Acompanhamos a partida entre Leste e Oeste do All-Star no domingo o tempo inteiro no nosso Twitter, com comentários engraçadinhos de tudo que aconteceu no jogo e vendo como nossos leitores se saíam na promoção valendo o tênis do Derrick Rose (clique aqui para ver os resultados). Nos divertimos muito com o jogo, que achamos fantástico, e deixamos transparecer isso nos nossos comentários. Foi um jogo divertido, disputado, competitivo e engraçado que tivemos enorme prazer em acompanhar. Mas, como o Twitter é aquela metralhadora de opiniões aleatórias, recebemos tanto comentários de quem estava adorando o jogo com a gente quanto comentários de quem odiou o jogo, o evento, os jogadores envolvidos, e todos os outros dias de festividades. Então vem, vamos sentar um pouquinho, pega um suquinho de limão, e vamos conversar um pouco sobre para que serve o All-Star Game e essa onda de ódio por aí.
Conheço um monte de gente que não assiste ao All-Star Weekend, diz que é chato e bobo. Sem problemas. Mas eu também conheço um monte de gente que assiste apenas ao All-Star Weekend, que me procura pra saber como pode assistir uma vez por ano. São fãs casuais de basquete que acompanham o esporte só de ouvir dizer, de notas pequenas em sites por aí, e que gostam do clima de festa e da oportunidade de ver todas as estrelas da NBA juntas numa quadra. Com tantos times e jogadores, o fã iniciante sempre fica intimidado, não sabe quem são os bons jogadores, quem ele deveria admirar ou acompanhar. Vocês não tem ideia da quantidade de perguntas que recebemos no nosso formspring querendo saber quem são os times ou jogadores que “precisam” ser vistos. Frente à bagunça de trocentos jogadores em trocentos times, o fã casual ou iniciante procura desesperadamente um filtro, um meio de descobrir quem é a nata, quem merece ser acompanhado com afinco. Mesmo quem é mais experiente na NBA cai nessa armadilha através das discussões de quem é melhor, qual o melhor armador, qual o melhor pivô. É um modo de filtrar a liga e sua história. Mesmo os fãs mais apaixonados discutem o melhor armador de todos os tempos só pra filtrar o que acompanhar em um século de história. E é por isso que qualquer um tem que admitir que o All-Star Game é o maior e mais poderoso filtro da NBA. Se você ficar congelado num iceberg por décadas tipo o Capitão América e quiser saber quem são as estrelas da NBA, basta ver uma partida de All-Star Game para ter alguma noção. Tem polêmicas, o jogador chinês vai ser sempre o mais votado, sempre vai ter um LaMarcus Aldridge que vai ficar de fora, mas no geral é bem seguro. Quem acompanha só de canto de olho viu a partida de ontem e conheceu a cara dos principais jogadores da NBA, depois é que vai se preocupar com as exceções se estiver interessado.
O All-Star é uma baita vitrine para o fã casual e, acredite, trás muita gente para o esporte. Não é coincidência que ele passe em tudo quanto é pais do mundo e tenha audiências imensas. O desse ano, em particular, foi a maior audiência dos últimos 8 anos. Foi um dos assuntos mais comentados no Twitter, passou no jornal, criou barulho e trouxe novatos. Mas mesmo para quem acompanha o esporte a fundo, esse filtro do All-Star continua sendo poderoso simplesmente por colocar os melhores juntos em quadra.
Nós somos completamente contra essa bobagem de quem foi o melhor armador de todos os tempos, quem é melhor entre Deron Williams e Chris Paul, porque achamos que isso diminui demais um assunto profundo e interessante. Essas discussões só são possíveis ignorando uma série infinita de fatores que tornam cada jogador diferente e especial (elenco, esquema tático, momento histórico, regras, etc). Pelo mesmo motivo, não aconselhamos ninguém a assistir apenas à nata da NBA porque há um prazer enorme em ver os jogos do Cavs e sua série consecutiva de derrotas, do Nets e seu pivô que não pega rebotes, do Wolves e sua pirralhada que não entende o sistema de triângulos do Lakers mas tenta imitar. Ainda assim, esse filtro do All-Star ainda é mágico: coloca uma elite de jogadores interagindo entre si. É legal ver o Najera ou o Samardo Samuels fazendo o que conseguem na temporada regular, mas ver Kobe e Durant – indiscutivelmente dois dos melhores pontuadores do planeta – jogando juntos, e não um contra o outro, e cercados por outros jogadores igualmente talentosos, é uma oportunidade rara.
Veja que rara não quer dizer melhor ou pior, apenas diferente. Tem gente que gosta dos jogos disputados e brigados dos playoffs, e acha sem graça os jogos da temporada regular. Tem gente que acha legal os jogos disputados e brigados da temporada regular, e acha sem graça o All-Star Game. Isso varia com aquilo que você espera de um jogo de basquete. Então entendo que o All-Star possa ser meio sem graça para alguns, mas continua sendo uma dinâmica diferente, rara e que move nosso imaginário sedento por filtros – é um jogo “com os melhores”.
Não é à toa que mesmo aqueles que expressaram mais ódio e descontentamento com o All-Star Game na internet estavam lá, assistindo e comentando (especialmente no Twitter, cheio de corneteiros que acompanharam com afinco tipo gente que detesta mas vê final de novela). Acontece uma vez por ano e tem os nossos jogadores favoritos em quadra, é difícil ignorar. Mexe com nosso imaginário, oferece uma festança gigante para os americanos que estão lá (tem eventos, brincadeiras, brindes, autógrafos, fotos, mulheres peitudas), e abre as portas do esporte para toda uma legião de fãs mundo afora. Acho muito, muito difícil conceber que alguém possa legitimamente odiar alguma coisa desse tipo ou o que ela representa.
Para os jogadores é diferente, o All-Star tem duas funções principais. Primeiro ele serve como uma estranha homenagem, uma demonstração de que o jogador é um dos favoritos pelos fãs ou que está tendo uma boa temporada e foi lembrado pelos técnicos. Mesmo que não constitua um prêmio real e tenha pouco valor, ele no fundo significa que o jogador foi reconhecido como um dos melhores no esporte e é portanto uma massagem no ego. Aposto quanto for que o Gilbert Arenas fica deprimido todo ano por não receber o convite. Fora isso, o All-Star oferece outra coisa aos jogadores: uma oportunidade de se relacionar com os seus colegas de profissão num ambiente sem competitividade extrema. Eu, pessoalmente, adoro os relatos de que jogadores da NBA se encontram nas férias para jogar uma pelada em algumas quadras por aí. Alguns jogadores até combinam e vão treinar juntos, passam semanas sobre tutela de algum treinador específico e se enfrentam diariamente. Não é porque jogam basquete profissionalmente que eles não se divirtam jogando e interagindo uns com os outros em partidas de basquete de brincadeirinha. Eles amam o mesmo esporte, fazem a mesma coisa a maior parte de suas vidas, então é natural – e muito legal – que eles se admirem uns aos outros e fiquem verdadeiramente felizes de poder bater um papo, jogar uma pelada e tirar um sarro daquele amigo que só se vê de vez em nunca na temporada regular.
Para quem não viu a partida bacanuda do domingo e quer curtir os melhores momentos, coloco o vídeo abaixo oficial da NBA com cenas incríveis do jogo em câmeras inusitadas. Para quem já viu, o mesmo vídeo contém cenas de bastidores e os microfones focados nos jogadores, captando aquilo que falaram durante o jogo e nos pedidos de tempo.
Tem um monte de enterradas e passes legais nesse vídeo, mas quer saber? É tudo secundário perto das falas, da relação dos jogadores. Vale muito a pena ver. Tem a reação do Kobe e do Duncan, fazendo careta um para o outro, quando o Westbrook deu uma enterrada violenta numa contra-ataque. O Duncan, o cara que entrou mudo na apresentação do All-Star, fazendo careta de admiração para uma enterrada! E tem também o Chris Paul elogiando todo empolgado o passe de futebol americano que o Kevin Love mandou para ele (passe marca registrada do Love, aliás) e que permitiu uma cesta de último segundo do Paul. E tudo isso com o Deron Williams e o Westbrook dando risada do passe, e o Duncan felizão lá no fundo com a jogada. Tem o Dwight Howard no meio do jogo indo lá falar com o Justin Bieber, que ficou feliz como qualquer moleque de 16 anos ficaria naquela situação. Tem o LeBron tentando motivar o time para deixar o jogo competitivo, e tem ele combinando jogada com o Derrick Rose que estava caladão e meio deslocado, sendo deixado um pouco de escanteio. Tem o Dwight votando no Kobe para ser o MVP do jogo usando o celular de algum pirralho. Tem o Gasol, o Ginóbili e o Kobe trocando passes mesmo sendo de times tão rivais – do mesmo jeito que o Garnett vibrou com o LeBron durante o jogo todo mesmo que eles se odeiem muito quando se enfrentam em quadra (a dupla rendeu uma foto tão legal que coloquei acima). Tem o Kobe desafiando o LeBron no ar, tentando enterrar escapando do toco do LeBron, e caindo feliz da vida quando viu que a enterrada tinha dado certo – e dando um tapa na bunda do LeBron como prêmio pra finalizar.
É simples assim: os jogadores se divertiram muito na partida de ontem. O jogo só é levado a sério o suficiente para ser divertido para eles, do mesmo modo que quando nós cidadãos comuns jogamos uma pelada numa quadra de rua não tentamos tirar sangue de ninguém mas tentamos deixar o jogo um pouco competitivo para ser divertido para todos. A partida teve defesa, esforço, só não teve muito disso porque é pra ser festa, não vale nada – e nem deveria valer! É uma propaganda, é um filtro, e é a chance dos jogadores se divertirem um pouco. É muito engraçado, então, que tanta gente não consiga se divertir com o jogo e fique metendo o pau em tudo. Pra mim, é gente que está vendo Chaves esperando um filme iraniano. Se você quer tanto um filme iraniano sério e pesado a ponto de não querer ver um pouco de Chaves, não tem problema, é só esperar dois dias e a temporada regular volta normalmente. Mas odiar o Chaves e seus participantes porque não é exatamente aquilo de que você gosta é ridículo. Especialmente quando os personagens estão se divertindo tanto no processo.
Parece que somos cada vez mais cercados por esse ódio fácil e semi-anônimo da internet. Eu acho as músicas do Justin Bieber um porre e passo longe, mas por que tanto ódio com a participação dele no jogo das celebridades ou com o cabelinho? Ele é só um garoto de 16 anos que come umas menininhas cantando umas músicas que ele acha divertido, como isso pode gerar ódio e indignação? Ainda mais num jogo que não vale bulhufas? Quando a Rihanna se apresentou no intervalo do All-Star Game, o Denis disse que achava o máximo e que gosta de música de menininha, o que causou uma enxurrada de comentários escrotos. Porque, claro, Rihanna não é música de verdade. Jura? Aquilo que você está escutando agora é tão diferente assim do que a Rihanna está fazendo? É fora da tradicional escala tonal? Usa os contra-pontos musicais de modo a criar uma dialética emancipatória? Vai mudar o mundo porque desassocia a música da realidade tornando-a autônoma? Aposto que não e que seu ódio pela Rihanna é uma bobagem. É só música, barulho, você pode gostar e você pode não gostar, dar um passo rumo ao ódio e levar a sério algo que sequer está levando a si próprio a sério é simplesmente ir longe demais e perder noção da realidade.
Tava o Kobe lá, rindo com o Carmelo, com o Blake Griffin, com o LeBron, num jogo que não vale nada, que não é essencial para o basquete, que não dá ponto ou dinheiro, e tem gente disposta a odiar porque ele não passa a bola? O Kobe é um pontuador, Chris Paul é um passador, o Paul passava a bola esperando que alguém pontue, o Kobe segura a bola e espera pontuar. O Rajon Rondo tava tão interessado em passar que ignorou bandejas fáceis e errou uma porque estava olhando pra trás. Grandes merdas. Não é isso que os caracteriza? Se o Kevin Love pegasse todos os rebotes do jogo alguém iria achar ridículo ele estar limpando o aro? Nenhum dos jogadores leva o All-Star Game a sério, basta ver o vídeo pra ver como eles estão se divertindo, e mesmo assim tem gente disposta a levar tão a sério a ponto de reclamar que alguém está sendo fominha num jogo festiv. De novo, é gente vendo Chaves e reclamando porque não é um filme iraniano.
Sei que isso é surpresa para muitos, mas é importante lembrar de vez em quando: basquete não é importante. É só um monte de gente correndo de um lado para o outro tentando encaixar uma bola laranja num lugar exageradamente alto. É legal, divertido, apaixonante, é uma janela para o mundo, mas não é importante. Ninguém precisa gastar tempo com basquete, se dedicar a ele, analisá-lo, assistir aos jogos. Se você não está se divertindo, ou se odeia quem torna o basquete aquilo que ele é, o passo mais simples é deixar o basquete para lá, numa boa. Nossa postura aqui foi sempre de levar o basquete com leveza e humor, porque ele não é algo sério, não é essencial. Mas somos apaixonados o bastante para debruçar sobre as estatísticas, as táticas, as possibilidades que ele nos trás de analisar as pessoas e o mundo, a ponto de gostar mais de basquete do que de um jogador só, ou de um time só. Eu torço para o Houston e gosto mais de ver o LeBron jogar do que o Kobe, admito. Mas nunca vou perder um segundo da minha vida odiando o Kobe por fazer 81 pontos – ele estava jogando basquete, e muito bem, e isso é mais importante do que minha relação com ele, com o LeBron, com o Yao Ming, com o Jordan ou com a escala tonal. Uma boa atuação ganhar o prêmio de MVP é normal, principalmente se ele queria ganhar e fez o necessário para isso lá na hora – e para todos aqueles indignados que o LeBron merecia mais, vale lembrar que é tradição do All-Star dar o prêmio para um jogador do time vencedor, então tá tudo bem.
Decidir que você odeia o All-Star, que o Jordan é o melhor de todos os tempos então que o Kobe não pode ser tudo isso, que o LeBron não tem um anel então ele não pode ser tão bom quanto o Kobe, tudo isso anula a possibilidade de acompanhar o basquete em sua totalidade, de se divertir plenamente com ele. Se você já decidiu que o Jordan é o melhor de todos os tempos, está perdendo a graça de ver um monte de gente querendo ocupar esse lugar. Assim como quem decidiu que o All-Star é besteira perdeu um bom episódio de Chaves, um dos melhores, aliás. E quem decidiu que a Rihanna fede perdeu a chance de um dia assobiar sem querer com alguma música legal que não se encaixe naquele padrão pré-moldado dos seus gostos pessoais.
A geração-internet é uma geração que sobrevive em meio ao caos do excesso de informação. As coisas nos atingem de todos os lados, o tempo inteiro, e é essencial ter um filtro para conseguir sobreviver no meio dessa bagunça. Apenas não deixe que seu filtro seja o ódio, e nem que seu filtro limite demais aquilo que lhe rodeia. É fácil decidir o que ouvir e o que não ouvir se você seguir a voz que proclama ódio ao Justin Bieber. Mas essa é a mesma voz que mandará você odiar o “Arcade Fire” porque a banda ganhou um Grammy. Não é melhor analisar cada situação em particular, com a cabeça aberta? É fácil decidir que jogador é bom e qual é ruim se você ouvir a voz que proclama que o Jordan é o melhor inalcansável, que o Kobe é um fominha, que o LeBron é um ególatra. Mas e se questionarmos a posição do Jordan analisando a geração atual a fundo e com cuidado? E se o Kobe for fominha porque ele não quer passar para aqueles que se dedicam e treinam menos que ele, que é um nerd perfeccionista, solitário e apaixonado com um perfil que vem desde criança? E se o LeBron for ególatra graças à sua infância, a relação com sua mãe e o papel da mídia na sociedade moderna? Filtros como o ódio e a discussão “tal carinha é melhor do que o outro” limitam e não conseguem ir além do óbvio. Por isso nos debruçamos tanto sobre o passado dos jogadores, suas anedotas, o momento histórico, os números, as estatísticas, e damos risada. Não precisamos do óbvio e nem de levar tudo tão a sério, com tanto ódio e preconceito. O Twitter já tem disso o bastante.