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Você já facilitou para o seu priminho menor no videogame só para a disputa dar uma graça? Já deixou sua irmãzinha ter 10 pontos de vantagem quando foi jogar “21” no basquete para ela não ficar desmotivada? E já acabou perdendo tanto no videogame quanto no basquete justamente por causa disso? Por ser um mané displicente e desligado? Pois bem, se a resposta for positiva, você sabe como o Detroit Pistons se sente.
O Pistons é um timaço e o que os torna ainda melhores é justamente a consciência de quão bom eles são. Você já viu o Pistons desesperado correndo atrás do placar? Que nada. Eles sempre sabem que vão ganhar a partida na hora que importa: o final. Então a maioria das partidas do Pistons se resume ao time tentando evitar os bocejos até que cheguem os minutos finais, alguém acerte umas bolas decisivas e eles possam ir para casa tirar um cochilo. Essa confiança na própria capacidade em finalizar os jogos torna o Pistons o time mais frio da NBA. Na hora da decisão eles acertam todos os lances livres, todos os arremessos, jogam com calma, sem desespero, utilizando bem o cronômetro. Até mesmo quando o LeBron James acabou com o jogo na Final do Leste ano passado com aquela atuação cósmica, parecia que o Pistons ainda tinha certeza de que iria vencer o jogo. Quando a partida acabou, a reação geral era de descrença, como se tudo houvesse sido apenas um bug na Matrix. A ficha deve ter demorado para cair, mas desde que tomaram consciência da derrota, tomaram providências. Hoje em dia, quando enfrentam LeBron James, tacam uma defesa nele que dá até medo. Dá pra farejar o rancor daqui.
O Sixers venceu duas das quatro partidas contra o Pistons na temporada regular, justamente as duas últimas. Mas é claro que a equipe de Detroit perdeu porque estava só brincando. Nos jogos que valem, assim como nos minutos que valem, a história sempre é outra. Não é culpa do Pistons ser um time tão entediado, você também teria pouca motivação se soubesse quicar uma bola de basquete e jogasse na Conferência Leste. Lá, quem consegue acertar o aro já é gênio.
Hoje o jogo era pra valer e o Pistons fez o que deveria logo de cara. Fechou o primeiro tempo com uma atuação sólida e se despreocupou com o jogo. Rasheed Wallace, por exemplo, estava mais interessado em papear com seu grande amigo Mo Cheeks, técnico do Sixers, que foi seu treinador nos tempos de Blazers e com seu colega Flip Murray, mesmo durante o jogo. O clima no banco do Pistons era de total descontração, cheio de risadas e brincadeiras. São não estavam jogando Game Boy porque deve ser proibido, mas eu podia jurar que vi alguém segurando um baralho.
Eu ainda não entendo o Sixers, eu ainda não sei de onde eles vieram. Mas, de olho neles incessantemente há mais de um mês, já vi o bastante para saber que, de repente, a defesa aperta, os contra-ataques saem e eles voltam para qualquer jogo. Metodicamente, tiraram a diferença e encostaram no placar. Qual a reação do Pistons? Até que eles mantiveram a calma, mas os três lances livres errados por Billups mostravam que a concentração simplesmente não estava lá. O Sixers, perto no placar ou perdendo por 20, era igualmente tratado como café-com-leite.
Jogo apertado, bola nas mãos de Andre Miller, o “melhor jogador que não seria reconhecido na rua” de toda a NBA. Acho que até o Ramon Sessions seria mais paparicado numa ida ao mercado do que o Andre Miller. (Aliás, li recentemente que o Fred Jones, do Knicks, ficou muito incomodado que não o reconheceram numa loja de eletrônicos em New York e então foi até um computador e colocou para rodar um vídeo no YouTube com lances dele próprio, enquanto comentava em voz alta “uau, quem será esse cara enterrando desse jeito?”. Coitado, tão carente por atenção.) Andre Miller chuta traseiros, é consistente, experiente, arma o jogo com calma e tranquilidade, e mesmo assim é completamente ignorado. Ele e o Elton Brand teriam muito a conversar, não é mesmo? E foi o Andre Miller quem manteve o jogo sobre controle no instante em que o Sixers abriu um ponto de vantagem. E depois dois. E depois três. Foi de repente, nem deu pra perceber. Acho que a maioria dos jogadores do Pistons estava no banco ainda achando que estavam ganhando o jogo. Quando finalmente viram que estavam atrás do placar, era tarde demais. Precisavam acertar arremessos decisivos nos segundos finais mas, assim como os lances livres de Billups, os arremessos não caíram. Era clima de brincadeira com o priminho, não jogo de playoff, então a lógica era as bolas não caírem mesmo. Era dia de Reggie Evans (um dos únicos jogadores que fazem a idéia de pegar 20 rebotes e fazer zero pontos parecer algo normal) acertar até lances livres e sair de quadra com 11 pontos, enquanto Rip Hamilton tinha a mira descalibrada e parecia querer ganhar o prêmio de menos pontos na Tele Sena.
Ao fim do jogo, Sheed assumiu a culpa por errar um arremesso relativamente fácil que teria empatado o jogo. Mas a culpa não é dele, que jogou pra valer boa parte da partida e saiu de quadra com 7 tocos no currículo. A culpa é do Sixers, por ter sido ruim, ficado bom, e não ter avisado ninguém no meio do caminho. A culpa é do Leste, por ser fácil demais e deixar o Pistons entediado. Mas, de qualquer modo, isso não deve durar muito. Julgando pelo modo como o Detroit lida agora com LeBron, eles não devem menosprezar o Sixers novamente. Apesar de terem perdido o mando de quadra, duvido muito que não arrumem um jeito de estraçalhar a equipe de Philadelphia lá mesmo pelo menos um par de vezes.
Mas, pensando bem, isso pode simplesmente ser minha vez de estar menosprezando o Sixers. De achar que eles ainda fedem. De cometer o mesmo erro que o Pistons cometeu. Talvez seja hora de levar o time deles a sério, considerar pra valer que eles possam ganhar essa série. Mas não ainda.