Um Varejão no campeão

Poucas vezes vimos a imprensa tradicional ficar tão confusa com um evento na NBA como na troca do Varejão na data limite para trocas nessa temporada. Varejão foi trocado, imediatamente dispensado e por fim contratado por uma terceira equipe, num processo burocrático e atrelado a diversas regras salariais da NBA que a maior parte das pessoas não faz ideia de que existe. Muita gente ficou indignada que o Varejão tenha sido demitido, que ele tenha sido trocado de Cleveland por um jogador supostamente inexpressivo, e alguns não se conformam que seus talentos não tenho sido melhor usados no Cavs nos últimos tempos, culminando em sua troca definitiva. Com toda essa confusão, vamos tentar analisar a troca do Varejão a fundo, tanto do ponto de vista das regras salariais quanto dos motivos táticos para que ela tenha ocorrido – e para que o Warriors tenha acolhido o brasileiro em seu glorioso elenco.

Para começar, é importante lembrar que o Cavs tem, nessa temporada, a maior folha salarial da NBA. Por estar muito acima do teto salarial, o Cavs chegou a pagar 60 milhões de dólares apenas em multas para a NBA – isso além dos 110 milhões que pagam os salários dos jogadores, claro. Parte desse gasto exorbitante é responsabilidade de Tristan Thompson. Depois de ter atuações surpreendes nos playoffs passados e ter sido a melhor resposta do Cavs ao poderoso small ball do Warriors, houve muito pressão para que o Cavs renovasse seu contrato mesmo que a franquia estivesse receosa de dar a quantidade de grana que o jogador pedia. As negociações se arrastaram por toda a pré-temporada, LeBron deu uma pressionada e eventualmente o Cavs deu um contrato que paga em média 16 milhões de dólares por ano para Tristan Thompson pelos próximos 5 anos. Como já estava acima do limite estipulado pela Liga, o contrato de Thompson gera o dobro em multas – que são distribuídas como bônus para os times que não excedem o limite.

Com Mozgov e Kevin Love no time, Tristan Thompson acabou passando a maior parte da temporada vindo do banco de reservas, apesar de ter um salário de titular. Colocá-lo para jogar é mais do que simplesmente se aproveitar de seu talento nos rebotes ofensivos e sua velocidade de contra-ataque, é também justificar o investimento pesado da franquia. Voltando de lesão e sem ritmo, Varejão não tinha a menor chance de competir com um jogador novo, atlético e com um contrato gigantesco recém-assinado.

No ataque, Timofey Mozgov ainda é a melhor opção do Cavs no garrafão, mesmo que LeBron fique DOIDO às vezes porque o pivô russo não consegue segurar alguns passes simples em direção à cesta. Na defesa, Tristan Thompson é a melhor escolha para proteger o aro por conta de sua velocidade lateral, impulsão e capacidade mutante de pegar rebotes. Varejão é bom na defesa, competente no ataque, mas não está no mesmo nível em nenhuma das categorias que os seus companheiros especialistas. Nessas condições, seu futuro era mofar no banco esperando a lesão de algum jogador fundamental.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Maior ausência que Varejão deixa no Cavs: beijinhos na galera”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Beijo.jpg[/image]

Trocar Varejão por Channing Frye, então, permitiu ao Cavs ganhar um jogador que traz algo que o elenco não tinha – um arremessador de três pontos especialista no banco de reservas para tentar manter o padrão tático que o time titular tem com Kevin Love – e ainda de quebra economizar 10 milhões em salários e taxas, tudo por um jogador que não estava nem deveria estar sendo usando. Sua presença era importante nos bastidores, para a moral da equipe, para LeBron James, mas não justificava inflar a folha salarial e não oferecer algo importante para o time em quadra.

Enquanto isso, o Magic adorou se livrar do Channing Frye. É claro que ele é um arremessador sólido e causa problemas para as defesas adversárias com seu tamanho, mas a equipe de Orlando está em outro momento: quer colocar a pirralhada para jogar, criar uma identidade, consolidar sua reconstrução, e nessas circunstâncias não faz sentido usar um jogador veterano, em clara decadência física, que não se encaixa nos planos futuros da equipe. Ao conseguir um time com reais chances de título em que aí sim Frye se encaixa imediatamente, o Magic conseguiu realizar a troca e economizar 15 milhões em salários pelos próximos dois anos. Nada mal para uma equipe que não tem mesmo pretensões de vencer agora e que sonha com a possibilidade de contratar algum grande nome na temporada que vem.

Mas pra essa troca fazer sentido para o Magic, Varejão não poderia ir para lá ocupar o espaço salarial da equipe. Era preciso encontrar uma equipe que tivesse espaço sobrando, muito abaixo do teto salarial, e que fizesse a GENTILEZA de aceitar Varejão na equipe. Eis que aí entra o Blazers e sua minúscula folha salarial.

Para se ter uma ideia, o Blazers gasta tão pouco com seus jogadores que a equipe conseguiu ficar 14 milhões ABAIXO do MÍNIMO permitido na NBA. A Liga tem um valor mínimo que as equipes precisam gastar com salário para evitar que alguém gaste só 10 reais e o dinheiro do busão enquanto perde de propósito jogos em busca de uma boa escolha de draft na temporada seguinte. Para dar uma equilibrada, nenhum time pode gastar demais – mas nenhum time pode gastar muito pouco também. Caso o Blazers não gastasse 14 milhões a mais com salários, o time seria OBRIGADO a pagar essa grana para seus próprios jogadores, como um bônus, para alcançar o mínimo permitido. Essa é a situação perfeita para procurar times que precisem desesperadamente fazer alguma troca para se livrar de um jogador caro. Foi assim que o Varejão foi parar em Portland. Por uns minutos.

O Blazers não tinha qualquer intenção de manter o Varejão, já que o time é super jovem, está finalmente funcionando e a franquia tem como política fundamental manter jogadores com idades e momentos parecidos na carreira, com as mesmas ambições e objetivos. Varejão, já com 12 anos de NBA e expectativas de ajudar um time na pós-temporada, não se encaixava por lá. Tudo que o Blazers queria era usá-lo para ocupar espaço na folha de pagamento e então dispensá-lo para que possa seguir sua vida.

A dispensa do Varejão funcionou assim: Varejão chegou com seu contrato de mais de 9 milhões nessa temporada, mas o Blazers só precisa pagar a grana que ele receberia pelo restante da temporada, o resto o Cavs já pagou. Isso quer dizer que – OLHA QUE GENIAL – o Blazers paga apenas 4 milhões, mas na folha salarial Varejão ocupa quase 10 milhões, que é a grana que o Blazers não vai ter mais que devolver aos seus jogadores como multa. Além disso, para poder demitir um jogador é necessário pagar para ele a INTEGRALIDADE do dinheiro prometido no contrato, por quantos anos esse contrato valer. No caso do Varejão, são mais 9 milhões referentes à temporada que vem. Mas o Blazers pode enfiar essa grana agora de uma vez no seu espaço salarial, economizar a totalidade das multas que pagaria, e gastar o dinheiro da economia (14 milhões) para pagar os exatos 14 milhões que restam no contrato do Varejão. No fundo, o Blazers deixou de pagar as multas – que seriam divididas entre seus jogadores – para pagar o Varejão e mandar ele pra rua. Pra que se dar ao trabalho, então, se ficou tudo igual?

Porque pela GENTILEZA de absorver o contrato do Varejão para que o Cavs e o Magic pudessem trocar o Channing Frye, o Blazers recebeu uma escolha de primeira rodada de draft – assim, de agradecimento por tornar tudo possível. Basicamente, o Blazers gastou um total de ZERO REAIS, não teve que fazer qualquer esforço que não seja assinar um ou outro papel, e ganhou uma escolha de draft do Cavs no processo. Lindo de se ver.

Uma vez liberado, Varejão enfiou seus 14 milhões no bolso e foi feliz e contente ver se alguém lhe oferecia emprego pelo salário mínimo para os veteranos, que é mais ou menos 1,5 milhão. Todos os melhores times da NBA tem espaço para um veterano, famoso por ser boa presença nos vestiários e que pode ajudar imediatamente em minutos curtos no garrafão. Prova disso é que foi procurado imediatamente por Spurs, Warriors e Thunder. Acabou escolhendo o Warriors, parte pela chance de jogar pelo time campeão, parte pela quase-certeza de ganhar um anel, parte pelas amizades – Varejão vai jogar com Leandrinho e estará próximo do assistente técnico Luke Walton, que jogou com ele no Cavs e de quem ele era bastante próximo.

O Cavs só não entrou na disputa para oferecer esse contrato mínimo pro Varejão porque a NBA não deixa, já que O PRÓPRIO CAVS JÁ SACANEOU fazendo isso uma vez. Na temporada 2009-10 eles trocaram o Zydrunas Ilgauskas, se livraram do espaço que ele ocupava na folha salarial, o time que o recebeu dispensou o lituano na hora, e o Cavs assinou o pivozão pelo mínimo. Na prática, continuaram com o jogador mas pagando uma dezena de milhões de dólares a menos. Agora, a “Regra Ilgauskas” (também conhecida como “Regra Cavs Safado”) impede que o time que trocou um jogador possa contratá-lo de novo por um período de um ano.

Mas a verdade é que o Cavs não tinha espaço mesmo para o Varejão e, se pudesse oferecer um contrato para o jogador, só o faria por gentileza, pelas memórias, pela gratidão pelo tempo que ele passou tão carismaticamente em Cleveland. Para o Warriors faz milhões de vezes mais sentido contratar o brasileiro. O pivô Festus Ezeli se mostrou peça fundamental da equipe desde o fim da temporada passada, dando a opção de Draymond Green jogar eventualmente como ala, mantendo a velocidade do contra-ataque que Andrew Bogut não consegue impor e oferecendo uma proteção ao aro que o resto da equipe não oferece, já que o foco do Warriors é sempre na proteção dos passes de entrada para o garrafão. O problema é que Festus Ezeli fez uma cirurgia complicada no joelho durante essa temporada e, embora os relatos sejam de que está se recuperando mais rápido do que o planejado, não há qualquer garantia de que ele estará em boa forma física para os playoffs. Varejão chega à equipe como substituto automático de Ezeli, garantindo o pick-and-roll, a proteção de aro e velocidade na transição. Pode não estar em condições de jogar muitos minutos, mas com Bogut e Green isso não será necessário mesmo. Jogará poucos minutos mas manterá o esquema da equipe, colaborando para um dos bancos de reserva mais eficientes da NBA. Caso se entrose rapidamente e ganhe ritmo de jogo bem antes dos playoffs, pode ser que Varejão ganhe ainda mais minutos para que Draymond Green descanse um pouco para a pós-temporada, o que seria fantástico para o Warriors. Além disso, caso Varejão saiba usar seu jogo ofensivo com o time reserva, pode muito bem roubar minutos do Mo Speights, que está numa fase medonha e volta e meia compromete demais o time na defesa – e sequer acerta seus arremessos para compensar. Na melhor das hipóteses, Varejão poderá se tornar um jogador importante da rotação da equipe, tapando diversos buracos no elenco e mantendo o nível em caso de lesão dos outros jogadores de garrafão. Na pior das hipóteses, botou um milhãozinho a mais no bolso, tem tudo para ganhar um anel de campeão e terá um par de minutinhos por jogo sem comprometer a equipe. Foi certamente uma situação em que todos os lados saíram ganhando – e que não há nostalgia ou saudade da cidade de Cleveland que possa comprometer. Como Leandrinho bem sabe, ser campeão cura qualquer ressaca.

 

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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