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Deu tudo errado nos nossos planos e não conseguimos postar nosso já tradicional preview antes de começar cada nova série dos playoffs. Mesmo que muitas vezes ele vá ao ar em cima da hora, minutinhos antes do jogo, dessa vez nem isso conseguimos fazer. Thunder e Mavs ficou sem uma apresentação, sem uma introdução. Mas já que nos acostumamos a moldar o espaço-tempo com o League Pass (que permite que você assista ao jogo já começado ou terminado quando quiser, voltar a jogada, pausar, cortar os intervalos), vamos fazer uma viagem temporal: retornaremos ao passado, faremos as perguntas que eram fundamentais para entender a série, e então viajaremos de volta para o futuro (!) para mostrar como essas questões foram respondidas no jogo de ontem à noite.
– Como o Thunder fará para marcar Nowitzki? Quem receberá essa função? Usarão marcação dupla?
Essa eu nunca teria adivinhado. O Thunder usou nada mais, nada menos do que 6 marcadores no Nowitzki: foram Serge Ibaka (na maior parte do tempo), Nick Collison, Kendrick Perkins, Kevin Durant, Thabo Sefolosha e James Harden. O Westbrook também acabou marcando o alemão, mas foi numa troca de marcação desastrada. O Ibaka já tinha mostrado contra o Grizzlies todas as suas especialidades e todas as suas dificuldades, e eu esperava que o Nowitzki fosse mesmo uma dor de cabeça ainda maior. O Ibaka deu muito espaço para o Zach Randolph arremessar e, quando tentou jogar de forma física, cometeu muitas faltas ou foi batido em giros rumo à cesta. Seu grande trunfo é a velocidade, então ele é excelente na ajuda defensiva, cobrindo seus companheiros, ou fechando o pick-and-roll. Contra o Nowitzki, dar espaço para o arremesso é loucura, e o alemão tem muitos recursos girando em direção à cesta. Jogando menos na força bruta, que era o caso do Randolph gordinho, imaginei que o Ibaka teria mais problemas para contê-lo, mas que ele estaria ao menos constantemente na frente do Nowitzki para atrapalhar. O que aconteceu foi que assim que recebeu espaço para arremessar no começo do jogo, Nowitzki converteu seus arremessos e entrou num ritmo. Percebendo que precisaria pular mais para contestar os arremessos bizarros do alemão, que pula para trás como se fosse uma mola, Ibaka começou a sair do chão na defesa – cometendo assim muitas faltas e ficando vulnerável para o Nowitzki bater pra dentro. Quando começou o terceiro período, Ibaka já tinha 4 faltas e foi pro banco. Não deu certo. O Perkins se saiu ainda pior, porque para contestar os arremessos tem que mover toda sua massa corporal feita de concreto e o Nowitzki apenas fingia os arremessos para cortar livremente rumo à cesta. Cagada. Então o Thunder tentou o Durant, que é mais rápido e tem braços mais compridos estilo Dhalsim, mas como ele não tem físico para segurar o jogo de costas para a cesta do alemão, acabou cometendo faltas e teve que abandonar a função. Thabo Sefolosha tentou colocar em prática a defesa ideal contra o Nowitzki, que é estabelecer uma posição sólida bem perto do corpo do alemão e obrigá-lo a colocar a bola no chão. Mas o Nowitzki arremessou facilmente por cima do Sefolosha, que é muitíssimo mais baixo do que todos os outros marcadores, e ainda cavou faltas fazendo algo inédito para ele: combatendo a defesa estabelecida do seu marcador com força, usando as costas sem medo do jogo físico. James Harden tentou a mesma tática e se saiu um pouco melhor, mostrou um físico que eu não imaginava que ele tivesse, mas Nowitzki continuou arremessando por cima de todos esses nanicos. Foi um massacre. Quem se saiu melhor foi o Nick Collison, o homem que lascou com a vida do Zach Randolph no jogo final entre as equipes, mas também cometeu muitas faltas tentando evitar os arremessos de arco gigante do alemão. Ao todo, o Nowitzki cobrou 24 lances livres e converteu todos, recorde da história dos playoffs.
É claro que o Thunder tentou dobrar a marcação assim que o Nowitzki começou a acertar arremessos, mandando o Wetbrook para a dobra. É sempre uma boa sacada para pará-lo, porque ele passa a bola toda vez que a dobra chega (a não ser que a dobra venha muito tarde, quando ele já se dirigia para a cesta, como aconteceu algumas vezes). Mas existe uma coisa bizarra a respeito do Mavs: eles são um time com pouca variação ofensiva, que não gira a bola, e que se baseia muito em jogadas de isolação – a não ser que a bola saia de dentro do garrafão. Quando o Nowitzki recebe marcação dupla, ele invariavelmente passa a bola para o perímetro e lá a bola gira com maestria para encontrar um arremessador livre. Por que eles não giram a bola constantemente eu nunca saberei, mas bastou o Thunder dobrar para que o Mavs convertesse uma bola de três pontos. Foram cestas de Jason Kidd, de DeShawn Stevenson, de Peja Stojakovic (a década passada manda lembranças), e principalmente do Jason Terry (que inclusive fez a cesta de três que garantiu a vitória, numa dobra no Nowitzki, quando o Thunder apertava no minuto final). Bastaram alguns desses arremessos convertidos para que o Thunder parasse de dobrar, voltando apenas no quarto período quando a água estava batendo na bunda. E a verdade é que muitos arremessos de três pontos nessas circunstâncias não caíram, mas os que caíram decidiram o jogo.
Voltamos então a uma questão que monopolizava os debates táticos na época em que o Duncan dominava o jogo: deve-se dobrar ou não a marcação num ala de força que sabe passar a bola para um time que é bom arremessador de três? Sempre achei que a marcação deveria dobrar no Duncan e forçar os outros jogadores a decidir no perímetro, mas o Suns perdeu muitos jogos para o Spurs porque estava dobrando – e muitos outros por não estar dobrando, também. O Thunder vai passar por essa questão filosófica durante a série, “dobrar ou não dobrar, eis a questão”, e essa pode ser a escolha mais decisiva do confronto.
Vale ressaltar também a paciência absurda do Nowitzki quando sofre a marcação dupla. Ele respira, segura a bola mais um pouco, e aí passa para o perímetro. Apenas uma vez, no jogo inteirinho, recebeu a bola de volta para atacar de novo o garrafão, lá no fim do terceiro quarto. Ele passa para fora mesmo sabendo que a bola não voltará, confia inteiramente no time e o Mavs é feito para isso. Mesmo nos contra-ataques, o que o Mavs quer é arremessar do perímetro, e funciona.
– O banco do Dallas Mavericks prometeu desequilibrar a série. Jason Terry chegou a dizer que queria marcar sozinho mais pontos do que todo o banco do Thunder. Como o banco do Thunder vai responder a isso, e como Jason Terry se sairá?
Pois é, o Jason Terry quase fez o que prometeu. Sozinho marcou 24 pontos, com 4 bolas de três pontos, enquanto o banco inteirinho do Thunder somou os mesmos 24 pontos. Jason Terry se aproveitou um absurdo da dobra de marcação no Nowitzki, e soube também usar isso para fingir arremessos contra a defesa do Thunder afoita por cobrir os buracos, batendo para dentro do garrafão com o caminho livre. O Nowitzki teve uma partida absurda, mas a calma do alemão só foi possível porque ele não teve que forçar arremessos, podia colocar a bola no perímetro para o Jason Terry se aproveitar. De certo modo, foi ele quem decidiu o jogo e permitiu a partida do Nowitzki.
Mas o banco do Dallas teve também os 21 pontos do JJ Barea, que também quase fez tantos pontos quanto o banco do Thunder inteiro. E o JJ Barea nem precisou ficar arremessando, ele atacou a cesta numa boa se aproveitando dos espaços criados pelo Nowitzki. Foi quase uma imitação do que o Devin Harris fazia por lá uns anos atrás. Vamos dar uma olhada em uma imagem do jogo, tirada diretamente de um print screen do meu League Pass.
Reparem primeiro na qualidade da imagem, que parece um quadro pintado pelo Monet (é o espírito do pintor, que às vezes invade meu League Pass). Mas depois, vamos dar uma olhada naquele bolo de jogadores na cabeça do garrafão. Parece uma suruba, mas na verdade é o Brandan Haywood ameaçando fazer um corta-luz para o Nowitzki. Só essa ideia já deixa a defesa do Thunder louca, então tanto o marcador do Nowitzki (o Ibaka) quanto o marcador do Haywood (que é o Perkins) precisam impedir a jogada. Mas vejam, é uma defesa inteira comprometida com isso sendo que a bola sequer está naquela parte da quadra. Enquanto isso, o Nate Robinson está marcando o homem com a bola mas defende seu lado direito, que é onde está o Nowitzki, para tentar impedir um passe para o alemão. O JJ Barea, que tem a bola, pode então caminhar de costas em direção à cesta se quiser, porque ninguém está lhe dando bola. O único homem por perto é o James Harden que, como vimos analisando taticamente as jogadas do Grizzlies, nunca – NUNCA – abandona seu homem na zona morta. E foi assim que o JJ Barea marcou 21 pontos sem nunca ser marcado por ninguém. O Nowitzki muda o jogo mesmo quando está só parado, lendo um gibi.
O banco de reservas também se segura sem o alemão, mesmo que seja capengando. As jogadas que o Mavs chama continuam idênticas (em geral é o Shawn Marion que é isolado de costas para a cesta), o que me enlouquece, é muita burrice e tem resultados mequetrefes. Mas os jogadores são bons o bastante para ao menos segurar as pontas. Com 3 minutos para acabar o primeiro quarto, Nowitzki já estava descansando no banco numa boa com a garantia de que o time não iria se demolir.
O banco do Thunder, por sua vez, não tem esse poder ofensivo. Ontem até o Nate Robinson, que mora de castigo no banco, entrou em quadra para correr atrás do Barea e dar uma força no ataque. O único reserva que ajudou pra valer foi o James Harden, que cada vez se mostra um jogador mais completo. Contra o Grizzlies, mostrou que consegue armar o jogo e passar a bola nas infiltrações, o que lascou muitas vezes o plano defensivo da equipe dos ursinhos. Contra o Mavs, ele foi o único jogador capaz de costurar a defesa por zona da equipe de Dallas e finalizar na bandeja ou então acionar os jogadores do Thunder embaixo da cesta. Se o Westbrook conseguisse ter essa frieza do Harden, seria um gênio.
– O Mavericks vai usar sua famosa defesa por zona? Se usar, o Durant não vai matá-los no perímetro? Como diabos vão marcar o Durant?
Essa pra mim foi a maior surpresa do jogo. Não teria adivinhado nunca, teria mesmo que viajar de volta para o futuro. O Mavericks usou bastante sua defesa por zona e com isso deu um espaço considerável para o Durant arremessar toda vez que recebia a bola vindo de um corta-luz. Mas essa defesa por zona tornou impossível para o Westbrook usar sua velocidade e colocar a bola no chão na cabeça do garrafão! A defesa por zona do Mavs exige um post à parte, que teremos muito tempo para fazer nesses playoffs, o que importa por enquanto é que o Westbrook foi obrigado a acalmar o ritmo, costurar a defesa, lidar com mais de um marcador, e ele é um desastre nessas coisas. Quando finalmente encontrava o caminho livre para o aro (em geral no contra-ataque, porque a defesa de transição do Mavs fede), tomava sopapo dos trogloditas do garrafão: Tyson Chandler e Haywood. O Mavs que fez Kobe Bryant não finalizar praticamente nenhuma vez perto do aro apareceu ontem, mandando Durant e Westbrook pro chão, pra linha de lances livres, e forçando erros com vários defensores em cima da bola ao mesmo tempo. Durant cobrou 19 lances livres, Westbrook cobrou 18. Parece algo desastroso para o Mavs, não? Além disso, Durant marcou 40 pontos, acertando arremessos fáceis. Parece uma merda, não? Aí está a genialidade do Mavs, o sinal de que eles assistiram a todos os jogos da série entre Thunder e Grizzlies e fizeram a lição de casa. A defesa por zona foi colocada em prática para deixar o Durant jogar, mas aloprar com o Westbrook. Quem foi o gênio maligno que pensou nisso? Além disso, é melhor deixar os dois na linha de lances livres do que fazendo bandejas. Como o Lakers mostrou, uma hora o time cansa de apanhar, cansa de ter todas as bandejas contestadas, e passa a arremessar só de longe. O Thunder é pior quando fica nos arremessos (venceu o Grizzlies fácil com o Durant cortando mais em direção à cesta) e depende muito do Westbrook não cometer cagadas e controlar o ritmo de jogo (quando ele armou o jogo com calma, passou a bola e não forçou arremessos, o Grizzlies virou farofa no Jogo 7). Com uma defesa para forçar o Westbrook a não poder bater para a cesta, o Mavs só teve que se preocupar em cometer faltas nas penetrações que passavam e ver os arremessos de fora choverem. O Thunder só encontrou uma bola de segurança nas infiltrações ou espaços dentro da zona que procuravam então passar a bola para alguém embaixo da cesta, como Ibaka ou Perkins. Quem mais fez isso foi o Harden, porque o Westbrook não consegue.
Essas questões foram então bem respondidas, e está dada a tônica da série. Mas e quando os arremessos de fora do Thunder caírem? E quando o Durant marcar 60 pontos porque tem espaço para jogar? Será que o Westbrook consegue vencer a defesa por zona, acalmar o jogo, levantar a cabeça, e acionar o garrafão? E quem diabos, mantemos a pergunta, vai marcar o Nowitzki pra valer? Haverá dobra ou não? São novas questões que resolveremos no próximo jogo, quinta-feira. E você acompanha a análise aqui, num horário aleatório mas no mesmo bat-canal.