Toda a polêmica que cercou a decisão de Kevin Durant de mudar de time na última offseason carregava com ela a questão da narrativa. Apenas ser campeão, que deveria ser o objetivo final de qualquer atleta no esporte, não era maior do que COMO ser campeão. Se ele não era o maior nome do time, ou se não participou do processo de formação da equipe, o valor da conquista seria menor. Sem as respostas que algumas pessoas consideram “certas”, o possível e eventual futuro título de Durant valeria mais ou menos.
Essa visão, às vezes inconsciente, de condenar quem parece escolher um caminho mais fácil acaba respingando em outros jogadores. Sempre criticado por seu estilo de jogo quase irracional e instintivo, Russell Westbrook de repente virou um exemplo de lealdade ao decidir renovar seu contrato com o OKC Thunder, por exemplo. Mas a beleza da historinha tem um porém: apesar de estar com uma INACREDITÁVEL média de triple-double após 15 jogos de temporada, seu time está ralando e sobrevivendo a diversos jogos apertados para ficar perto dos 50% de aproveitamento.
Acima de Westbrook na lista de cestinhas da NBA está apenas Anthony Davis, que mesmo liderando a liga no quesito só conseguiu sair da lanterna da Conferência Oeste quando Jrue Holiday voltou ao New Orleans Pelicans. Também na lista dos maiores cestinhas está o líder, de acordo com dados da SynergySports, em arremessos sobre marcação dupla na NBA: DeMarcus Cousins. Por fim, sabe quem é o cara que sempre disse que prefere passar a bola do que arremessar mas que chuta mais que James Harden e Steph Curry? John Wall, do perdedor Washington Wizards. Esses quatro jogadores, curiosamente três deles escolhas vindas da Universidade de Kentucky, são os maiores exemplos atuais das estrelas solitárias: jogadores espetaculares, donos de marcas incríveis, e que vão ter ralar demais para TALVEZ conseguir uma vaguinha na primeira rodada dos Playoffs. É natural sentir um pouco de pena desses jogadores, pelo menos o máximo de pena que conseguimos ter de caras talentosos, atléticos, bem-sucedidos, jovens e milionários, mas mesmo assim incomoda ver o talento desperdiçado. Para aliviar, é bom lembrar um pouco da história recente para ver que isso é até bem comum.
O maior astro desta geração, LeBron James, passou ao menos 7 anos no Cleveland Cavaliers sem receber um elenco decente para trabalhar. Seu talento transcendental bancou até um título do Leste no meio do caminho, mas nós tínhamos a sensação que era um talento sendo desperdiçado. Deu tempo, porém, de LeBron ir lá jogar em Miami com outras estrelas e depois voltar para o mesmo Cavs para jogar com outros caras fora de série. Paul Pierce teve que aguentar elencos péssimos ao seu lado antes da chegada de Kevin Garnett e Ray Allen, esses que também tiveram altos e baixos em termos de companheiros. São raros os casos de jogadores que nunca, em nenhum momento da carreira, conseguem estar em uma situação vitoriosa. Dá pra lembrar de Elton Brand, que esteve presente nos piores momentos do Chicago Bulls e do LA Clippers, e que não conseguiu ir para o Miami Heat quando era um Free Agent Restrito. O Clippers igualou a oferta e fez o time da Flórida então oferecer a grana para Lamar Odom, que um ano depois seria trocado para o Lakers em troca de Shaquille O’Neal. Será que, pensando num efeito dominó, Brand perdeu a chance de ser parceiro de Kobe Bryant em LA?
O pior exemplo que consigo me lembrar nos últimos 20 anos é o de Shareef Abdur-Rahim, ala que passou 12 anos na NBA e chegou aos Playoffs apenas UMA vez! Ele foi draftado pelo Vancouver Grizzlies quando o time ainda era uma franquia recém-nascida e que passava pelos difíceis primeiros anos de montagem de elenco; depois foi para o Atlanta Hawks, que passava um processo de reconstrução que eventualmente iria acabar com a chegada de Joe Johnson anos depois. Mas antes de JJ, Rahim foi para o Blazers, que vivia o desmonte da era ‘Jail Blazers’, a decadência do bom time de bad boys do começo dos anos 2000. Seu último time foi o Sacramento Kings, que também vivia o clima de fim de festa após a saída de Chris Webber. Foi só com eles que jogou sua única série de Playoff, uma derrota de primeira rodada para o San Antonio Spurs.
Ao longo de toda essa longa carreira, Rahim teve 18 pontos e 7.5 rebotes de média e foi uma vez para um All-Star Game, em 2001-02. Ele era um bom jogador, com ótimo jogo de meia distância e que chegou a ser um ótimo pontuador, com média superior a 20 pontos por jogo, durante 5 temporadas do seu auge. Era um cara sem o poder de carregar um time nas costas, mas que poderia ter feito a diferença e marcado seu nome na história se tivesse participado de times melhores, com melhores companheiros. Nunca aconteceu.
Em entrevista, Elton Brand disse que parte de sua carreira não ter tido tanto sucesso de Playoffs se dava por escolhas ruins suas ao longo dos anos. Abdur-Rahim talvez diga o mesmo, embora também tenha tido muito azar. Ele não escolheu ser draftado por um time que estava destinado a falhar por anos, e nem pediu para ser trocado para Hawks e Blazers em momentos tão ruins. Sua única chance como Free Agent foi já nos anos finais da carreira, quando decidiu tentar a sorte em Sacramento. A sede por contratos garantidos e extensões de acordos pode fazer um jogador passar 80% de sua vida profissional sem escolher a empresa em que vai trabalhar!
A questão contratual então é a primeiras que temos que analisar ao falar das estrelas solitárias da atualidade. Depois que Kevin Garnett trocou sua lealdade ao Wolves por um título em Boston as estrelas começaram a ver a mudança de time menos como uma traição e mais como tomar as rédeas da sua vida, LeBron James e agora Kevin Durant mostram que mesmo que existam críticas do lado de fora, os jogadores estão conscientes de que vale a pena encarará-las em nome do prazer de escolher onde (e com quem!) vão jogar.
O mais encrencado nesse caso é Anthony Davis, amarrado ao Pelicans por essa e mais 4 temporadas. John Wall tem este e mais dois anos de contrato, mesmo tempo de Russell Westbrook, mas o astro do Thunder tem a opção de encerrar o seu acordo um ano antes, se quiser. Ele deixa de ganhar 30 milhões de dólares assim, mas vai saber que outras ofertas iria receber. O menor contrato em vigor é o de DeMarcus Cousins, que dura esta e mais a próxima temporada apenas.
O caso do Anthony Davis é complicado para o jogador. Ele acabou de acertar uma extensão de contrato gigantesca, não há perspectiva próxima de escolher seu destino e exigir uma troca pode não ser a decisão mais inteligente. Que imagem o Monocelha irá passar para os outros times se, ainda no começo do contrato, fazer birra para sair? E o Pelicans, com todo o poder de ter o contrato nas mãos, poderia aceitar um negócio apenas se o outro time envolvido desse tudo o que de melhor existe na Terra. Seria uma situação caótica que não necessariamente resolveria a pressa de Davis de vencer. Cedo demais para pensar nessa situação extrema.
A solução nesse caso está em tentar ver esse time ainda como um projeto em desenvolvimento. Claro que depois de 5 anos de Anthony Davis gostaríamos de estar vendo o processo mais próximo do fim, mas contratações questionáveis e muitas, MUITAS lesões, os emperraram. De qualquer forma, eles têm Jrue Holiday por lá, alguns bons role players (E’Twaun Moore, Terrence Jones, Tim Frazier) e MUITO espaço no teto salarial para contratações na próxima temporada. Parte desse espaço pode ser usado para renovar o próprio Holiday, mas mesmo assim há espaço de sobra. O problema é que muitos outros times também têm esse espaço para seduzir Free Agents, como convencê-los a ir para New Orleans? É aí que entra o trabalho do General Manager. Seu trabalho, ao lado do técnico Alvin Gentry, é vender a ideia de que esse time é o TIME DO FUTURO. Eles precisam ser bons o bastante para parecer que estão QUASE lá, o esquema tático deve parecer bem definido e aí o negócio é achar que outra estrela ou quase-estrela vai olhar todo o cenário e pensar “sim, eu quero entrar para a história como o Scottie Pippen do Anthony Davis“. Será que Chris Paul iria gostar de voltar à cidade caso seu Clippers desmanche nos Playoffs de novo? Kyle Lowry seria capaz de abandonar seu brother DeMar DeRozan? Vale a pena arriscar caras de altos e baixos como Danilo Gallinari ou Rudy Gay? A lista de Free Agents do ano que vem só fica realmente atraente se imaginarmos um cenário apocalíptico onde Curry, Durant e Blake Griffin querem mudar de ares.
Para Anthony Davis não ser o novo Elton Brand ele deve trabalhar em duas áreas: (1) continuar sendo um dos melhores jogadores da Terra e (2) não ter vergonha de ativar seu Chandler Parsons interior e buscar novos jogadores. É público que Draymond Green já xavecava Kevin Durant há tempos, e LeBron James e Dwyane Wade já tinham conversado diversas vezes sobre jogar juntos antes de se unirem em Miami. A questão é se Anthony Davis crê na qualidade do produto que irá vender. Não sei se ele acredita nessa franquia mesmo após a questionável demissão do técnico Monty Williams após eles irem aos Playoffs ou o que ele realmente acha de toda a polêmica sobre a equipe médica e de preparação física não estarem a altura do resto da liga.
Por essas mesmas razões que é difícil imaginar o Sacramento Kings conseguindo manter Cousins por lá, que dirá convencer alguém a ir lá jogar com ele! Ele é bom demais para trocar, a lógica manda manter o talento, mas da mesma maneira que trocar Anthony Davis soa surreal, manter Cousins parece uma missão impossível. Eles tiveram chance de conseguir melhorar o time em trocas e Draft ao longo dos últimos anos, mas falharam feio em todas as tentativas. Por pura falta de capacidade de gestão, estão destinados a perder seu melhor jogador. E ainda tem sorte que esse negócio pode salvar o futuro da franquia: o nível dos jogadores que eles atraírem em uma eventual negociação pode definir a velocidade dessa nova reconstrução.
Os outros casos são menos extremos e, por isso, mais difíceis de serem resolvidos. Tanto o elenco do OKC Thunder quanto o do Washington Wizards não são ruins, mas também não são ótimos. E ambos sofrem com a síndrome do sucesso recente: o Thunder não é comparado a outros times que só tem uma estrela, mas com a sua própria versão do ano passado, que tinha Kevin Durant. O Wizards não é um time promissor que aposta na saúde de Bradley Beal e na evolução de Otto Porter, ao invés disso somos obrigados a lembrar que um elenco bem parecido estava indo longe nos Playoffs há duas temporadas.
Na dúvida, talvez o melhor seja apenas esperar. A nova CBA, o acordo entre donos de times e jogadores, que definem as regras da NBA, ainda não foi divulgada. Então questões sobre teto salarial, multas e regras de troca podem e devem mudar até o próximo ano. E mesmo que o contrato saia amanhã, não há razão para desespero. O Thunder vai ser levado por Westbrook até seu limite e o time tem histórico de desenvolver bem seus jovens atletas, dá pra pensar em evolução rápida de Steven Adams, Domantas Sabonis e Victor Oladipo até o ano que vem. Seria bom que Westbrook até cedesse um pouco de responsabilidade para eles, mas é difícil imaginar ele largando qualquer controle do time para outro jogador na atual situação. O Wizards teve um começo lamentável de temporada, mas algumas vitórias já apareceram desde que Bradley Beal passou a acertar seus arremessos de longa distância de novo. Não sei se Scott Brooks dá conta de salvar totalmente essa péssima defesa, mas dá pra deixar de ser uma das piores num futuro próximo. A questão é que dá pra melhorar aos poucos enquanto se examina o terreno.
Outro motivo para ter calma é porque assim é possível ter vantagem na negociação com os times realmente desesperados. Uma solução para curar estrelas solitárias e juntá-las entre si. É o modelo que funcionou em Boston e Miami. Não consigo, hoje, imaginar uma maneira de levar DeMarcus Cousins para Washington, mas as coisas mudam rápido na NBA e é preciso se manter o campo de possibilidades. Eventualmente o Denver Nuggets e o Boston Celtics vão mover suas infinitas peças e o Brooklyn Nets, cedo ou tarde, pode não resistir a uma oferta por Brook Lopez. O caso relatado aí em cima sobre Shareef Abdur-Rahim é raro, eventualmente todo grande jogador acaba jogando com outros caras do seu nível. O que Wizards, Pelicans, Kings e Thunder precisam fazer é trabalhar para que essa união aconteça dentro do time deles.
Até lá nós aproveitamos o lado bom dessa situação. Ver jogadores ultra talentosos sendo OBRIGADOS a fazer tudo por um time é a receita para algumas atuações históricas. Não teríamos visto um tal jogador marcar 81 pontos num jogo se ele tivesse mais ajuda naquele dia…