Quando o Cavs perdeu para o Warriors pela vexatória diferença de 34 pontos, comentamos em nosso podcast que “se fosse futebol brasileiro, esse era o tipo de derrota que derrubava técnicos”. Parte mentalidade de futebol brasileiro, parte pressão de LeBron James e agregados, parte Maldição Bola Presa™, eis que David Blatt realmente caiu, mesmo comandando o time líder da Conferência Leste. O abismo entre as duas equipes ficou tão gritante, tão evidente, que era necessário fazer algo drástico – calhou de ser a demissão do técnico, o elo mais fraco.
Na madrugada de ontem chegou a vez do Warriors enfrentar o Spurs – um time sem elos fracos – no que era o jogo mais esperado da temporada até agora. Também flertando com aquele simbólico recorde de vitórias numa temporada que o Warriors está perseguindo, o Spurs parecia ter todas as peças para fazer frente ao time líder da NBA e colocar um pouco de emoção no campeonato. Talvez perdesse; talvez não tivesse ainda a procurada solução mágica para parar o Warriors; talvez faltasse executar com perfeição o plano proposto pelo técnico Gregg Popovich; mas ninguém estava preparado para uma SURRA colossal. O jogo já estava tão acabado no terceiro quarto que o último período INTEIRO foi “garbage time”, com o fundo do banco das duas equipes jogando só porque no basquete não tem a saída elegante do xadrez: ir lá e derrubar seu rei sem maiores delongas. Mais engraçado de tudo foi ver o fim de banco do Warriors ganhar o último período por um ponto, levando a diferença final entre as equipes para 30. Ah, se fosse futebol brasileiro…
Na entrevista depois do jogo, Popovich até brincou:
“Estou simplesmente feliz por meu general manager não estar no vestiário. Eu poderia ter sido demitido.”
To start though, Popovich was funny, you could whatever he told players, wasn't good #Spurs pic.twitter.com/dksQnGBvyF
— Jabari Young (@JabariJYoung) January 26, 2016
Gregg Popovich, dentro da segurança da estrutura mais bem consolidada da NBA, mandou seu cutucão ao amadorismo e infantilidade da franquia de Cleveland que demite qualquer um a qualquer sinal de apuro. O Spurs não é a equipe mais constante – e vencedora! – da NBA à toa, trata-se de um time que acredita no seu técnico, nos seus jogadores, nos seus esquemas táticos, e que justamente por essa segurança virou destino preferido de jovens estrelas e modelo para diversas franquias em todos os esportes. Ninguém vai cair por lá graças a uma derrotazinha por míseros trinta pontinhos. Mas, tendo dito isso, o Spurs ainda tem uma encrenca enorme: está tendo uma campanha histórica, quebrou o recorde da franquia de vitórias por 25 pontos ou mais antes do meio da temporada, é o primeiro time da história a ganhar 10 jogos seguidos ou mais em seis temporadas consecutivas, tem quase 85% de aproveitamento nessa temporada, mas NADA DISSO IMPORTA se eles não forem capazes de vencer o Golden State Warriors. Infelizmente para os dois times históricos batendo cabeça no topo do Oeste, no final só poderá haver um deles campeão e direto para os livros de História. Ainda que ninguém no Spurs deva estar puxando os cabelos – ao menos por enquanto – é óbvio que o teste contra o Warriors foi um fracasso e algumas soluções precisam ser criadas até o próximo confronto. Popovich admitiu que seus jogadores estavam empolgados com a partida porque queriam se medir contra os atuais campeões, e claramente o resultado de ontem foi um tapa no ego desse elenco. O Spurs é excepcional, um time inacreditável – mas não o bastante. E é esse “não o bastante” que tira o sono de todas as franquias da NBA que ainda não entendem o que o Warriors está fazendo direito, tampouco como contra-atacar. Pra tentar chegar numa solução é preciso compreender o que funciona e o que não funciona, então vamos dar uma olhada em tudo que o Spurs tentou para atrapalhar o Warriors no jogo de ontem e quais foram os resultados.
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Múltiplos defensores em Stephen Curry
Diversos jogadores do Spurs tiveram a responsabilidade de marcar Curry durante o jogo. Em parte isso se dá para não permitir que o armador se sinta confortável com um estilo de defesa, que esteja sempre questionando quem será seu próximo marcador e não consiga ganhar confiança, mas em parte é também porque o Warriors puxa contra-ataques de um modo tal que NÃO DÁ TEMPO da defesa adversária ficar escolhendo quem vai marcar quem. Muitas vezes Curry foi marcado por quem estava mais perto na hora da correria, coisa de que o armador tirou proveito sempre que o duelo lhe era favorável. Não vi nenhum defensor, no entanto, mudar muito a postura ofensiva de Stephen Curry. Jogando agressivamente, arremessando e infiltrando em qualquer oportunidade, não deu nem pra ele notar quem era o sujeito que estava defendendo. A única exceção foi quando foi marcado por Kawhi Leonard, o melhor defensor de perímetor da NBA. Nessas circunstâncias, Curry simplesmente soltou a bola nas mãos de Draymond Green e foi JOGAR SEM A BOLA, se movimentando bastante, fazendo corta-luz para outros jogadores e permitindo que alguém não marcado pelo Leonard saísse em posição de arremesso ou cortasse para a cesta para receber um passe simples. O problema de deixar Leonard em cima do Curry em todas as posses de bola, portanto, é que isso cria um desnível nas outras posições, com jogadores maiores do Warriors sendo marcados por jogadores menores do Spurs. Para ficar tudo bonitinho na defesa, Tony Parker teria que passar mais tempo marcando Curry, coisa que simplesmente NÃO FUNCIONA, Curry engoliu o francês em todas as oportunidades. Aliás, a filosofia do Warriors foi colocar em posição de arremesso qualquer jogador que estivesse sendo marcado pelo Tony Parker. Chegou uma hora em que não dava nem para o francês estar mais em quadra Dica: o Spurs precisa repensar a rotação dos jogadores para permitir que Kawhi passe mais tempo no Curry.
Marcação pressão
O Spurs tentou pressionar o Warriors no perímetro o máximo possível – não exatamente na saída de bola, mas bastante assim que a bola cruzava a meia quadra. A ideia me parecia dar o mínimo de espaço para o Curry jogar e obrigá-lo a, com isso, se livrar da bola para outro jogador. A marcação pressão no armador inclusive recebeu ajuda eventual de outros defensores, numa marcação dupla. Qual foi o resultado disso? O Stephen Curry, ao contrário da enorme maioria dos jogadores da NBA, não passa a bola no susto quando recebe pressão ou marcação dupla no meio da quadra – ele INSISTE em ficar com a bola viva, driblando, e arruma espaço através do controle de bola mais espetacular que vemos no basquete atual. É isso mesmo: Stephen Curry DRIBLOU PRA FORA de todas as situações defensivas pressionadas que enfrentou no jogo, encontrando então um companheiro livre ou, pior, tendo um trajeto inteiramente livre para a cesta. O foco na defesa de perímetro do Spurs fez com que todo jogador do Warriors que passasse a primeira leva de defensores – fosse no drible, fosse num corta-luz fora da bola – tivesse um caminho bem simples paro o aro. Dica: pressionar o Curry simplesmente não funciona.
Marcação do pick-and-roll
O Spurs tentou deixar seus jogadores de garrafão para fora das jogadas defensivas de pick-and-roll, um ou dois passos para trás da bola, para que pudesse haver cobertura nos arremessos saídos diretamente do corta-luz. O próprio Warriors faz isso muitas vezes com Draymond Green, por exemplo. Isso exige jogadores de garrafão ágeis, com boa velocidade lateral para encurtar o espaço de arremesso quando necessário, e que possam dobrar a marcação a qualquer momento em caso do pick-and-roll funcionar. O principal homem encarregado dessas jogadas defensivas foi LaMarcus Aldridge, que em termos táticos tentou emular ao máximo o papel defensivo que o Draymond Green tem no Warriors. Foi Aldridge quem ajudou nas marcações duplas, fechou caminhos para a cesta e cobriu os pick-and-rolls, e até que ele se saiu muito bem nesse papel que não lhe é habitual. O problema é que o Warriors parece entender perfeitamente bem como furar essa defesa: quando o pick-and-roll funcionava, tinha sempre alguém cortando para a cesta por trás de Aldridge, e quando não funcionava – ou antes mesmo de funcionar – Stephen Curry já estava arremessando bolas a dois ou três passos da linhas de três pontos, aproveitando a distância que o Aldridge tem que dar no seu posicionamento. Curry matou o jogo nessas bolas longuíssimas que o Spurs simplesmente não tinha qualquer plano para defender.
O ritmo de jogo
Talvez porque a principal fragilidade do Warriors é cometer muitos turnovers quando está mergulhado na putaria da corrida, o Spurs tentou jogar num ritmo muito mais acelerado do que o seu habitual. Além disso, cansar o Warriors é bom negócio para a equipe de San Antonio, que supostamente tem um banco mais talentoso e profundo do que seu rival. Ao meu ver, essa foi a decisão mais errada de Popovich: o Warriors até cometeu vários turnovers, é verdade, mas o Spurs cometeu muito mais, gerou muitos contra-ataques e não conseguiu estabelecer um ritmo no ataque. Na correria, o Spurs caiu na maior PEGADINHA que o Warriors oferece: toda vez que parece que um jogador deles está te dando espaço para uma linha clara de passe, pode apostar que vai surgir uma MÃO ali no meio que vai desviar a bola – e quando essa bola é desviada, amigo, a quadra vira TERRA DE NINGUÉM. É basicamente nisso que a defesa do Stephen Curry se baseia: ele te dá o lado esquerdo, e de repente ele é todo mãos e braços naquela região, desviando os passes para o pick-and-pop que o Spurs gosta tanto de fazer. Só quando o Spurs conseguiu acalmar, isolar Kawhi Leonard e pensar em passes mais óbvios é que o ataque rendeu satisfatoriamente. Dica: o Spurs precisa jogar bem mais devagar.
O banco de reservas
Com um banco mais completo, o Spurs tinha tudo para ganhar a batalha quando os titulares sentassem. Mas aí veio o nó do Steve Kerr, que mesclou mais titulares e reservas do que em qualquer outro jogo da temporada, manteve Draymond Green armando um tempão o elenco reserva, e soube usar maravilhosamente bem o Shaun Livingston – que aliás também trucidou o Cavs no famoso jogo de Natal. Livingston é um armador muito alto que cria problemas para a defesa por exigir em geral um ala em cima dele, e que ao invés de ficar no perímetro corta continuamente para a cesta pare receber passes nas costas dos pivôs. Curry e Livingston, OS DOIS SEM A BOLA, fizeram corta-luz atrás de corta-luz para que um dos dois saísse sempre em caminho à cesta para um passe simples. Tentando marcar isso, depois de apanhar muito, o Spurs abriu espaço constante para alguém na linha de três. Essa história do banco de reservas melhor é furada: o banco do Warriors se beneficia do esquema tático, tem gente de tudo quanto é tamanho, e cria muitos problemas para os adversários. Dica: o Spurs vai ter que mesclar melhor reservas e titulares também.
A movimentação ofensiva
O Spurs dessa temporada precisa muito que o adversário erre as rotações defensivas ou que deixe Kawhi e LaMarcus em situações de marcação individual, onde eles prosperam. O Warriors não faz nem uma coisa nem outra: Draymond Green ajuda a dobrar a marcação o tempo inteiro, e ninguém errou UMA ROTAÇÃO SEQUER o jogo inteiro. Foi uma aula até nas rotações durante contra-ataque, mesmo com os reservas menos experientes em quadra. Aqui fica talvez um receio meu com o Spurs: o time é tão talentoso, nos dois lados da quadra, que está vencendo os adversários por mais de 20 pontos sem precisar de cortes para a cesta, corta-luz duplo ou qualquer dessas extravagâncias essenciais para atrapalhar o Warriors. É verdade que Kawhi, no mano-a-mano e de costas para a cesta, foi a maior ameaça que o Warriors enfrentou na partida, mas é fardo demais para um jogador que está o tempo todo SUANDO ÀS BICAS na defesa e que se insistir numa jogada, vai receber marcação dobrada toda hora. Dica: o Spurs precisa pensar em outras situações de ataque, preferencialmente fora de situações de contra-ataque, onde a defesa do Warriors é mais eficaz.
Em suma: a gente não sabe ainda muito bem o que funciona contra o Warriors, mas ao menos sabemos cada vez melhor o que NÃO funciona. Vamos cortando da listinha, jogando fora o que não tem chance de dar certo, e botando nosso lado nerd de basquete pra funcionar. Não demitido, seguro, estável, Popovich vai ter tempo para encontrar uma saída. Mas com metade da temporada já nas nossas costas, talvez essa solução tão desejada já esteja tarde demais.