>
Dwight Howard também quer ser trocado pelo Jeff Green, e promete que iria sorrir bem mais que o Kendrick Perkins |
Na partida de ontem entre Bulls e Pacers, Derrick Rose teve mais uma atuação incrível para levar o Bulls à vitória, com 36 pontos. Muita coisa deu errado para a equipe de Chicago, no entanto. Depois que o Tyler Hansbrough fez a festa em cima da defesa pobre do Carlos Boozer no Jogo 1, o técnico Tom Thibodeau fez questão de mudar a movimentação defensiva no garrafão, o que foi um desastre. Boozer passou a marcar mais fora do garrafão, onde ele é péssimo e sempre pula em qualquer ameaça de arremesso, e Noah passou a ser responsável pela ajuda defensiva dos dois lados. O resultado foi uma defesa muito pior, cheia de erros na ajuda, na rotação, uma atuação estabanadíssima do Noah, e um Boozer que estava tentando, tadinho, e que é muito pior quando tenta. Ainda assim, com um dos pilares do Bulls desmoronado (e precisando ser reconstruído para a próxima partida), o esquema tático permitiu que Derrick Rose desse 25 arremessos, cobrasse 13 lances livres e saísse vitorioso. Aí está a vitória do esquema de Tom Thibodeau mesmo quando algo dentro do seu esquema dá errado. O elenco foi montado para algo específico e consegue manter as pontas do plano geral mesmo se algo menor, algum componente do todo, for pela privada.
É o oposto do que acontece no Orlando Magic. Dwight Howard teve uma das atuações mais dominantes de um jogador de garrafão nos últimos anos, com 46 pontos, 19 rebotes, 22 lances livres cobrados, e tudo isso contra um time em péssima fase, sem as peças necessárias para vencer uma série, e mesmo assim o Magic saiu derrotado. É algo que eu insisto aqui faz muito tempo: quanto mais o Dwight Howard toca na bola, pior o Magic fica. E isso não é culpa do gigante sorridente, mas do esquema tático e do modo que esse elenco foi formado.
Todo mundo que acompanha o Bola Presa sabe que eu pego no pé do Dwight desde seu segundo ano na NBA, simplesmente porque o jogo dele demorou demais para evoluir e ficava claro que ele estava satisfeito com o que já tinha. Foi apenas quando começou a receber menos a bola e pedir mais posses de bola no ataque que os treinos foram se intensificando e seu jogo começou a ficar sólido. Demorou muito, mas agora é hora de dar os méritos devidos ao rapaz. Seu jogo dentro do garrafão não é genial, ele sempre será duro, como se o Dwight fosse o Robocop, porque não é fruto de entendimento do jogo, mas sim de repetição mecânica em treinamentos. Mas seu posicionamento no garrafão melhorou tanto, tanto, que seus movimentos de cara com torcicolo são agora muito eficientes. É legal ver que no começo de seu treinamento com o Patrick Ewing, os movimentos que o Dwight tentava fazer embaixo da cesta eram refinados, cheios de giros e ganchos complexos, além de um arremesso de média distância, e sempre davam errado. Agora esses movimentos foram reduzidos ao mínimo necessário para que funcionem, são duros, rápidos, curtos, sem frescura ou habilidade. Casam perfeitamente com as possibilidade do Dwight, são mais eficientes para ele, e tornaram o pivô uma grande arma ofensiva. Agora finalmente podemos dizer que ele tem uma série de movimentos que são seus, que funcionam, que lhe são naturais e que não exigem esforço. Parabéns, Dwight! Mas quanto mais ele usa esses movimentos, mais o Magic perde.
A lógica é simples. Alguns times são montados para funcionar no modelo do que se chama de “inside-out”, ou seja, a bola entra no garrafão e se não houver uma cesta simples essa bola é mandada para o perímetro, de onde vem um arremesso de longa distância ou um passe de volta para o garrafão. É um excelente modo de trazer a defesa para perto do aro, abrir espaço para os arremessadores, e não permitir que a defesa se comprometa apenas com uma parte da quadra. O Magic foi claramente construído com isso em mente, mas há um sério problema: Dwight é terrível passando a bola, por uma série de motivos. Pra começar, seus movimentos no garrafão são mecânicos, decorados, ele apenas executa ao invés de reagir. Ele não é capaz de ler a defesa, reconhecer uma marcação dupla, proteger a bola de um ladrão, passar para o jogador que corta em direção à cesta. Não, ele apenas faz o movimento que aprendeu e se tiver marcação dupla, tripla, um leão ou os Power Rangers, ele simplesmente vai tentar concluir o movimento na base da força e da explosão. Para piorar, o Dwight tem clara dificuldade quando está mais longe da cesta, com um dos pés pra fora do garrafão e quando precisa começar a jogada de costas para seu marcador. É nessas horas em que seus movimentos são mais robóticos, com giros programados, e portanto são os momentos em que ele tem mais dificuldade de interromper o movimento e passar a bola (é como se fosse videogame ruim, tipo NBA Live, e depois de colocar um comando você não tem mais como voltar atrás). O problema é que ficar de costas para o marcador com um pé fora do garrafão é o momento em que os pivôs ficam sempre mais vulneráveis a ter a bola roubada ou a receber marcação dupla, tornando o Dwight um jogador muito propenso a desperdiçar a bola e não concluir seus passes.
Se o Magic foi criado para ser um time de “inside-out”, a bola deveria sair do Dwight e chegar nos arremessadores de três, que devolveriam para o Dwight caso a marcação chegasse. Mas o Dwight perde bolas demais e não consegue efetuar os passes, criando uma cisão. Os arremessadores não confiam no Dwight, não procuram o pivô no ataque, e acabam arremessando sob marcação. Quando acontece do pivô receber a bola, ela não volta para o perímetro, então se o Dwight for eficiente os arremessadores acabam saindo do jogo, ficam só assistindo. O Magic é claramente um time montado para ter um pivô cercado por 4 arremessadores, mas ao invés de funcionarem como um sistema único, funcionam como partes isoladas. Quando uma dessas partes joga, a outra assiste. A solução, com esse elenco, eu já disse aqui: Dwight não pode ser estrela e ficar recebendo a bola de costas para a cesta pra finalizar. Deve interferir no jogo através da defesa, dos tocos, dos desvios de bola, e fazer apenas cestas fáceis comuns a todos os pivôs, ou seja, em rebotes ofensivos ou passes de armadores que tentaram infiltrar. Se ele receber a bola demais, o resto do time desaparece.
Se o Magic tivesse jogado normalmente contra o Hawks, ignorando o Dwight Howard, eles teriam ganhado a partida por 400 pontos – e tudo por causa do Howard. Ele teria vencido o jogo na defesa, tapando o garrafão, teria conseguido rebotes de ataque, teria feito cestas simples embaixo do aro que sobrariam pra ele assim meio sem querer. Não teria marcado 46 pontos, sairia com no máximo 16, mas a série estaria liquidada. Dentro desse Magic, o Dwight só deveria ser acionado quando consegue posição exatamente debaixo do aro, empurrando o seu defensor na marra, e aí não corre o risco de marcação dupla ou de ter que passar a bola. Justiça seja feita, o pivô tem cada vez mais conseguido estabelecer essa posição embaixo da cesta. O problema é que surge um paradoxo bizarro: nessas situações ele quase nunca recebe um passe.
Em geral, quando uma jogada é chamada para o Dwight, ele vai receber com um pé fora do garrafão e aí começa a movimentação ofensiva. Mas o posicionamento adquirido debaixo do aro não é algo que pode ser chamado, é algo que simplesmente acontece devido ao posicionamento da defesa, da força física do adversário, e em geral acontece no meio de uma jogada de ataque que não envolva o pivô. Cabe aos armadores reconhecerem esse posicionamento privilegiado, parar a jogada na metade e mandar pro Dwight. É simples. Mas o Magic não tem armadores puros, o Jameer Nelson e o Gilbert Arenas estão lá para ser arremessadores. O Turkoglu é o melhor em acionar o Dwight nessas situações, fato, mas o elenco inteiro está meio perdido em quadra, porque a função de todo mundo é arremessar e eles não sabem muito bem como, nem quando, porque tem gente demais para isso. O próximo arremesso é do J-Rich, do Nelson, do Arenas, do Turkoglu, ou do Ryan Anderson? As jogadas não são orgânicas, não são reações a movimentações do adversário, e por isso dificilmente alguém reagirá ao posicionamento do Dwight debaixo do aro. Por três vezes no jogo contra o Hawks, Dwight Howard conseguiu o espaço necessário para uma cesta fácil e não recebeu a bola – recebeu, sim, uma violação de 3 segundos no garrafão. Então mesmo nos jogos em que o Dwight está sendo constantemente acionado, como foi nessa partida em que marcou 46 pontos, ele não recebe a bola nas ocasiões em que deveria, simplesmente porque o time é mais travado que garota frígida, fica tentando achar um arremesso de três à força e não sabe nunca quem deve ser o arremessador da vez.
Curiosamente, o Dwight Howard tem todos os atributos para ser um jogador de pick-and-roll graças à sua velocidade, sua impulsão e sua facilidade em correr pela quadra, mas o Magic é um dos times da NBA que menos usa a jogada. E pior, usa apenas para criar espaço para o Jameer Nelson (o Synergy Sports deda: 60% das vezes a jogada é com ele), e é sempre procurando um arremesso, a bola não vai para o Dwight. O Magic foi criado como um time para arremessadores de três e um pivô, e não terá pick-and-rolls enquanto o técnico for Stan Van Gundy.
A princípio, eu achei que a volta de Turkoglu faria com que o Dwight fosse acionado nas horas certas. Achei que Gilbert Arenas, que gosta de criar o próprio arremesso, seguraria mais a bola e exploraria o Dwight só quando necessário. Mas não: Arenas não sabe usar pick-and-rolls nunca, e foi relegado ao cargo de simples arremessador; e Turkoglu aciona cada vez mais Dwight de costas para a cesta, onde a bola nunca voltará ao perímetro, onde o Dwight sofre inúmeras faltas (comprometendo o time tanto com seu baixo aproveitamento quanto na interrupção do ritmo de jogo), e onde ele perde mais bolas para a marcação. Aliás, vale lembrar: Dwight errou 8 lances livres contra o Hawks, dos 22 que tentou. O aproveitamento é bom para ele, mas é péssimo para o time e atrapalha demais o ataque se o time adversário tiver vários jogadores de garrafão para ficar só descendo a porrada nele. E o Hawks tem, por isso não tem medo de descer o sarrafo no pivô. Some a isso o fato que o Dwight desperdiçou 8 bolas (incluindo as três violações de 3 segundos no garrafão por não receber a bola) e fica fácil ver que o time perde muito para que ele seja capaz de marcar 46 pontos.
É nessa hora que a comparação com o Derrick Rose é tão frutífera: o Bulls é montado para que o Rose possa arremessar oito mil bolas, a própria mãe, e dance a macarena, porque o resto do elenco está ali parasuporte, para segurar na defesa, para aliviar nos arremessos quando ele passa para fora. O Magic é construído para que o Dwight faça aquilo que ele não sabe fazer, que é passar a bola, e ignora aquilo que ele faz de melhor, que é o posicionamento embaixo da cesta e o pick-and-roll. Antes eu culpava o Dwight, agora tenho pena dele. Seu jogo tem vários pontos altos, mas nesse elenco, com esse técnico, a melhor coisa que pode fazer é mudar de super-herói e virar a Mulher-Invisível. O Magic só vai ganhar se não deixar o Dwight marcar 46 pontos nunca mais nessa série. Nunca. Mais.
O pior é que do jeito que está, o Magic ainda assim é bom o bastante para chegar numa Final de NBA. Há uma bagunça entre os arremessadores, ninguém tem papel definido, o Dwight não pode ser acionado, mas com leves ajustes dá para criar um esquema vencedor – e mesmo assim vai ser um esquema idiota porque não usa bem as potencialidades de ninguém nesse elenco. Com uma repensagem desse esquema tático, dá pra criar uma potência de novo, mas aí vai esbarrar sempre nisso: qual vai ser o papel do Dwight? Quantas bolas por jogo ele pode arremessar, e de que lugar da quadra? Que tipo de elenco de suporte ele precisa para poder ter carta branco como Derrick Rose? Ou será que ele simplesmente aceitaria ser secundário, tocar pouco na bola, e vencer os jogos na defesa? Desconfio que não e, portanto, será sempre mais difícil encontrar lugar para jogar em plenas condições. Não que um dia ele vá parar na Turquia, mas talvez nunca vejamos ele fazendo aquilo que poderia fazer de melhor, e isso pra mim é tão triste quanto a Turquia – ter que ver o Super-Homem brincando de Mulher-Invisível pra vida toda.