>O caso Chris Bosh

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Garrafa invisível

No Toronto Raptors, Bosh sempre teve que jogar como pivô – e sempre deixou bem claro como isso lhe incomodava. Magro, leve, rápido, com bom quique de bola e arremesso de média distância consistente, queria receber a bola fora do garrafão e enfrentar seu marcador de frente para a cesta. O Raptors tentou de tudo para usar o Bosh como ala, chegou até a torrar uma escolha de draft com o Baby, baita cagada. Mas nunca foi o bastante para que o Bosh pudesse passar um jogo inteiro sem ter que jogar embaixo do aro. As lesões no seu pé ficavam cada vez mais graves, o Bosh reclamava cada vez mais do improviso, e assim que ele foi pro Heat chegaram as informações de que havia um comprometimento do time de usá-lo como ala. Genial, se ele fazia tanto estrago sendo improvisado numa posição em que não se sentia confortável, imagina o que faria na sua posição natural! Muita gente, incluindo o Bola Presa, apostou que o Bosh ganharia alguns jogos para o Heat sozinho e que poderia brilhar muito sem a atenção que seria dedicada a LeBron e Wade. Funhé.

Eis que o Bosh anda tendo dificuldades enormes no Heat, sua produção anda baixíssima, seu jogo baseia-se em arremessar de fora do garrafão e agora ele está reclamando que não recebe a bola perto o bastante do aro, que quer jogar de costas para a cesta. Ou seja, até ele percebeu que fede como ala e já tem torcedor do Heat falando em trocar o Bosh por uma Playboy da Mara Maravilha e ainda voltar o troco.

Quando o trio fodão formou-se no Heat, eu tinha certeza de que o Bosh era o que se daria melhor na situação. Não tinha aquele papo de “quem vai armar o jogo”, ele era a única força no garrafão da equipe e iria ficar numa boa caso nunca recebesse a bola decisiva dos jogos ou não fosse tão assediado pela mídia. Esperava que o Bosh ficasse tranquilo, por baixo dos panos, vencendo jogos sem que a gente percebesse enquanto LeBron e Wade bateriam mais cabeça um com o outro. O que aconteceu foi justamente o contrário e mostra como as concepções que a maioria das pessoas tinham e ainda têm do Heat estão furadas. Uma série de preconceitos com a equipe evita que possamos ver os reais problemas acontecendo no time, então vamos analisar alguns deles e ver como se relacionam sempre com Chris Bosh:

1) O Heat não tem jogadas no ataque

O técnico Erik Spoelstra deu um jeito de deixar suas estrelas fazerem o que bem entenderem e não ter que decidir quem leva a bola, quem finaliza, quem chama a jogada: cada vez que o Heat tem sucesso na defesa e consegue um rebote ou intercepta uma bola, pode fazer o que quiser. Supostamente isso incentiva a defesa, o contra-ataque, evita duelo de egos e deixa o ataque mais espontâneo e orgânico. Como sabemos, isso também transforma o Heat numa máquina de fazer porra-louquice em que LeBron e Wade fazem o que bem entendem. Mas nas ocasiões em que a defesa toma uma cesta ou comete uma falta, o Heat precisa seguir as jogadas desenhadas pelo técnico. Por isso, o Heat está entre as 10 equipes com ritmo mais lento da NBA – algo muito diferente do que uma correria anarquista nos levaria a acreditar.

O time tem uma série de jogadas para liberar Wade e LeBron no perímetro, pick-and-rolls para infiltrações, pick-and-pops com Ilgauskas e Bosh, triângulos ofensivos iniciados de costas para a cesta. O arsenal é muito maior do que era no Cavs de LeBron e é uma preocupação constante do Spoelstra, que não quer de jeito nenhum que os pontos venham sempre da mesma maneira, os pick-and-rolls, porque assim apenas um jogador da dupla LeBron e Wade estaria envolvida de cada vez e o time estaria desperdiçando a capacidade de um deles.

Esse é o grande problema, muito mais difícil de resolver do que os odiadores do Heat parecem entender: como aproveitar as capacidades de LeBron e de Wade ao mesmo tempo? Fazer com que joguem em turnos, “agora vou eu, agora vai você”, é jogar no lixo o talento de alguém por uma posse de bola. Toda vez que Wade ou LeBron são isolados em um canto da quadra, o outro fica parado assistindo. Spoelstra não quer aceitar isso, não quer abusar do pick-and-roll. De uns jogos pra cá, o número de jogadas diferentes chamadas no Heat subiu muito, inclusive com algumas jogadas vindas do Hawks junto com o Mike Bibby, e quem está chamando cada uma dessas jogadas não é LeBron ou Wade, mas Spoelstra em pessoa. Lá está ele, no banco, gritando jogada por jogada da equipe. O Heat não está à solta, é um time treinado e controlado. Só que quanto mais LeBron e Wade se entendem, quanto mais dizem na mídia que já sabem como cada um pensa e que estão honrados de jogar juntos, quanto mais fazem jogadas juntos (quando um faz corta-luz para o outro, por exemplo, o resultado é sempre fantástico), mais o Bosh está fora disso.

No esquema tático do Heat, o Bosh é usado como o Ilgauskas era no Cavs. Até aí tudo bem, o pick-and-pop funciona bem, o Bosh tem (quase sempre) um bom aproveitamento nos arremessos de média distância e ele libera espaço no garrafão para as infiltrações de LeBron e Wade. Mas quanto mais longe da cesta o Bosh fica, pior o time é em rebotes ofensivos (estão entre os 5 piores da liga, só o Mike Miller salva) e mais dificil é a vida dos arremessadores de três da equipe. No final dos jogos, as equipes adversárias estão congestionando o garrafão do Heat e forçando LeBron e Wade a arremessarem, enquanto o Bosh não é acionado e não está embaixo do aro para cavar faltas ou tentar o arremesso de maior chance de aproveitamento. O Heat tem jogadas, chama essas jogadas constantemente, mas o Bosh não se encaixa nelas. Passa a maior parte do seu tempo fazendo corta-luz, longe da cesta, sem ser uma ameaça real. Esse é um trabalho que qualquer jogador mais ou menos poderia fazer – e que era feito tão bem pelo Udonis Haslem no Heat dos últimos dois anos. Mas o Bosh pode fazer mais do que isso, desde que jogue debaixo do aro dando cabeçada com os pivôs como fazia no Raptors. Ou seja, o Heat tem jogadas sim – só não tem para o Bosh.

2) O time precisa de um armador, o LeBron é um ala

postei aqui antes: assim como nos enganamos achando que o Bosh era ala improvisado de pivô, e na verdade só rende de verdade debaixo da cesta, o LeBron também é um armador que pensamos ser ala e prefere jogar na armação. Jogou como armador no Cavs a maior parte de sua carreira sem ninguém perceber direito, e quando faz isso no Heat acham que falta um armador para a equipe? O problema não é a armação do LeBron, mas o que ela significa. Quando outro armador está em quadra com ele, como Mario Chalmers, antigamente o Arroyo, ou agora o Mike Bibby, eles passam a ser basicamente arremessadores. Isso porque o Heat precisa de arremessadores desesperadamente, e grande parte das últimas derrotas aconteceram porque o elenco de apoio, apesar de receber arremessos de três bastante livres, não tem conseguido converter. Mas Bibby e Chalmers são essencialmente armadores, então deixá-los apenas para o arremesso é perder algo enorme que eles podem contribuir para a equipe. Diversas vezes durante o jogo os dois acabam trazendo a bola e iniciando algumas jogadas, mas o que poderia ser diversificação acaba sendo bagunça. Se o Bibby inicia as jogadas com o LeBron, Wade fica de fora e lhe sobra apenas os arremessos livres de três – que definitivamente não são seu ponto forte. Como Bibby e Chalmers são melhores arremessadores, a movimentação ofensiva fica invertida. O problema do Heat não é que o LeBron arme o jogo, pelo contrário: o problema é que tanta gente diferente arme o jogo o tempo inteiro, com Wade, Chalmers e Bibby iniciando as jogadas. Isso tira as chances de um padrão ofensivo, dos jogadores se acostumarem com os locais de arremesso, do armador saber exatamente qual jogador acionar, e do armador assumir a responsabilidade de escolha das jogadas. É por isso que o Spoelstra tem que ficar lá na lateral chamando as jogadas quenem um panaca. Enquanto isso, com tantos armadores passando a bola uns para os outros, o Bosh é constantemente ignorado. As jogadas evitam isolações, que só acontecem quando Wade e LeBron fazem o que querem após um sucesso defensivo (ou no final dos jogos, em que a insistência nas isolações me intriga um bocado), mas o Bosh tinha que ser isolado no garrafão constantemente para que esse time funcione. Menos armadores, mais bola nas mãos do LeBron, e jogadas de isolação pro Bosh para abrir espaço pra todo mundo. LeBron depende de Wade, Wade depende de LeBron, mas o resto do elenco precisa muito que o Bosh faça algo embaixo do aro.

3) O ego de Wade e LeBron vai implodir a equipe

Os dois estão apaixonados um pelo outro em todas as entrevistas, então quem reclamou dizendo que quer a bola embaixo da cesta foi o Bosh! Essa eu nunca iria adivinhar! Reclamou que não existem jogadas para acioná-lo perto do aro, e o Spoelstra respondeu que o time inteiro precisa atacar o aro, não tem que ter jogada para o Bosh fazer isso. De todo modo, LeBron e Wade estão jogando bem juntos, cada vez mais acostumados um com o outro, e mostraram contra o Lakers como sabem distribuir a bola entre os dois (de novo, menos no final dos jogos em que apenas escolhem quem é que vai jogar sozinho). Bizarramente a maior chance dessa brincadeira implodir está no tranquilo Bosh, insatisfeito e mal aproveitado – e recebendo críticas de todos os lados de gente que alega que ele tem fobia de garrafão. Pois bem, ele está querendo voltar atrás, fingir que não fez manha sua carreira toda, e deixar essa fobia de lado. Se não der certo, aí é hora de se preocupar com o trio.

4) O Erik Spoelstra é um bunda e o Pat Riley vai assumir a qualquer momento

O Spoelstra tomou muitas decisões polêmicas, mas todas elas caminham na direção de construir um ataque equilibrado e um elenco voltado para a defesa. Pode não funcionar sempre, pode ter um trilhão de arestas, mas Spoelstra é um nerd que sabe perfeitamente o que está acontecendo, exige variação ofensiva dos jogadores (enquanto a maioria dos técnicos só diria “faça um pick-and-roll”, o Mike Brown não foi técnico do ano com isso?) e montou uma defesa sensacional muito antes de LeBron e Bosh chegarem em Miami. Seu maior problema é apenas em não saber lidar com o Bosh. Ele quer um time que ataque o aro mas com o Bosh fora do garrafão para abrir esse espaço, quer o Bosh participativo mas sem receber a bola a não ser para arremessos de média distância, quer o Bosh defendendo mas ele jogar como ala lhe afasta dos rebotes defensivos e impede que use sua velocidade para defender na cobertura e interceptar passes para os pivôs. Ele está usando o Bosh como usava o Udonis Haslem, e continua fã do Joel Anthony como pivô por ele ser silencioso, obediente e dedicado. Spoelstra está tão obsessivo em aproveitar bem suas duas estrelas que está esquecendo aquilo que todos sabiam desde o começo: a chave das vitórias nos playoffs estará na terceira estrela que agora, nas suas mãos, sequer é uma estrela mais. Tem gente querendo trocar o Bosh pelo Samardo Samuels… resumindo, o Spoelstra só é um bunda porque insiste em não estabelecer um ataque que comece no garrafão e aí vá para fora, usando o Bosh.

5) O Heat afoga gatinhos em piscinas

Foi apenas uma vez e ao contrário do que dizem os boatos, o gatinho não estava dormindo. Eles não são assim tão malvados.

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