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Menina adolescente morre de raiva de quem tenta rotulá-la. O rótulo colocado nas pessoas já rendeu tantos perfis de Orkut e status de MSN que daqui a pouco já ultrapassa a falsidade como grande problema da juventude feminina contemporânea. Pois a NBA, esse mundo maduro e com discussões ricas e essenciais para a vida humana, também sofre com esse terrível mal do mundo atual. Jogadores ganham rótulos e se livrar deles é tarefa árdua, às vezes impossível.
O Zach Randolph é um caso raro de sucesso nessa reversão de imagem. Ele era o maior exemplo de como um jogador poderia ser talentoso e mesmo assim um desastre, era fominha, egoísta, forçava arremessos e só defendia se soubesse que poderia ganhar um Big Mac no final. Mas depois de ser motivo de ódio e piada no Blazers, Knicks e Clippers, milagrosamente se achou no Memphis Grizzlies, onde passou a liderar a NBA em rebotes ofensivos, foi para o All-Star Game e nesse ano lidera o time (já há um bom tempo sem Rudy Gay) para sua primeira aparição nos playoffs desde 2005. Não foi fácil, ele precisou de mais de um ou dois meses jogando bem para reverter aquela imagem horrível que tinha, é só com muita disciplina e regularidade que hoje ele é respeitado.
Porém, geralmente não é assim. O exemplo que inspirou esse post é que nas últimas semanas o Amar’e Stoudemire e o Kendrick Perkins voltaram a chamar o Pau Gasol de “soft“, o mesmo termo usado em 2008 para explicar porque o Los Angeles Lakers foi derrotado pelo Boston Celtics nas finais daquele ano. O termo em si já é amplo e difícil de explicar, literalmente “soft” pode querer dizer macio, mole ou suave, no mundo basqueteiro é usado para descrever os jogadores que tentam evitar contato físico, que preferem ganchinhos e arremessos ao invés de infiltrações e trombadas. Às vezes caras meio lentos ou desengonçados acabam ganhando o rótulo também porque nunca ganham bolas divididas ou aqueles rebotes mais brigados. Essa questão me inspirou duas perguntas, a primeira é bem simples: O Gasol é mesmo soft?
Atualmente o Pau Gasol é o sexto melhor reboteiro da NBA. Pegar rebotes na NBA não é fácil, além do tempo de bola e da técnica, você precisa usar seu corpo e toda sua força para se posicionar na frente dos gigantes pivôs adversários. Mais difícil que pegar rebotes em geral é pegar os ofensivos, onde, pelo posicionamento de ataque, o jogador geralmente está em desvantagem se comparado ao defensor. Pois o Gasol é o quinto melhor da NBA nesse aspecto. Como o Yao Ming provou por muito tempo, altura não basta para ser um bom reboteiro, então isso não explica os números do Gasol. É preciso muita coisa e entre elas, força. O Gasol também é bem posicionado em tocos, 14º lugar, à frente de especialistas como Josh Smith e Samuel Dalembert, e os tocos são a parte mais física da defesa de um pivô, é quando o cara sobe junto do atacante e seja o que deus quiser. E o que esperamos de um pivô que não seja soft? Tocos, rebotes, rebotes de ataque e… enterradas! E aí é que o bicho pega para o espanhol. Em 78 jogos nessa temporada ele deu 69 enterradas, um número baixo para um jogador que é tão acionado no ataque. Para se ter uma idéia, o líder é o Dwight Howard com 233 enterradas, seguido de Blake Griffin com 203. Entre os 10 que ultrapassaram as 100 enterradas na temporada tem até um jogador que nem joga no garrafão, Andre Iguodala, com 103. E antes de Gasol estão jogadores que não jogam tantos minutos e nem têm tantas chances de arremessar quanto ele, como Josh McRoberts (72), Thaddeus Young (79) e Hakim Warrick (81).
Mas aí vem outra pergunta dentro da primeira, como esses jogadores que estão à sua frente conseguem pontuar? Esses três que eu citei só fazem pontos de enterradas, o Gasol em compensação tem um bom arremesso de meia distância, gancho de direita e de esquerda, além de ser capaz de dar uns vinte giros no seu marcador até ficar em uma situação boa para fazer suas cestas. Será que ele marcaria mais pontos se ao invés de fazer isso partisse para enterradas? Provavelmente não, para isso talvez tivesse que treinar menos e passar mais tempo na academia, para ganhar mais corpo. Mas se ganhasse mais força provavelmente ganharia também mais peso, e não valeria a pena perder a sua velocidade, agilidade e até capacidade de acompanhar os contra-ataques, ótimos diferenciais que ele tem em relação a outros pivôs. Então a resposta para a pergunta é que Gasol não é soft, ele não evita contato físico, mas é mais soft do que a maioria dos pivôs da NBA. Então vem a segunda pergunta: e se ele fosse 100% soft, um bichinho de pelúcia, qual seria o problema com isso?
A resposta do Gasol às declarações do Amar’e e do Perkins foi típica de quem já se acostumou com essas coisas ditas pelas outras meninas e hoje em dia já ignora, ele apenas disse que “não presto atenção nisso, é tudo inveja”. Acusações de inveja depois de ser rotulado, não é que isso continua parecendo uma discussão sobre meninas adolescentes?
Por incrível que pareça, quem deu a declaração mais interessante sobre o problema de ser soft foi um dos jogadores mais irritantes da atualidade, Andray Blatche. O ala-de-força do Wizards ganhou espaço no time desde a saída de Antawn Jamison no ano passado e com esse tempo de quadra se mostrou um jogador que, segundo a melhor definição que eu já ouvi dele, é aquele raro jogador que pode ter 30 pontos, 15 rebotes e um jogo ruim ao mesmo tempo. Ele simplesmente força arremessos idiotas, é fominha e uma negação defensiva, exatamente o que era o velho Zach Randolph pré-Grizzlies. Mas ele é também um jogador muito técnico, que não é muito fã de contato físico e por isso é chamado de “soft”, mas ao invés de negar por completo o rótulo, ele contornou o assunto de um jeito bem interessante:
“Quem me viu crescer dentro da NBA sabe que eu nunca fui um jogador que joga de costas pra cesta empurrando os outros. Eu sou um jogador finesse. Esse é meu estilo e não vou tentar ser quem eu não sou”, e completou, “Um jogador finesse vai ser chamado de soft, mas isso não me incomoda, eu não sou soft”.
Ok, ele não admitiu ser soft, mas já deu um passo importante ao deixar claro que não vai atrás do contato físico e que seu estilo de jogo é simplesmente diferente. Na mesma entrevista ele questionou a importância de passar horas e horas na academia ganhando músculos, para ele não fazia diferença.
A minha conclusão disso tudo é que a NBA é um mundo absurdamente machista em que ser soft é o equivalente social a admitir ser gay, gostar de Lady Gaga ou que chorou assistindo “Diário de uma paixão”. E se você pensar bem, a NBA tem macho até demais, que mulheres você vê envolvidas no jogo além de uma ou duas repórteres e talvez uma assessora de imprensa? Nada, é homem pra todo lado. E mais do que isso, a liga americana, mais do que o basquete em geral, sempre foi um lugar onde o físico importou demais, o que não falta por aí é gente bem mais ou menos sendo draftada só porque é incrivelmente alto, rápido e forte. O clichê basquetebolístico diz que a parte técnica dá para ensinar, mas não se ensina ninguém a ser alto e ter uma envergadura de Itu. É com esse tipo de pensamento que o Stromile Swift é a quarta escolha de um Draft e o Chuck Hayes cai para a 2ª rodada, foi pensando nisso que o Chicago Bulls montou um dos piores times da sua história em volta das jovens promessas Tyson Chandler e Eddy Curry.
O problema é que as pessoas que julgam os resultados, como a torcida, também são em sua maioria machos que esperam ver jogadores altos, fortes e que brigam. O que não falta é gente clamando pela volta do jogo mais físico que reinava na NBA nos anos 90. Não que aquele tipo de jogo não fosse interessante e não que eu prefira muito mais as faltas marcadas cada vez que assopram o Dwyane Wade, mas me parece uma resposta bem “macho man” de torcedores querendo ver “homens sendo homens”. Ainda espero pelo meio termo em que percebam que é um esporte de contato mas não um esporte que celebra o mais alto e o mais forte, basquete é também técnica e tática.
No MIT Sloan Sports Conference no mês passado, um encontro para discutir esporte sob aspectos diferentes do que estamos acostumados, o Henry Abbott da ESPN fez uma apresentação bem interessante sobre os problemas que essa preocupação em parecer macho causam para os times da NBA e como eles poderiam vencer mais jogos se superassem isso. Ele fez uma lista de sete situações e explica como a eterna busca dos jogadores mais altos, fortes, rápidos e maus pode ser uma furada:
1- Arremessar como uma vovó
O Rick Barry tem o melhor aproveitamento de lances livres da história da NBA e conseguiu isso com o famosos arremesso de lavadeira, aquele que a gente fazia quando era criança e não tinha força para erguer a bola acima da cabeça. E mesmo sendo tão eficiente, nenhum outro jogador jamais copiou. O próprio Barry tentou fazer outros jogadores usarem sua técnica, em especial Shaquille O’Neal, um cara monstruoso o bastante para ser um dos maiores cestinhas da história da liga mesmo com apenas 53% de aproveitamento no lance livre. Se ele já fez tantos pontos e tem tantos títulos assim, imagina acertando a outra metade?
Mas o Shaq nunca sequer tentou arremessar daquele jeito, apenas disse que foi o conselho mais ridículo que já recebeu na vida. Afinal, como alguém que se impõe pela força e imagem de monstro vai parecer se arremessar como uma vovózinha? Nesse post Abbott lista situações de playoff em que os times do Shaq perderam jogos-chave, por poucos pontos, e em que Shaq errou trocentos lances livres. Melhor perder como um macho do que ganhar como uma avó.
2- Meditação
O Phil Jackson, com toda a sua espiritualidade, sempre incentivou seus jogadores a meditar. Ele acredita nisso como uma ferramenta para reforçar a concentração, tranquilidade e para colocar a cabeça no lugar, não envolve qualquer religião ou coisa do tipo. E fazendo isso (e muito mais, claro) ele é o técnico que mais venceu títulos na história da liga. Por que outros não copiam? Copiam o sistema de triângulos, copiam o jeito que seus times são montados, contratam os seus assistentes técnicos e ex-jogadores, mas não copiam a meditação. Para Abbott é simples medo de parecer tonto na frente de outros machos.
3- Os momentos decisivos
Nesse momento Abbott compara como Kobe Bryant e Chris Paul encaram os minutos finais de um jogo apertado. O primeiro é o ultimate macho: não tem medo, arremessa por cima de quem estiver na sua frente, não hesita. O segundo faz o que faz no resto do jogo, chama jogadas e passa a bola. Nas eternas comparações com Deron Williams, Chris Paul sempre perde no chamado “instinto assassino”. Ser um jogador de equipe e fazer o que é pedido pelo técnico nos momentos finais é ser soft.
É então que Abbott mostra uma estatística de quantos pontos cada time da NBA marcou nos momentos decisivos de jogos disputados nos últimos cinco anos. O primeiro colocado é o New Orleans Hornets de Chris Paul, o Lakers está bem no meio da tabela.
4- Altruísmo
Um ótimo ponto do Abbott é analisar os perfis de jogadores jovens a serem draftados. Todos tem características bem masculinas como altura, força, impulsão, além de arremesso, drible e afins. Mas alguém conta o fato do cara não ser egoísta? De ajudar os seus companheiros de time? Isso é raro alguém analisar na hora de se avaliar um jogador. Se sacrificar para fazer o outro ao seu lado parecer melhor é algo submisso, fraco e, para os machistas, feminino.
O exemplo que Abbott dá para mostrar como um jogador não egoísta pode ser essencial é o Sixers de 2001, aquele com Allen Iverson + coadjuvantes que foi para a final da NBA. Para ele (e eu concordo até o fim) times que tem um cara fominha e controlador que quer marcar todos os pontos só funcionam se ele tiver do lado dele 4 outros jogadores dispostos a ajudar esse cara a vencer. Gente que não vai se irritar todas as vezes que o fominha arremessar sobre 4 defensores ao invés de passar a bola para você, livre, embaixo da cesta. Gente que vai defender pelo cara quando ele estiver cansado de tanto driblar e atacar sozinho. Geralmente times assim fracassam, como Iverson fracassou durante boa parte da carreira, mas naquele ano caras como Eric Snow, Aaron McKie, Theo Ratliff (depois trocado por Dikembe Mutombo) e George Lynch deram o sangue para fazer o time dar certo.
A fama e o salário mais alto ficam com Allen Iverson, o macho alfa da equipe, mas esse time seria só mais um do AI a perder na primeira rodada dos playoffs não fossem esses jogadores nada machos.
5- Contato físico
Esse é o mais bizarro e questionável. Um estudo divulgado pelo New York Times mostrou que os times que mais vencem são aqueles que mais se tocam fisicamente! Tapinha na bunda, abraços, apertos de mão especiais, tudo isso. Segundo Abbott, machos não deveriam fazer isso, mas quando fazem se motivam mais e jogam melhor. Eu, nesse caso, discordo, acho que o caminho é o contrário: Quando você começa a ganhar muito tem mais motivos para abraçar, cumprimentar e tudo mais. De qualquer forma, estou citando os argumentos dele, não os meus.
6- Jogadores magrelos
Aqui Abbott comenta como os jogadores muito magros geralmente não conseguem ser escolhas de Draft altas porque os General Managers têm medo de que eles não consigam se adaptar ao jogo físico da NBA. E caras com bom potencial ou carreiras de destaque no basquete universitário como Tayshaun Prince (escolha 23) e Rajon Rondo (escolha 21). Abbott diz que conversou com Prince depois do Draft e o jogador disse que ouviu que vários times o deixaram passar porque acharam que ele é magrelo demais para a NBA, mesmo motivo dado pelo Knicks quando cortaram o Corey Brewer nessa temporada.
E se ser magrelo pode ter um lado ruim (talvez dificuldade em marcar os tipos mais fortes), também pode ajudar na velocidade, agilidade e até em prevenções contra contusões. Uma das estratégias pensadas pelos médicos do Greg Oden é fazer o jogador perder peso para que seus joelhos destruídos tenham um trabalho mais leve.
7- Liderança feminina
Apesar de existir uma técnica na D-League, nas 30 comissões técnicas da NBA não há uma mulher sequer. Elas não entendem de basquete? Não poderiam trazer uma abordagem nova para um time que está perdendo há muito tempo e não acha outra solução? Ou os donos de equipes pensam que seus jogadores não iriam respeitar uma mulher no comando? Existe também a chance de um General Manager ficar com medo de perder o emprego caso dê essa idéia, talvez.
Abbott destaca que na NBA, com seus milhões de assistentes técnicos, muitas vezes um treinador não precisa ser o maior gênio da defesa ou ter uma cartilha com mil variações diferentes de jogadas. Às vezes basta o talento para saber escolher assistentes e ser um bom líder, um bom motivador e ter uma vivência no mundo do basquete. Não é possível que em tantos e tantos anos não tenha uma mulher que não tenha sequer isso.
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Um ponto que eu queria deixar claro o Abbott também deixa ao fechar sua apresentação. As coisas de hômi macho são importantes num esporte como o basquete, é bom ter jogadores fortes, altos e rápidos no seu time. Mas claramente existe uma supervalorização do que é masculino no esporte (provavelmente pelo ambiente quase que completamente formado por homens) e ridicularização do que parece ameaçar essa masculinidade. Se o discurso que todo jogador, técnico ou manager concorda e repete é o batido “o que importa é vencer”, por que não valorizar coisas como essa que dão resultado? O Lakers é tri-campeão do Oeste e bi da NBA com um pivô soft. Se vencer títulos em sequência não é o bastante para provar um ponto, só dá pra acreditar que é preconceito mesmo.