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Já me despedi da temporada do Houston Rockets umas dez vezes só nesse ano. Tô me sentindo aquele cara que fica na Praça da Sé, em São Paulo, andando por aí com uma plaquinha de “O Fim Está Próximo“. Contra toda a lógica, o mundo sempre vê o sol nascer outro dia. E o Houston Rockets, não importa o quanto eu avise, sempre arranja um modo surpreendente de se manter vivo na disputa. Mas agora acho que não tem mais jeito. As duas derrotas para o Jazz são uma prova quase tão incontestável para o fim da pós-temporada do Houston quanto o nascimento do bezerro de duas cabeças vai ser uma prova incontestável para o fim do mundo. Aliás, você já disse para os seus pais que os ama hoje?
Frente às duas derrotas para o Jazz e tendo agora obrigatoriamente que vencer o time que mais domina quando joga em casa, vou dar uma de velhinho ranzinza que anuncia o Apocalipse e listar os motivos que levaram meu amado Rockets a durar até agora – e aí então jogar tudo fora.
A temporada parecia perdida desde que começou, na verdade. Fora alguns jogos que cheiravam a vingança (estréia com vitória em cima do Lakers, vitória em cima do Jazz lá em Utah), o time não tinha mais identidade. Eram um time defensivo com um ataque lento de meia quadra até que Rick Adelman chegou querendo implantar um ataque veloz, criativo e de contra-ataque. A primeira coisa que Adelman descobriu foi que o Houston não tinha ninguém veloze, criativo, e que sem focar na defesa o elenco era incapaz de ganhar uma partida sequer. Aos poucos, o time foi pegando o novo estilo de jogo, Yao Ming foi se sentindo mais à vontade, a filosofia defensiva foi retomada e as vitórias surgiram. Aí o Yao se contundiu e, bom, fim de temporada na hora, dizia a lógica. Como é que o time superou a perda de seu pivô? Focando ainda mais na defesa, assimiliando finalmente o que é jogar basquete coletivo, utilizando uma rotação ampla em que todos participam com papéis bem definidos. Jogadores que antes não possuiam minutos receberam funções e participação ativa, Carl Landry mostrou seu potencial, Steve Novak mostrou que é o grande arremessador que T-Mac sempre idolatrou, e até o Mike Harris que foi assinado tardiamente deu aulas de força no garrafão.
O time sempre foi limitado, desde o princípio. Luis Scola não sabe criar suas próprias situações de ponto, é incrivelmente inconsistente tanto no arremesso quanto de costas para cesta, além de ter problemas defensivos. Carl Landry não defende nem ponto de vista. Rafer Alston não tem cabeça para armar o jogo, sendo completamente imprevisível – para o bem ou para o mal. Mutombo ainda é uma força defensiva mas é nulo no ataque, exatamente como Chuck Hayes, que pra piorar tem um metro e meio de altura. Como diabos esse elenco bateu o recorde de 22 vitórias consecutivas? Conhecendo suas limitações, utilizando os pontos fortes de cada um, apertando na defesa. Como o Denis mostrou bem na sua mais recente coluna “8 ou 80”, o Houston não ganha de time algum quando toma mais de 100 pontos. Teve atuações péssimas contra times fáceis e só saiu vencedor porque fez o time adversário jogar ainda pior. Até porque o elenco limitado não se dá bem decidindo jogos apertados no finalzinho, não há uma jogada segura para pontuar e já há uns 3 anos o Houston tem problemas gravíssimos cobrando lances livres em jogos importantes. Então era a defesa que garantia a margem no placar. E um improvável mando de quadra que me fez escorrer lágrimas dos olhos.
Então, como o Houston deveria enfrentar o Utah Jazz? Bem, acima de tudo, focando na defesa. Utilizando todo o elenco secundário, Novak, Mike Harris, Carl Landry, Brooks. Tentando se manter fiel à receita que deu milagrosamente certo durante a fase final da temporada regular. Se você encontrasse um perfume que conquistasse a Alinne Moraes, iria trocar para quê?
Mas parece que, para o técnico Rick Adelman, os playoffs são um campeonato diferente. Mais sério, com outras exigências. Então, para vencer essa disputa, seu plano é tacar toda a filosofia que deu certo até agora na privada, dar uma cagada e tentar algo diferente. Sei lá, parece que todos os treinadores tem dentro de si um pouco de Isiah Thomas. Qual é o problema em ser inteligente e consistente? Parece que o único modo de arrumar emprego de técnico na NBA é sendo burro e completamente aleatório, fazendo cada hora um troço mais esquisito e sem sentido. Pelo menos o Kwame Brown, que é burro, é também consistente: ele responderia “três” todas as vezes que você lhe perguntasse quantos lados tem um quadrado.
O Houston enfrentou o Jazz na noite de ontem querendo passar um ar de “experiência” e “seriedade”. Não utilizou Novak, não usou Mike Harris, limitou os minutos de Carl Landry, tirou Aaron Brooks de quadra mesmo quando ele estava chutando traseiros. A defesa ainda estava lá, embora um tanto inconsistente, e foi com ela que o jogo ficou disputado até o final. Se não fosse por uma cavada de falta ridícula do Kirilenko, o jogo teria ficado empatado com 1 minuto para terminar. Mas não vou colocar a culpa na arbitragem imbecil, eles são consistentemente imbecis. É o Adelman que não podia se dar ao luxo de ser imbecil depois de ter tido momentos de genialidade durante a temporada.
Na hora da decisão, o Houston não tinha jogo no garrafão. Sobrou para Tracy Mcgrady, que quase fez um triple-double, ficar arremessando do meio da quadra. O coitado sempre acaba tendo que assumir a culpa pela incompetência dos outros. Não me entendam errado, T-Mac não é deus, na verdade é um dos jogadores de arremesso mais imprevisível da NBA. Mas seria legal ter visto ele cumprir o mesmo papel de armação de jogo que fez na temporada regular, passando a bola, criando espaços, ao invés de ter que desempenhar o papel de pontuador decisivo que tacaram em sua cabeça ontem.
Meu rosto, que já não é bonito, está ainda mais deformado com uma expressão de “que diabos?!” que não consigo fazer desaparecer. Ando pelas ruas e as pessoas acham que estou indignada com elas, que estou achando esquisito o jeito como andam, se vestem ou cutucam o nariz. Não, não, cutucar o nariz é normal, cutucar a orelha e ver se tem cera dentro é normalíssimo. O que me espanta é como uma fórmula vitoriosa numa equipe vitoriosa, ainda que meia-boca, possa ser jogada fora em alguns minutos em que um técnico bebeu uma cachacinha marota e achou que era o Isiah Thomas.
É esse o fim da temporada do Houston Rockets. Ainda teremos ao menos mais dois jogos, e vou falar ainda muita merda a respeito desses confrontos até que vocês não aguentem mais e apaguem o endereço do Bola Presa (que agora é www.bolapresa.com) da lista de favoritos. Mas, ainda que eu comente os próximos jogos, a jornada se encerrou ontem.
Meus queridos foguetinhos, descansem em paz. Até a temporada que vem.