Dizem que a primeira impressão é a que fica. Talvez por isso muita gente ainda tenha dificuldade em ver Blake Griffin como algo além de enterradas acompanhadas de um jogo de pernas suspeito e um centro de gravidade todo aloprado. Quando jogou suas primeiras partidas na NBA, Griffin tinha uma passada estranha e rodopiava seu corpo loucamente até para as coisas mais simples como um ganchinho dentro do garrafão, mas era garantia de enterradas humilhantes toda vez que encontrava algum espaço. Quando ninguém tinha esperança suficiente na humanidade para conseguir ver um jogo do Clippers, o contato do público médio com Griffin era através de sua passagem obrigatória pelas melhores jogadas da semana – sempre em enterradas, claro. Por um tempo parecia que sua capacidade de pular por cima dos defensores era indefensável e que ninguém poderia impedi-lo de marcar 20 pontos por jogo mesmo que ele não soubesse arremessar ou que suas jogadas de costas para a cesta parecessem LAMBADA, A DANÇA PROIBIDA.
Demorou pouco para que os números de Blake Griffin começassem a despencar por conta das defesas da NBA se acostumarem com seu jogo limitado. Ainda que gradualmente os números tenham voltado a crescer, muita gente acha que ele ainda pontua da mesma maneira: rodopiando como pião da casa própria e enterrando na cabeça da galera. Mas a verdade é que frente às forças defensivas da NBA, Griffin teve que reinventar seu jogo em grande medida, encontrar outras maneiras de ser eficiente em quadra e hoje lembra apenas vagamente aquele jogador que deixou uma forte primeira impressão nos Top 10 de enterradas uns anos atrás. Desenvolveu um arremesso no “cotovelo” do garrafão sólido, aprendeu a bater em direção à cesta ao invés de receber a bola já de costas para ela, passou a vencer muitos marcadores usando o drible e tornou-se uma ameaça fora do garrafão não apenas com seu arremesso mas também com seus passes precisos para companheiros que cortam rumo ao aro. Depois de uma queda grande, esse desenvolvimento gradual permitiu que Griffin recuperasse sua importância dentro da equipe, mantendo alto nível mesmo sofrendo com defesas pesadas, marcação dupla e já completamente manjado pelos adversários. Seu jogo atual, bem mais versátil, dá conta desses obstáculos e mantém o posto de Griffin como um dos melhores pontuadores de garrafão da NBA – e um dos jogadores mais completos da NBA.
[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Chris Paul assalta Griffin quando ninguém está olhando”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/Assalto.jpg[/image]
Mas na temporada 2013-14 pudemos pela primeira vez perceber que o jogo de Griffin dava conta de muito, muito mais do que se imaginava. Chris Paul acabou se lesionando e, na falta de um armador mais capacitado, Griffin assumiu não apenas a carga ofensiva da equipe como também a função de manter a bola nas mãos e armar o jogo por completo. O resultado foi fantástico: sem Chris Paul, Griffin conseguiu médias de 27.5 pontos, 8.2 rebotes, 4.4 assistências e 55% de aproveitamento de arremesso. O Clippers continuou ganhando, o esquema tático mudou muito pouco e depois de papos iniciais sobre Chris Paul ser candidato a MVP quando chegou à franquia, passamos a ouvir clamores para que Griffin levasse o prêmio. Não é qualquer equipe que tem a honra de ter dois possíveis candidatos diretos a MVP jogando lado a lado, e quando isso acontece dá pra cravar que o time com duas estrelas desse nível é candidato imediato ao título de campeão da NBA. Mas infelizmente quando Chris Paul voltou às quadras, ficou claro que a disputa de título não era o caso do Clippers, em parte porque era impossível Blake Griffin manter aquele nível de jogo com o Chris Paul sendo o responsável por armar o ataque. Por outro lado, seria impossível ter Chris Paul usando todo seu potencial se Blake Griffin mantivesse a bola nas mãos a maior parte do tempo. Basicamente nenhum dos dois pode atingir seu melhor enquanto o outro estiver em quadra. É uma simples questão de papel em quadra: estatisticamente os dois estão na melhor situação para renderem quando atuam em mais da metade das posses de bola da equipe, iniciando as jogadas e decidindo a movimentação ofensiva.
Isso, em si, não é um problema. LeBron James não podia ser tudo que era capaz ao lado de Dwyane Wade e vice-versa, mas os dois pisarem em seus respectivos freios permitia que esses dois talentos compartilhassem a quadra. Levou um tempo para que o Heat de Erik Spoelstra encontrasse um esquema tático que limitasse os dois sem inviabilizar seus jogos. É uma concessão que se faz em nome de somar uma quantidade de talentos maior do que a presença de apenas um dos jogadores em questão. No caso do Heat, é notório que Dwyane Wade teve que fazer mais concessões e aceitar um papel de menor impacto do que o de LeBron James, simplesmente porque Wade era, dentre os dois, o mais eficiente no jogo sem a bola.
O mesmo acontece com o Clippers: não podendo Chris Paul e Blake Griffin estarem em seus máximos lado a lado em quadra, Griffin faz as maiores concessões porque consegue render melhor sem a bola o tempo inteiro em mãos, recebendo pontes-aéreas, jogando no pick-and-roll e atraindo a marcação. É uma questão de bom senso, já que Chris Paul até poderia jogar sem a bola – seu arremesso tem melhorado muito nos últimos anos – mas renderia muito menos do que Griffin consegue render ao ser acionado apenas eventualmente. Dentro das possibilidades, Griffin aceitar um papel mais secundário nesse Clippers é inevitável e sinal de que os dois jogadores entendem o que é melhor para a equipe como um todo.
[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Cotovelo dentro do aro: a definição máxima de talento”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/BlakeGriffin.jpg[/image]
O único problema é que diminuir o potencial de uma das suas estrelas para permitir que joguem juntas só faz sentido quando o time não tem defasagens em outras posições. O banco do Clippers na temporada passada era facilmente o pior da NBA – ao menos ofensivamente, era o que fazia menos pontos a cada 100 posses de bola. Aquisições para compor o banco para a temporada atual foram fracassos retumbantes, como Lance Stephenson e Josh Smith, caóticos demais para o jogo engessado do Clippers e ambos já fora da equipe, trocados por pacotes de bala. A dependência de todo o elenco dos passes de Chris Paul e de Blake Griffin é tanta que dificilmente o técnico Doc Rivers arrisca não colocá-los ao mesmo tempo em quadra para garantir que o ataque flua. Com DeAndre Jordan só pontuando no jogo de pick-and-roll e JJ Redick dependendo de passes precisos que o recompensem por toda a movimentação sem a bola que ele faz no perímetro, não dá pra esperar produção ofensiva da equipe sem seus dois maiores passadores em quadra. Justamente por isso Doc Rivers insiste em colocar em quadra os reservas TODOS DE UMA VEZ, contando com a capacidade de Jamal Crawford de criar o próprio arremesso – o que, sem ajuda de Paul ou Griffin, só gera arremessos forçados. Nenhum dos reservas da equipe faz mais pontos do que toma quando está em quadra, o que mostra a ineficiência do escalão de apoio. Se Paul Pierce, membro do banco do Clippers, melhorou tanto nos últimos meses foi apenas porque na ausência de Blake Griffin ele passou a visitar o elenco titular e se beneficiou de jogar ao lado de Chris Paul, com todo o espaço em quadra que essa parceria proporciona.
Uma possível solução para isso seria, como tanto se discute por aí, colocar Blake Griffin no banco de reservas. Se ele atuasse apenas com o escalão reserva, poderia se aproximar mais do seu próprio auge, aumentar a profundidade do banco e melhorar o jogo de todos os reservas ao seu redor. Os problemas para essa proposta, entretanto, são vários: além de ter que convencer uma grande estrela a ir parar no banco, coisa que só o Spurs sabe fazer, ainda há o detalhe de que o Clippers tem buracos de talento demais em todas as posições para poder se dar ao luxo de acabar limitando os minutos daquele que é, talvez, seu melhor jogador. É uma contradição bizarra: para aumentar a qualidade da equipe que passa menos tempo em quadra, o Clippers abriria mão de jogar com força máxima a maior parte do tempo. É um plano muito longe do ideal.
Uma outra possível solução, mais polêmica mas ao mesmo tempo mais sensata, seria trocar um dos dois jogadores – não por uma outra estrela, mas por uma coleção de peças sólidas que aumentem a qualidade geral da equipe em todos os momentos de jogo. É o que eu sempre repito sobre usar dinamite para abrir uma porta: outros jogadores piores, conseguindo dar o máximo através da ajuda de Chris Paul, poderiam finalizar pontes-aéreas e fazer 20 pontos por jogo como Griffin faz hoje. Aquilo que Griffin faz de extra, de especial, digno do prêmio de MVP, tem pouquíssimas oportunidades de aparecer em quadra no modelo atual do Clippers. Um exemplo quase herege: Marcin Gortat, do Wizards, é um jogador unidimensional, eficiente porém limitado, e que faria no Clippers exatamente o que Blake Griffin faz hoje mesmo com um terço do talento. Se Gortat viesse acompanhado de melhores defensores, arremessadores e reboteiros para ajudar o resto da equipe, o Clippers sairia ganhando muito – perderia talento, claro, mas ganharia em profundidade, em solidez e em performance geral do elenco.
[image style=”fullwidth” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Chris Paul é tudo que impede DeAndre Jordan de trocar sua casa por três feijões mágicos”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/04/DeAndre-Jordan.jpg[/image]
É claro que o mesmo poderia acontecer se o Clippers trocasse Chris Paul, já que ambos são responsáveis por praticamente o mesmo número de assistências para DeAndre Jordan cada, por exemplo. O estilo de jogo baseado na velocidade e no pick-and-roll estaria garantido mesmo sem o armador no elenco. Mas o efeito “pivôs no banco de reservas” que vimos tanto nessa temporada também atingiu o Clippers: vários times quando abriram mão dos seus jogadores de garrafão enfiando eles no banco experimentaram uma grande melhora de desempenho por conta do aumento de espaço para arremessos do perímetro e velocidade na rotação da bola. Quando Blake Griffin machucou o quadril – e depois socou o roupeiro e foi suspenso, o que também abalou sua imagem com o time – o que vimos no Clippers foi uma melhora gigante no aproveitamento dos arremessos de fora, e na participação do Chris Paul nessas bolas. Sem Griffin, o aproveitamento nas bolas de três pontos de JJ Redick subiu de 45% para 55%; o de Paul Pierce subiu de 24% para 42%; o de Austin Rivers foi de 21% para 47%. Enquanto isso, a participação de Chris Paul nas cestas da equipe subiu de 32% para 50%. Basicamente o que temos aqui é uma tendência da NBA atual – o jogo do perímetro melhorando na ausência de jogadores de garrafão – somada ao aumento de produção de Chris Paul quando ele pode ser responsável por todas as posses de bola do seu time.
Agora nos últimos jogos da temporada regular vemos o Clippers tentar encaixar Griffin de volta depois de tanto tempo fora e é impossível não temer pelo descompasso entre seu retorno e o estilo de jogo que o time conseguiu consolidar nos últimos meses e que foi responsável por cravar a quarta colocação no Oeste. Além disso, chega a ser triste ver Blake Griffin somar ali sua meia dúzia de pontos em parte porque está voltando aos poucos, mas em parte também porque não há espaço para que ele jogue tudo aquilo que poderia, tudo aquilo que vimos em 2013 quando ele tinha quase 28 pontos por jogo em 55% de aproveitamento, puxando contra-ataques e envolvendo os companheiros. É claro que, com mando de quadra, esse Clippers será um perigo nos playoffs e tanto Griffin quanto Paul darão um trabalho monstruoso para os adversários. Mas a não ser que eles vençam tudo ou batam muito na trave, o que me parece muito improvável, acredito que o Clippers será obrigado a fazer uma escolha difícil ao término da temporada. O elenco precisa ser fortalecido com uma grande quantidade de jogadores sólidos ao invés de segurar uma estrela que não pode render o seu melhor nessas condições. Chris Paul ou Blake Griffin precisam ir para dar chances de futuro para esse time. Da minha parte, já escolhi aquele que deve partir, mas tenho a vantagem de um distanciamento afetivo com a equipe. Entendo que para os fãs do Clippers e de Blake Griffin, a separação não é fácil. Mas estou decidido, analisando todas as oportunidades que tivemos de vê-lo jogando sozinho nos últimos anos, de que o fim desse casamento é o que poderia haver de melhor para ele e para sua equipe. Os dois só têm a ganhar.