Na semana passada vivemos um momento de otimismo enorme quando até David Stern e Billy Hunter pareciam felizes e próximos de um acordo. Aí veio o baque: fim de reunião e todo mundo de cara fechada, dizendo que todos os avanços foram por água abaixo. Segundo Derek Fisher, presidente da NBAPA, a Associação dos Jogadores, “os donos viram que fizemos algumas concessões e seus olhos brilharam querendo mais e mais”.
Como eu já disse milhares de vezes, talvez a gente nunca descubra o que de verdade acontece nessas salas de reunião, afinal o que cada lado diz depois é sempre contraditório e tanto os donos como os jogadores querem manipular as informações de alguma forma que a imprensa e o público fiquem do seu lado. Como resposta a essa afirmação, por exemplo, David Stern disse que os donos ainda queriam negociar, mas que não puderam porque Billy Hunter se levantou e foi embora.
Para se ter uma ideia de como as informações são desencontradas, em um espaço de poucos dias ouvimos gente dizer que 95% do acordo está certo, que só falta a definição final de valores do BRI: donos querem divisão de 50/50, jogadores de 52/48. Mas que o sistema está todo acertado. Ao mesmo tempo saiu outra notícia de “uma fonte interna” dizendo que esses relatos que a definição está dependendo só desses 5% é bobagem, que tem muito mais coisa a ser discutida e decidida. E aí? Fonte anônima por fonte anônima vocês acreditam em quem? A decisão mais racional é ler tudo e não acreditar em nada ou não ler nada e esperar fatos concretos.
Se eu fosse um simples torcedor, estaria ignorando solenemente essa palhaçada toda, mas bitolado que sou e com um blog sobre o assunto, fico lendo e relendo coisas que poucos dias depois serão confirmadas e negadas dezenas de vezes. Aqui tento passar para vocês as coisas que eu acho que parecem mais realistas, e tento deixar claro como muito disso pode ser ficção.
Depois do colapso das negociações na semana passada, o principal assunto da greve/locaute passou a ser divisão. Não mais a divisão dos recursos gerados pela liga, o tal BRI, mas sim as duas facções briguentas é que estariam criando rixas dentro delas. Por um lado um grupo de jogadores estaria disposto a acabar com a NBAPA e ficar seu uma união os representando, de outro uma parte dos donos estariam apressados querendo começar logo a temporada com a divisão de 50%, enquanto outros estão bravos com o David Stern pedindo que ele corte ainda mais a fatia dada para os atletas.
Comecemos pelos jogadores. Nessa semana aconteceu uma teleconferência envolvendo pelo menos 50 jogadores, muitos dos principais agentes da liga e um advogado com especialidade em casos de processos antitruste, todos discutindo a possibilidade de acabar com a NBAPA. O movimento teve participação de caras com influência e nome como Paul Pierce, Dwyane Wade (os cabeças do grupo), Blake Griffin, Ray Allen, Jason Kidd, DeAndre Jordan, Al Horford, Dwight Howard, Tyson Chandler e outros. A ideia é a seguinte: enquanto existir uma união de jogadores da NBA, a liga não pode ser indiciada por atividade de truste, que é quando uma única organização domina toda a oferta de produtos ou serviços de uma área, ou quando uma única organização tem poder demasiado de pressão sobre essa área. A NBA, é claro, domina o mercado e a área de atuação dos jogadores de basquete nos EUA, mas como existe uma Associação dos Jogadores da NBA, a NBAPA, ela está protegida contra isso. A chamada “decertificação” da Associação permitirua que a NBA fosse indiciada por truste e aí as negociações pulariam das mesas de David Stern e Billy Hunter para a Justiça.
Segundo a análise de David Scupp, um especialista em processos antitruste, os jogadores até teriam muitas chances de ganhar esse processo contra a NBA se um dia ele chegar na Justiça. Teriam que ser abordados muitos temas, e a coisa seria complicada, mas no fim a vitória dos jogadores poderia ser significativa, diz ele. Mas isso não quer dizer que é a melhor opção. Segundo o mesmo Scupp, um processo desse tamanho demoraria anos e anos para ser resolvido, o que significaria que a NBA perderia mais de uma temporada, muito de sua força, fama e os jogadores ficariam sem anos de salários. Fazer isso seria aceitar, ao que parece, ganhar bem menos em times ao redor do mundo ao invés de dar o prazer da vitória nas negociações para os donos. Não à toa o blog Eye-on-Basketball, que entrevistou Scupp, chama a decertificação da Associação de “A Opção Nuclear”.
Isso ainda não está próximo de acontecer. A teleconferência foi para se discutir a possibilidade e não se sabe as conclusões que eles chegaram durante a conversa, sem contar que para que a Associação seja dissolvida eles precisam de mais jogadores aderindo ao movimento. Muitos acreditam também que tudo isso não passa de um blefe, um jeito de dizer para os donos “aceitem os 52% que oferecemos ou a coisa vai ficar preta”. Até porque, convenhamos, mesmo que o acordo fique com essa quantia para os jogadores, os donos já venceram essas negociações e recuperaram boa parte da porcentagem que queriam.
Pior que acredito que muitos donos pensam como eu, as informações vagas que eu comentei tem vários indícios de que tem donos de saco cheio desse locaute e querendo que a temporada comece logo. É a divisão do outro lado da mesa. Como cada um pensa no seu umbigo, não é difícil adivinhar quem são eles: Jerry Buss (Lakers), James Dolan (Knicks), Micky Arison (Heat) e Mark Cuban (Mavs) são os que tem a voz mais ativa nessa campanha. O Lakers quer aproveitar, economicamente e dentro de quadra, os poucos anos que restam na carreira de Kobe Bryant. O Mavs quer aproveitar o embalo do título, a temporada lotando ginásios como o “atual campeão” e, claro, os últimos momentos dos já experientes Dirk Nowtizki e Jason Kidd. O Heat não montou o time dos sonhos para ficar assistindo reunião de engravatados e o Knicks tem jogadores relevantes pela primeira vez em uma década, não tem problemas de prejuízo nem nos tempos de vacas magras e, claro, quer aproveitar o momento.
Mas existe um grupo de cerca de 12 times, a maioria de centros econômicos menores, que estão forçando a barra nas negociações. Dizem até que eles só aceitam finalizar o acordo quando eles própiros tiverem mais de 50% do BRI, nem uma divisão igual, o mínimo do mínimo que os jogadores cogitam (talvez, em último caso) aceitar, os agrada. O líder desse movimento dos pequenos é ninguém menos do que Michael Jordan, o dono do Charlotte Bobcats. Para alguns esse é o grito de desespero dos times de mercado pequeno querendo sobreviver, para outros é o jeito dos donos responderem à ameaça de decertificação dizendo “aceitem o acordo de 50% antes que esse pessoal faça vocês perderem ainda mais”.
Mas por mais que seja uma estratégia, como tudo parece nessas horas, não tem como não se surpreender com a imagem de Michael Jordan sendo associada à liderança desse movimento. É o jogador mais conhecido de todos os tempos, o melhor da história para 99% dos fãs do basquete e sem dúvida o ídolo e modelo de todos os atletas contra quem hoje ele está se opondo radicalmente em nome de seus colegas cartolas. E não é só isso, Jordan, quando era jogador, já participou de suas próprias negociações com a liga, como bem lembra o SBNation:
Em 1999, logo depois de se aposentar, mas ainda participando ativamente das discussões que acabaram com o locaute daquele ano e uma temporada de 50 jogos, Jordan foi cara a cara com o dono do Wizards, Abe Pollin, e disse “Se você não consegue fazer isso funcionar direito, venda o time, não desconte nos jogadores”. E antes disso, em 1995, Jordan, junto de Patrick Ewing e Reggie Miller, liderou um movimento pedindo que os jogadores acabassem com a Associação dos Jogadores e processassem a NBA baseado em leis antitruste. Sim, exatamente a estratégia de hoje em dia. Na opinião dele, o então presidente Buck Williams havia negociado dois contratos horríveis que incluíam enormes perdas para os jogadores, coisas como o luxury tax (a multa que os times pagam por ultrapassar o limite salarial) e o rookie scale (salários fixos para novatos). Hoje, do outro lado, Jordan quer aumento do luxury tax e diminuição dos salários dos jogadores em até 7%.
E ainda tem a cereja no bolo. Também em 1995 ele comentou a atuação de David Stern como representante dos donos dos times da NBA: “Tudo o que o Stern precisa fazer é analisar a proposta pelos olhos dos jogadores. Ele não iria recomendar isso, ele não aceitaria isso, então por que nos faz essa proposta?”. Pois é, Jordan, seu filme já está queimado ou você quer mais uma? OK, mais uma: “Eu vejo Clyde Drexler, David Robinson ou Charles Barkley dizendo que conseguimos um bom negócio para nós, as super estrelas. Mas e os outros jogadores que vão chegar e vão fazer essa liga funcionar e manter o basquete popular como é hoje? Não é um bom negócio para eles, é por isso que estamos lutando”. Precisa comentar o quanto uma pessoa pode mudar em 16 anos?
Amanhã, sábado, acontece mais uma reunião entre donos e jogadores. E sabe quem estará de volta? George Cohen, você leu sobre ele na semana passada. E não, ninguém sabe se isso é bom ou mal sinal, saberemos só amanhã mesmo. O que é fato é que foi ele mesmo quem ligou para os dois lados e pediu para estar lá, um doido varrido. Claro que sempre que há uma reunião o negócio pode ser fechado, mas o otimismo está distante em relação à semana passada, o que esperamos agora é que todos saiam um pouco mais otimistas, alinhados e que esses papos de 47% e decertificação não passem de provocações. Porque já que cada um pensa no seu, temos que pensar no nosso lado de fãs da NBA. Nenhuma dessas coisas seria boa para a nossa perspectiva de ver um joguinho de basquete no nosso League Pass ainda nesse ano.
Atualização 6/11 A reunião acabou e se o resultado não foi lá muito bom, pelo menos dá uma perspectiva de conclusão do locaute. Ou do apocalipse. Pela primeira vez os jogadores trabalham com um deadline, com um dia para aceitar ou não uma proposta.
Aconteceu assim, o mediador George Cohen se encontrou com os dois lados em separado e depois, quando todos estavam juntos, fez diversas propostas. Os donos escolheram uma em que os jogadores ficariam com 51% do BRI (todo o dinheiro gerado pela NBA) e os donos ficariam com 49%, além disso os times que estivessem acima do limite do salary cap teriam mais restrições a participar da Free Agency e um mid-level exception (proposta que hoje é de 5mi por temporada, feita por times acima do salary cap) de apenas 2.5 milhões.
David Stern jogou a proposta na mão dos jogadores e disse que eles tinham até quarta-feira para decidir aceitar ou não, e deixou muito claro o seu ultimato: Se a proposta for negada os donos de times pequenos, liderados por Jordan, só vão fazer propostas que começam com os jogadores levando 47% do BRI e com um sistema mais parecido com um Hard Cap.
Se os jogadores aceitarem, fim de locaute. Se recusarem, as negociações vão para um buraco de onde vai ser difícil sair tão cedo.
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Nada a ver com o post, mas só pra gente não esquecer porque aguentamos essa palhaçada toda: