltas e tem enterrado muito. Achou o seu Stoudemire interior e tem feito estragos. Quem viu aquele ótimo jogo entre Blazers e Heat viu como o Chris Bosh não teve chance contra a força do Aldridge, a piada nos EUA é que ele finalmente descobriu o que quer dizer o “Power” em “Power Forward“.
Como já comentei aqui algumas vezes, todos os times campeões desde 98-99 tem um garrafão muito forte com pelo menos um jogador fora de série. Shaq e Duncan tem 4 títulos cada, Gasol/Bynum tem dois juntos, Garnett tem um e fechando a conta tinha aquela fortaleza defensiva que era a combinação de Rasheed e Ben Wallace. Dá pra dizer que, portanto, o Leste não é tão bom quanto o Oeste porque não tem jogadores de garrafão tão fortes? E que no fim das contas eles fazem uma diferença no jogo grande demais para jogadores em outras posições compensar? Foi meu primeiro palpite.
Fui então no site Hoopstats dar uma olhada nas estatísticas que eles tem sobre as melhores duplas de armação da NBA. Eles olham os números dos dois titulares na posição de cada time e fazem uma conta de eficiência, que usa dados de pontos, rebotes, assistências, aproveitamento de arremessos e outros números. Segundo esses dados a melhor dupla de armação da NBA é Tony Parker e Manu Ginóbili, seguida de Dwyane Wade e Carlos Arroyo, mas com quase só os números do Wade sozinho. Completando o Top 10 tem ainda Bulls, Celtics, Suns, Hornets, Mavs, Thunder, Jazz e Rockets. É um resumo do que é a NBA, alguns times do Leste lá no topo, mas depois disso só Oeste sem parar. O próximo time do Leste a aparecer é o Knicks em 13º.
Ou seja, a minha teoria dos melhores jogadores de garrafão é só meia verdade. Não só o Oeste tem os melhores jogadores de garrafão como tem também as melhores duplas de armação! E outros números mostram a mesma coisa: Entre os times que mais fazem ponto no garrafão o Leste tem apenas 4 representantes (Raptors, Celtics, Knicks e Bulls) no Top 15, enquanto em bolas de 3 pontos por jogo o Leste tem só 6 (Magic, Knicks, Pacers, Heat, Hawks e Cavs) entre os 15 melhores. Essa constatação da superioridade do Oeste por tanto tempo é perturbadora porque a NBA funciona de um jeito em que os piores times tem a chance de se reforçar ao ganhar posições boas no Draft do ano seguinte. Resolvi então ver quantas escolhas Top 3 o Leste teve desde o ano 2000, afinal vai que tiveram azar nos sorteios. Não, nesses 11 anos foram 33 jogadores Top 3 e o Leste teve direito a 19 deles, quase dois terços.
Mas mesmo com essa vantagem é difícil afirmar que eles saíram com os melhores atletas. Em 2001 por exemplo o Leste levou pra casa Kwame Brown com a escolha 1, o Oeste ganhou Pau Gasol com a escolha 3. A escolha 2 era do Clippers, mas a trocou para o Bulls. Na troca o time do Leste ganhou um jovem e ruim Tyson Chandler enquanto o Oeste tinha Elton Brand em sua melhor forma. Em 2002 o Oeste levou Yao Ming, o Leste Jay Williams, o promissor armador que nunca mais jogou depois de um acidente de moto. Em 2005 dois times do Leste nas duas primeiras posições, Bucks e Hawks. Poderiam ter levado Chris Paul e Deron Williams, mas escolheram Andrew Bogut e Marvin Williams. Em 2006 o Bobcats escolheu Adam Morrison deixando Brandon Roy cair para o Portland, do Oeste.
O Leste não errou tudo, claro, Derrick Rose, LeBron James e Andrea Bargnani estão por lá, por exemplo. Mas analisar ano por ano é uma chance de ver como muitos dos times ruins do Leste tiveram oportunidades de conseguir bons jogadores e deixaram escapar. Alguns, como o Knicks, erraram várias vezes seguidas e perderam chances enormes de se reformular. No Oeste é mais difícil ver um time errar tantas vezes assim, em todo esse período de tempo todas as 15 franquias estiveram pelo menos uma vez nos playoffs, mas a maioria mais de uma vez e com times que fizeram mais que figuração. No Leste, ao contrário, você vê times penando por mais tempo e quando vão para a pós-temporada é na sorte, às vezes mal chegando a 40 vitórias e apanhando de cinta na pós-temporada.
O objetivo da minha pesquisa era descobrir porque o Oeste é melhor há tanto tempo em uma liga que tem um formato em que as duas conferências deveriam ser equilibradas. Sempre com uma melhor, natural, mas não por tanto tempo. Tentei pensar em detalhes, como sorte no sorteio do Draft ou força maior no garrafão, mas depois de passar horas e horas procurando e pensando, eu só consigo pensar em uma resposta: Incompetência.
Vamos pensar no Phoenix Suns, um time que passou longe de ter qualquer escolha alta nos Drafts de todos esses anos. Foram competentes ao conseguir o Amar’e Stoudemire em uma 9ª posição em 2002, conseguiram se livrar do câncer que era o Stephon Marbury (mandaram pro Leste) e aí trouxeram o Steve Nash como Free Agent e revolucionaram o time. Mesmo quando sofreram com perdas importantes (Joe Johnson, contusões do Amar’e) foram bons para achar as peças certas. Conseguem pensar em um equivalente do Leste? Eu penso no Hawks, mas mesmo assim precisaram de uma escolha Top 3 para levar o Al Horford e nunca foram além de serem varridos na segunda rodada, Joe Johnson não teve tanto impacto quanto Nash. E tem o Spurs, time que sempre esteve no topo e quando ameaçou sair nunca se desesperou e manteve a base intacta. O equivalente seria o Pistons, até bater o desespero e eles trocarem o Chauncey Billups pelo Allen Iverson, lá foi o começo do fim.
Gosto de lembrar do exemplo do Memphis Grizzlies. Muita gente faz piada da troca do Pau Gasol (a gente fez muita por aqui!), mas na verdade eles tiveram um bom momento com o espanhol como líder, foram três anos seguidos de playoff e quando parou de render, começaram uma reconstrução. Uma que vem dando muito certo! Ganharam o Marc Gasol na troca e o contrato expirante do Kwame Brown possibilitou a troca pelo Zach Randolph, que tem sido um sucesso. O único time do Oeste que eu realmente acho que fracassa por incompetência mais do que qualquer coisa é o Wolves, que só colocou um elenco decente de apoio para o Garnett uma vez na vida e depois que o fez trocou Sam Cassell por Marko Jaric-Lima e jogou tudo no lixo de novo. Pelo menos começaram a compensar mandando um pacote de bolacha passatempo sem recheio pelo Michael Beasley.
Em compensação, é bem mais fácil achar times que cometem um erro atrás do outro no Leste: O Knicks do Isiah Thomas é hors concours, mas ainda tem o Raptors que nunca conseguiu colocar gente boa do lado do Chris Bosh e insiste nessa história de ser um time cheio de estrangeiros medianos. O Cavs teve o jogador mais espetacular da história da franquia na mão e o melhor que colocaram do seu lado foi o Mo Williams, o Pacers demorou quase 6 anos para começar a montar um time mais ou menos depois do desastre da briga em Detroit. O Sixers está sempre atolado em contratos ruins e quando finalmente participou de uma disputa por Free Agents saiu com o Elton Brand velho, machucado e sem jogar metade do que fazia nos bons tempos. E tem o Chicago Bulls, que nesses anos passou pela depressão pós-Jordan, pelo fracasso dos Baby Bulls (Eddy Curry e Tyson Chandler nunca os levaram a lugar nenhum), a triste época quando o Jamal Crawford era seu melhor jogador, as eternas promessas de “ano que vem será melhor” com Kirk Hinrich e Ben Gordon, para finalmente tomar vergonha na cara e contratar um jogador decente de garrafão. Como disse no começo do post, o Boozer faz estragos no Leste e a frase “O Bulls precisa de um jogador de garrafão” é a segunda que eu mais disse na vida depois de “Ah, se eu pegasse a Alinne Moraes”. Se um blogueiro brasileiro sabia, por que eles não sabiam? E se sabiam, por que demoraram 10 anos pra arranjar um? Incompetência.
Gente que prega que o Leste é melhor ainda aparecem, volta e meia leio sobre isso na imprensa americana. Caem na lorota inspirada por Celtics (que também teve seu período negro, devidamente compensado), Magic e outros poucos times que tem noção do que estão fazendo na construção de um time. E aliás, até alguns dos bons times do Leste podem ser questionados: O Heat beirou a irresponsabilidade abrindo tanto espaço salarial para conseguir o Big 3 e o Celtics precisou do Paul Pierce dizendo “Façam alguma coisa ou me troquem” para se tocar, antes disso estavam trocando o Antoine Walker só para contratá-lo de novo meses depois. E pensar que foi o mesmo General Manager que montou esse super time de hoje em dia, coisa de doido.
A ascensão do Knicks e do Bulls, dois times que faziam bobagem atrás de bobagem, é um ânimo para a conferência, mas o buraco é mais embaixo. Enquanto o Oeste investe em novos General Managers, como Daryl Morey, David Kahn, Rich Cho e Masai Ujiri, o Leste insiste em bobagens que não dão certo há anos como Donnie Walsh, Billy King e até o Larry Bird, que não é oficialmente o General Manager mas que ainda manda muito no Pacers. Esses GMs do Leste são mais old school, gente que está no basquete há milênios e tem uma história que os mantém em suas posições, mesmo fazendo bobagens.
A estratégia de vários times do Oeste é diferente. Rich Cho, do Blazers, por exemplo, tem formação em matemática e conhecimento avançado em Direito, entende como poucos (segundo pessoas lá de dentro da NBA) todas as regras e detalhes das regras salariais da NBA. Uma estratégia de ouro em uma liga onde tantos times estão atolados em contratos imbecis e não sabem como sair deles. Já Daryl Morey, do Rockets, é um nerd formado em ciências da computação que ganhou nome dentro do basquete ao se especializar em estatísticas e criar sistemas avançados para medir a qualidade de jogadores, sendo importante nas atividades de scout das equipes. Masai Uriji, do Nuggets, é um olheiro nigeriano que se infiltrou na NBA na marra. Se apresentou ao David Thorpe, treinador famoso por preparar jogadores jovens, especialmente futuros jogadores da NBA, e manteve o contato até conseguir ser contratado como olheiro na Europa. Aos poucos foi levando jogadores para a NBA, conhecendo mais gente, mostrando o que entendia de basquete até chegar ao cargo que ocupa agora no Nuggets. Se é bom ou não veremos nesse grande teste que está sendo a troca do Carmelo Anthony, mas o Nuggets pelo menos fugiu do óbvio.
A conclusão disso tudo é que se o Oeste monta times melhores em tudo mesmo sem ter as melhores posições no Draft é porque tem General Managers melhores. É a única explicação. E eles tem feito isso inovando na escolha desses profissionais, desde o Spurs com RC Buford e seu exército de olheiros mágicos até o Rockets e Blazers apostando em nerds sem história como atletas ou técnicos da NBA. Enquanto isso não mudar eu não apostaria em uma mudança de forças entre as conferências da liga.