>Salário duro

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Enquanto eu escrevia esse post, Eddy Curry ganhou
 8 bilhões de dólares apenas para ser gordo

Continuando nossa série de posts sobre as negociações e os salários na NBA, é hora de falar dos modelos de teto salarial, os tais “salary cap”. Como lembramos nos posts anteriores, as discussões entre donos de equipes e jogadores estão focadas na repartição dos lucros, mas passam também por qual modelo de teto salarial será utilizado pela liga. O modelo atual, conhecido como “soft”, estipula um valor máximo a ser gasto com salários para cada equipe (que foi de pouco mais de 70 milhões na temporada passada), mas esse valor pode ser ultrapassado através de uma série de exceções ou pagamento de multas. Esse modelo, dizem, favorece os times milionários que podem pagar quantas multas quiserem, os times que estão em mercados mais favoráveis (e que portanto ganham mais dinheiro com propaganda, camisetas, ingressos), e ainda por cima inflaciona o salário dos jogadores, gerando gastos absurdos que estariam levando os times à falência. A solução, portanto, seria um “hard cap”, um teto salarial duro, em que o limite máximo de gastos nunca poderia ser ultrapassado. Só assim todos os times teriam chances iguais de competir, os salários dos jogadores cairiam normalmente e a NBA ficaria mais equilibrada e economicamente saudável, além de curar o câncer e acabar com a fome na África.

Usar um teto salarial rígido, como os donos (e muitos dos nossos leitores) propõem, é uma opção bacanuda – mas que tem uma série de problemas que não andam sendo considerados por aí. Vamos então analisar os principais benefícios associados a um “hard cap” e ver se eles funcionam tão bem quanto se imagina.

– Um teto salarial duro iria diminuir o salário das grandes estrelas

O que muita gente não sabe é que o “soft cap” não é frouxo apenas porque os donos podem pagar multas para extrapolá-lo, mas também porque existem trocentas exceções que permitem aos times que já atingiram o limite gastar mesmo assim. Para entender melhor, o Denis escreveu um post excelente sobre as principais exceções e vale a pena dar uma lida. Aqui, vou dar apenas uma resumida nas principais: as exceções “Bird” (“Larry Bird”, “Early Bird”, “Non-Bird”) permitem a um time reassinar seus jogadores mesmo sem ter espaço salarial para isso; a “mid-level” permite assinar todos os anos um jogador que custa o preço médio de um jogador (por volta de 5 milhões); a “bi-annual” permite gastar mais 2 milhões ano sim, ano não; a “rookie” permite que um time assine os novatos que draftou mesmo sem ter grana pra isso; e a “minimum player salary” permite assinar jogadores veteranos por um salário mínimo (por volta de 1 milhão) mesmo sem essa grana sobrando no teto salarial.

Ou seja, todas essas exceções permitem que os times possam contratar jogadores “comuns” (veteranos ganhando salário mínimo, novatos, jogadores com salário médio) mesmo sem ter espaço salarial para isso, e ainda tenham chance de manter suas estrelas. Sem essas exceções, teríamos dois problemas graves. O primeiro é que as equipes, após contratações até um valor máximo estipulado, não poderiam adicionar mais jogadores de jeito nenhum – nem novatos, nem veteranos. Os times ficariam “engessados”, e quem mais sofreria com isso seriam os jogadores médios e ruins, os “role players”, os “tapa-buracos”. As equipes vão continuar gastando o que for necessário em suas estrelas, mas com os times engessados quem não conseguiria trabalho seriam os jogadores que recebem salário médio (de 5 milhões), os novatos e os veteranos.

O outro problema do fim das exceções é que elas não ajudam os times de mercado pequeno – pelo contrário, elas prejudicam essas equipes! Vejam bem: digamos que um jogador tem que escolher entre jogar em sua atual equipe, o Bobcats, ou então jogar pelo Knicks. Se as duas equipes podem oferecer exatamente o mesmo salário, financeiramente falando será melhor para esse jogador ir para o Knicks, onde conseguirá as melhores ofertas de propaganda, comerciais, patrocínios e vendas de camisetas. O time pequeno (no caso o Bobcats) só tem atualmente ao seu favor o fato de que pode oferecer um contrato maior para seu jogador, mesmo se isso extrapolar seu teto. Sem as exceções, times de mercado pequeno são obrigados a competir com os times de mercado grande em iguais condições de pagamento salarial, o que se torna muito injusto porque existe dinheiro disponível fora das quadras nos mercados maiores.

As estrelas, aliás, sentiriam pouco as mudanças no teto salarial. As equipes continuarão pagando o que for necessário por elas. Como vimos, a maior mudança seria nos jogadores de salários baixos ou então na hora das equipes reassinarem suas estrelas. Então os salários dos jogadores mais bem pagos cairiam um pouco na hora de renovar os contratos, mas seriam anos e anos até que esses salários diminuam consideravelmente. Além disso, imagine se o “hard cap” entrasse em vigor agora: os times que estão acima do limite se livrariam do Kobe e do LeBron? Obviamente que não. O Heat, por exemplo, está abaixo do limite salarial mesmo com LeBron, Wade e Bosh, apenas não sobra muita grana para adicionar outras peças como novatos ou veteranos. Essas equipes não cortariam LeBrons e Wades, mas sim outros salários e não poderiam, por muitos anos, adicionar mais ninguém para mudar esses elencos. É o fim dos veteranos indo ganhar mixaria para tentar vencer títulos – e também o fim das equipes que mudam e renovam todos os anos. A mobilidade da liga e o fator novidade cairiam bastante.

– O teto salarial duro deixaria a liga mais competitiva

Com um limite salarial rígido, provavelmente seria mais difícil assinar várias estrelas ao mesmo tempo. Mas, como vimos acima, isso não diminuirá a vontade das grandes estrelas de jogar por equipes de grande mercado. As equipes pequenas ou perdedoras teriam mais dificuldade em segurar as estrelas que já possuem, o que poderia prejudicar ainda mais os mercados pequenos. Mas, de fato, um dono rico influenciaria muito menos suas equipes do que acontece hoje em dia.

Segundo a Forbes, o Dallas Mavericks, atual campeão da NBA, ultrapassou o teto salarial em 15 milhões de dólares – tudo culpa do seu dono nerd e biruta, o Mark Cuban, que não mede gastos para tornar seu Mavs competitivo. Mas como seu time tem fins recreativos e ele tira do próprio bolso, tenho certeza de que não é um dos donos choramingando por falta de dinheiro. Vale lembrar que por ultrapassar o teto, Mark Cuban pagou outros 15 milhões de dólares em multa – que foram parar nos bolsos da NBA e das outras 23 equipes que não ultrapassaram o limite salarial. Ou seja: apenas 7 equipes ultrapassaram o teto salarial da temporada passada (Lakers, Mavs, Magic, Celtics, Nuggets, Jazz e Rockets). Rapidamente dá pra perceber que as equipes que mais gastaram definitivamente não foram as equipes com maior sucesso.

A Forbes fez uma lista bem legal com todos os classificados para os playoffs passados para mostrar quanto elas pagaram de salário e quantas vitórias tiveram na temporada regular. A melhor relação entre salários e vitórias foi do Chicago Bulls, que teve 62 vitórias pagando apenas 52 milhões de dólares em salário – bem abaixo do teto salarial de 70 milhões. Logo atrás veio o Thunder, com 55 vitórias e apenas 53 milhões em salários, mostrando o sucesso de seu plano de reconstrução focado na pivetada. Dos 16 classificados para os playoffs, apenas 4 ultrapassaram o limite: Boston Celtics, Los Angeles Lakers, Orlando Magic e Dallas Mavericks. Tirando o Mavs, campeão, as outras equipes só levaram na cabeça.

E não é como se o Mavs dominasse a NBA todos os anos porque o Cuban tem dinheiro enfiado nas orelhas, pelo contrário, sempre pareceu que o Mavs nunca ia ganhar um título nem no campeonato de par ou ímpar. Mesmo o Lakers, que ganhou dois títulos seguidos estando bem acima do teto salarial, é frágil e foi eliminado dos playoffs numa boa. É claro que um teto salarial duro seria saudável para impedir equipes exageradamente fortes como o Lakers e o Mavs, mas não dá pra sonhar com uma igualdade total, uma NBA em que “qualquer equipe pode ser campeã”. Mesmo no formato atual as equipes que mais gastam não garantem melhores resultados (o Knicks foi, por anos, ao mesmo tempo a equipe com maiores salários e uma das piores em número de vitórias), times com poucos gastos estão chutando traseiros nos playoffs, e as equipes de mercado pequeno vão continuar tendo problemas para contratar jogadores porque nem só de salário vivem os jogadores (tem gente que escolhe o time baseado até no clima ou na presença de estrangeiros na cidade, como o Yi Jianlian).

– O teto salarial rígido vai fazer mais torcedores acompanharem a NBA

Muita gente diz que a NBA não tem o sucesso de público que deveria porque não é competitiva, culpa do modelo salarial que permite “super equipes”. O Denis, que anda lendo o sensacional Soccernomics (já comentado em seu post anterior), fez questão de desmistificar essa ideia numa conversa que tivemos – e que eu aproveito para colocar aqui, na íntegra:

Em um capítulo do livro, há uma comparação entre a Premier League e a NFL e algumas pessoas defendem que a NFL é mais legal porque qualquer um pode ser campeão, enquanto na Premier League só 3 times foram campeões nos últimos 15 anos.


Mas aí o livro mostra duas coisas: uma é que a NFL não é tão igualitária assim, tem alguns poucos times fazendo boas campanhas todos os anos, mas o que passa a impressão de igualdade são os diversos campeões, algo mais influenciado pelos playoffs em jogos únicos do que por equilíbrio entre as equipes. Na NBA, que extrapola com melhor de 7, existem menos chances de surpresa e se um time é superior vai ganhar mais vezes mesmo.

Mas depois ele mostra uma coisa ainda mais importante. As pessoas nem gostam tanto assim de ligas iguais. A audiência e interesse das pessoas passa pelos super times, pelos super campeões. Quando existe um time imbatível todo mundo quer assisti-lo. Ninguém perde uma chance de ver (e torcer contra) o Manchester United ou o Miami Heat. Se um time domina tudo sozinho pode até ser meio chato (vide Schumacher), mas quando tem dois ou três para fazer frente, fica mais interessante ainda. As pessoas gostam de saber quem é forte e quem é fraco, quem é favorito, a zebra e o coitado.

E um exemplo claríssimo é o Campeonato Brasileiro. O campeonato de 2009 foi um dos mais disputados da história, todo jogo era difícil, os times eram nivelados. E o que aconteceu? Todo mundo reclamou que iria ganhar o menos pior. Que não tinha time lá com cara de campeão, que ninguém queria vencer. E curiosamente é o que estão dizendo do Brasileirão HOJE. No fim de semana o Corinthians perdeu e todo mundo achou que ele seria ultrapassado, mas Flamengo, São Paulo, Palmeiras e Vasco, todos com chance disso, empataram e deixaram a chance escapar. Hoje os torcedores e mesas redondas já estão com o papinho de “ninguém quer vencer” e “nivelado por baixo”. 

Então, mesmo se o “hard cap” nivelar a NBA, isso não garante que as pessoas irão se interessar por isso. Um ou outro, talvez, mas o grande público prefere Lakers, Celtics, Bulls e Knicks lutando pelo título todo ano do que eventualmente se deparar com Kings e Bucks na final.”

Não apenas o “hard cap” não necessariamente deixaria a liga mais equilibrada então, já que salários e resultados não parecem tão relacionados e a falta de exceções atrapalharia os times pequenos, mas também podemos ver nas afirmações do Denis que esse suposto equilíbrio não é algo procurado pela grande maioria dos fãs de esporte. Tenho certeza de que ele retornará a esse tema num futuro próximo, mas por enquanto nos basta colocar em dúvida alguns dos benefícios associados ao “hard cap” – e o interesse dos torcedores está certamente entre eles. 

Vale lembrar, também, que grande parte da diversão dos torcedores de uma temporada para a outra é saber como seus times podem melhorar, que jogadores podem contratar, quem serão os novatos que entrarão na equipe. Com “hard cap”, um time (seja ele grande ou pequeno) que usou todo seu espaço salarial e fedeu durante a temporada será obrigado a continuar fedendo até que os contratos se encerrem. Não daria para contratar ninguém, nem um quebra-galho sequer, nem um novato cheirando a fralda, nada. Os torcedores de um time ruim vão ter que amargar esse time do mesmo exato jeito durante anos, o que certamente diminuirá o interesse não apenas nos times, mas na liga como um todo.
Eu sei que esse post faz parecer que eu estou apenas metendo o pau no “hard cap” e quero que a liga continue como está, mas é exatamente o contrário. Sou a favor do “hard cap”, mas basicamente por um motivo: ele facilita o entendimento e a compreensão da NBA. Hoje em dia para saber se seu time pode ou não contratar alguém, você tem que ser doutor em direito trabalhista e físico quântico. Tem que ver a duração dos contratos, as exceções disponíveis, há quantos anos um jogador que será reassinado está jogando por seu time (porque isso influencia o salário máximo da extensão), se o time usou a “bi-annual” no ano anterior, qual é o salário médio da temporada, qual é o mínimo para veteranos… é um inferno completo! Com um “hard cap” você simplesmente vê se tem espaço, vê quanto custa um jogador e pronto, é só saber somar, não requer prática nem habilidade e nem ter feito a quarta série. Mas para isso funcionar é preciso levar em consideração a série de problemas que vão vir no pacote e tentar dar um jeito de resolvê-los: os times não podem ficar engessados, tem que existir um modo de melhorar as equipes de uma temporada para a outra; as equipes precisam ter algum tipo de vantagem na hora de reassinar suas estrelas; e a divisão dos lucros (das equipes que tiverem lucros, claro) deve ser maior com as outras equipes, para ajudar os mercados menores. 
Mas mesmo que todas essas questões sejam resolvidas, não adianta sonhar com uma suposta igualdade de condições entre as equipes e nem com uma diminuição significativa nos salários das grandes estrelas. Como os jogadores bem disseram durante as negociações com os donos, os cortes salariais vão ser mais fortes justamente nos jogadores com menores salários, esses itinerantes que vão de equipe em equipe sendo contratados apenas com as exceções salariais.
O “hard cap” traz, portanto, mais problemas a serem resolvidos do que soluções aos problemas atuais da liga, infelizmente. Seu maior mérito econômico é impedir que os donos gastem demais – mas no modelo atual eles escolhem gastar ou não, e nem dá pra dizer que você “precisa gastar para ser competitivo” porque os salários definitivamente não compram vitórias (né, Eddy Curry?). Se eu gasto mais do que tenho aqui em casa comprando um elefante e uma banheira, a culpa vai ser minha, não preciso de uma regra em casa que me proíba de fazer cagadas. O que está em jogo, então, é a falta de opções para os times desfazerem as suas cagadas, os exageros, as más contratações. Só que um “hard cap” torna desfazer cagadas algo ainda mais difícil, porque fica impossível remendar a merda feita! Entra em jogo, então, um outro modelo como opção: o de salário por mérito. Os donos parecem estar oferecendo algo nesse molde para os jogadores, ainda que não saibamos exatamente em que grau. Mas analizaremos aqui no Bola Presa, em breve, um modelo totalmente “meritocrático” para os salários e vamos ver se ele resolveria essas questões que parecem continuar tanto com o “soft cap” quanto com o “hard cap”. Aguardem!

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