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Podemos até ser piegas e falar sobre a vida como um todo: afinal, quando é hora de mudar? Quando é hora de mudar de casa, emprego, namorada, faculdade ou corte de cabelo? Em todos os esportes, na NBA também, a pergunta sempre vem: quando é hora de mudar? Quando é hora de mandar tudo às favas e recomeçar, ou só trocar de técnico ou mudar metade do time? Para todas essas questões, porém, temo que resposta definitiva só temos depois de tentar. Somos uma sociedade que julga pelos resultados, principalmente quando se trata de esportes.
Faltam 17 dias para o último momento em que os times podem realizar trocas nessa temporada e o assunto das mudanças está bombando. Carmelo Anthony à parte, são inúmeros times pensando se devem ou não dar uma chacoalhada no elenco. O time mais comentado é o Lakers, não só porque o Lakers sempre é um dos times mais comentados não importa o que aconteça no mundo, mas porque o General Manager do time Mitch Kupchak disse com todas as letras que pensa em uma troca para mudar a equipe e ver se eles acordam a tempo de defender o título. Seguido dessa declaração veio a do Ron Artest dizendo, insatisfeito, que queria ser trocado, declaração essa que depois foi negada pelo jogador. Ou seja, disse-me-disse que a imprensa brasileira esportiva chamaria de “crise”.
Não é tudo isso, claro, tem muito exagero, mas o que vale é a questão se o Lakers deveria mesmo mudar o time. Para responder isso eu prefiro lembrar de algumas histórias, semelhantes ou não, antes.
Começo com o Indiana Pacers. Eles começaram a temporada arrasando, vencendo Heat e Lakers fora de casa e com a marca de 11 vitórias e 10 derrotas em seus primeiros 21 jogos. O problema é que depois disso eles venceram apenas 7 jogos nos 28 seguintes, perdendo algumas partidas bem humilhantes e, pior, com um aproveitamento ofensivo (pontos a cada 100 posses de bola) pior que o do Cleveland Cavaliers. Sim, Cavs, aquele time que ganha menos que o Vasco e o Corinthians juntos. Escrevemos um post sobre o time nessa época, tentando explicar porque o Roy Hibbert, por exemplo, que começou a temporada como forte candidato a jogador que mais evoluiu, estava virando o vencedor do prêmio TPM de jogador mais inconstante da temporada.
A resposta que o time arranjou para essa queda de produção foi demitir o técnico Jim O’Brien, que também atende pelo nome de Don Nelson II. Suas 11 escalações diferentes nos primeiros 40 jogos sem nenhuma grande contusão para justificar começaram a irritar muito os jogadores, que não entendiam porque jogavam 40 minutos em um dia e 3 no outro. Os mais prejudicados eram Darren Collison, Paul George e Tyler Hasnbrough. O último chegou a se declarar finalmente livre depois da demissão do antigo chefe, e disse que “agora finalmente vai ser mais divertido”. Não que ele seja titular agora, o assistente técnico e novo treinador Frank Vogel optou por deixar Josh McRoberts como o ala de força titular e Hansbrough como primeira opção do banco. Simplesmente saber com quem joga, quantos minutos e sua função muda tudo para os jogadores.
Mas mesmo com esses acessos de doideira, O’Brien foi o técnico que fez o Pacers um bom e veloz ataque mesmo com poucos bons jogadores nos últimos anos e uma das melhores defesas da liga nesse ano (8º lugar) mesmo sem o melhor elenco do mundo para essas funções. Para a diretoria então chegou a hora de pesar o que o técnico ofereceu nos últimos anos e como seu comportamento estava incomodando os jogadores, decidiram mandá-lo embora. Essa não foi difícil, O’Brien não é ruim como muita gente acredita mas não é indispensável. A mudança tem dado resultado, apesar de poucos jogos para medir tudo, é consenso geral na imprensa americana que os jogadores parecem felizes e motivados de novo, além do clima bem mais leve no vestiário segundo quem esteve lá. Era hora de mudar mesmo.
Uma história bem parecida aconteceu algum tempo antes ainda nessa temporada quando o Charlotte Bobcats mandou o Larry Brown embora. O cara é um gênio, um dos que melhor armou defesas na história da NBA e até hoje o único treinador a ter levado o Bobcats aos playoffs. Mas também é um mala sem alça que não dá a menor liberdade para os seus jogadores dentro de quadra, cobra sem parar, é ranzinza e usava esse tipo de roupa quando era técnico nos anos 70. Isso sempre provoca um ciclo em que os jogadores começam respeitando o Larry Brown, o amam quando o time começa a vencer, e depois o odeiam quando a rotina infernal se torna maior do que as vitórias. Foi assim em várias de suas equipes, até no vencedor Detroit Pistons de 5, 6 anos atrás. Sem contar o sentimento de que “a gente é bom e pode vencer sem ele” que cresce depois de um tempo. Foi o que aconteceu no Bobcats e um dia depois de uma declarações pública bem agressiva do Stephen Jackson, o técnico foi demitido. Captain Jack disse que “Como um time estamos jogando muito mal. E no fim das contas é o trabalho do técnico nos preparar para o nosso trabalho que é entrar em quadra e jogar.”
Esse caso não é tão óbvio como o do Pacers. Larry Brown faz bem mais diferença que o Jim O’Brien em um time, mas com todo mundo resmungando, o que era mais fácil, trocar Gerald Wallace e Stephen Jackson por pirralhos ou trazer um técnico mais gente fina e sorridente? Diz a lenda que eles até tentaram trocar o Wallace, mas sempre pediram coisas demais em troca e as negociações morriam rápido. Sem conseguir o que queriam para a troca, deram um pé na bunda do Brown e trouxeram Paul Silas, primeiro técnico do LeBron na NBA e que é conhecido por ter bom diálogo com os jogadores e ser bem liberal. O resultado foi um Bobcats mais motivado, com liberdade criativa no ataque e que pelo menos ainda não piorou tanto assim na defesa. Numericamente o time faz um pouco mais de pontos e toma um pouco mais, não é tanta diferença assim, mas ninguém mais reclama e o time voltou a vencer. Dá pra considerar a troca um sucesso, embora o time esteja condenado a não ir para lugar algum com esse elenco limitado.
Esses foram dois casos em que a mudança veio pelo elo mais fraco, o treinador, e que deu resultado mais porque os jogadores voltaram a jogar com vontade do que por questões técnicas e táticas. Vamos lembrar de outro time que mudou, mas que o fez radicalmente e via trocas. O Orlando Magic trocou peças importantes do time, incluindo titulares e os melhores reservas para refazer meio time. Em pouco tempo a defesa se manteve no (bom) mesmo nível e o ataque floresceu de maneira impressionante. Como citamos no último Filtro, todos os principais jogadores (tirando Arenas) tem aproveitamento de arremessos muito acima da média da NBA. O número de vitórias também cresceu e o risco gigantesco de trocar tanta gente no meio da temporada pode ser considerado um sucesso. Mas como nada é perfeito, com a contusão do Brandon Bass e sem Marcin Gortat no banco eles sentem falta de mais alguém forte no garrafão para ajudar Dwight Howard. E sem o carrapato do Mickael Pietrus para marcar o LeBron, King James meteu 51 pontos na fuça do Orlando. Sempre precisamos de tempo para ver todos os lados de mudanças tão drásticas.
Quem tentou mudar nessa temporada, portanto, vem tendo sucesso. Mas isso não quer dizer que o Lakers deve fazer o mesmo. O time não tem jogado tão mal quanto as pessoas tentam empurrar, o problema é quando tem jogado mal, o Lakers perdeu jogos importantes contra Celtics, Heat, Bulls e Spurs, por exemplo. Mas até contra o Heat e Celtics eles não jogaram mal durante toda a partida e na última contra o Spurs jogaram até muito bem, perdendo apenas por um pequeno vacilo ao deixar o Antonio McDyess dar um tapinha no rebote ofensivo no segundo final do jogo. O time não é perfeito, tem defeitos, mas teve também nos últimos três anos e venceu o Oeste mesmo assim. Além disso, se for trocar, vai trocar quem? Odom, Gasol e Bynum não estão jogando mal e Artest ninguém vai querer. Mandar o Phil Jackson embora acho que nem o torcedor mais louco cogita!
Com um elenco tão bom e que ganhou tantas coisas nos últimos anos eu acho muito precipitado tentar qualquer mudança abrupta no elenco, a não ser que alguém proponha uma troca do tipo Derek Fisher e uma foto autografada da Juju Panicat pelo Deron Williams e um abraço apertado. E depois da troca do Pau Gasol ninguém está muito a fim de dar coisas de graça para o Lakers. Se o time precisa jogar melhor contra os seus principais adversários, e precisa mesmo, os ajustes devem ser mínimos, táticos, não extraordinários. Para isso o Gasol precisa descansar mais, o Joe Smith precisa de mais minutos em quadra para os jogadores de garrafão terem um descanso, o Andrew Bynum precisa ser mais acionado no ataque e deixar de ser às vezes a quarta opção ofensiva e até algumas mudanças na rotação do time devam ser consideradas. Sabia que entre todos os quintetos usados pelo Lakers na temporada, os que envolvem o Luke Walton sempre tem bom aproveitamento ofensivo? Ele poderia ganhar mais tempo de quadra. O Matt Barnes também tem bons números, está fazendo falta e deve ser considerado já um bom reforço para os playoffs.
Eu vejo a maioria dos jogos do Lakers por ser torcedor e já vi muitos jogos horríveis deles nessa temporada, mas se tivesse que achar um meio termo entre todos esses jogos irregulares da equipe eu diria que se o banco de reservas jogar bem como jogou no primeiro mês da temporada o time está muito bem na fita. E quando o banco toma muitos pontos e o Lakers fica atrás no placar os titulares mudam o jeito de jogar e tudo vai por água abaixo. Quando o time está ganhando o Kobe está frio, calmo e joga o seu estilo de costurar a defesa, achar oponentes bem posicionados, envolver todo mundo e de repente o Lakers parece imparável. Mas se o Gasol está em um de seus dias de Cisne Negro (como diz o True Hoop) e nada cai pra ele, Kobe para de passar a bola, aí Artest erra meia dúzia de arremessos e o Kobe sente que ninguém está em um dia bom e ele que deve vencer sozinho. É a pior coisa para a equipe, não que ele não consiga marcar os seus pontos assim, ele marca e é lindo de assistir, mas não é coincidência que nessa temporada ele passou dos 35 pontos em 4 ocasiões e o time perdeu 3 desses jogos. E nos jogos em que tentou mais de 25 arremessos o Lakers perdeu 6 e venceu 4 (duas das vitórias sobre o poderoso Wolves).
Por favor não comecem com mais um ataque de loucura achando que a gente odeia o Kobe e quer menosprezá-lo. Busquem por tudo o que já falamos dele nesses três anos e vejam o quanto admiramos o seu talento e como sabemos que ele é espetacular e fora de série. Mas nesse caso, nessa temporada e nessas situações, ele não tem feito bem para o time. Simples assim. E vocês até podem interpretar isso de um jeito bonito, mostrando como ele é competitivo e tem vontade de vencer a qualquer custo (se é que isso é mesmo bonito).
E o problema do Kobe diz tudo sobre os problemas do Lakers. Não é porque existem defeitos a serem corrigidos que uma troca é a solução. O Kobe precisa mudar sua atitude em alguns jogos ou momentos de jogos, mas de jeito nenhum que vão trocar o homem. O mesmo serve para Pau Gasol, Lamar Odom e até o Ron Artest, quem viu o jogo ontem contra o Hornets percebeu como o Ron Ron ainda é um defensor fora de série. Para mim essa não é a hora de Mitch Kupchak tentar mostrar que é um grande General Manager e mudar tudo, mas é a hora do Phil Jackson se mexer e mostrar os talentos que já mostrou tantas vezes para motivar seus atletas e buscar alternativas táticas.
E só para não dizer que só demos exemplos de times que melhoraram mudando, como citei aqui Pacers, Magic e Bobcats, posso lembrar também do Boston Celtics, que decidiu não mudar. No ano passado o time parecia velho, cansado e penou para se classificar em quarto lugar no Leste, a mesma história do Lakers desse ano. Mas aí nos playoffs eles jogaram demais e só por uma inspiração divina do Ron Artest não ganharam o título. Eles poderiam ter trocado o contrato expirante do Ray Allen no meio da temporada passada ou até mesmo não ter renovado depois que ele esteve gelado como uma atuação da Vera Fisher nos últimos jogos das finais. Mas não, decidiram não só manter a base que tinha sucesso como também adicionaram, sem perder nada além de Tony Allen, e o time velho, com mais um ano nas costas e mais os quase 40 do Shaq, é ainda melhor do que antes.
Como eu disse no começo do texto, só dá pra saber o resultado da mudança quando se tenta ela. E é o tipo de coisa que temos a tendência de julgar pelo resultado porque o outro lado da história a gente só pode imaginar, mas mesmo assim considero esse caso do Lakers mais fácil que os outros. Pacers e Bobcats praticamente não tem nada a perder, o Magic era um time que precisava de mudança porque o time vencedor de 2009 já havia sofrido uma grande transformação (saída de Turkoglu por Vince Carter) e uma queda de produção nos playoffs do ano passado. O Lakers, ao contrário, vem de um título! O quanto seria precipitado (e inédito) um time bi-campeão ser desmontado ou remodelado só porque perdeu meia dúzia de jogos simbólicos na temporada regular? Sossega, Kupchak.