Já vimos no Jogo 3 entre Spurs e Warriors que, ainda que não tenha sido suficiente, o Spurs sem Kawhi Leonard é capaz de criar algumas situações bem desconfortáveis para o adversário. No Jogo 4 não foi diferente: mais uma vez a defesa do Spurs conseguiu se antecipar à movimentação do Warriors, apertando os adversários mesmo sem a bola e ocupando os espaços que o Warriors desejava tomar para suas jogadas futuras. Agindo dentro do hábito de trocar bons arremessos por arremessos ainda melhores (que discutimos amplamente nesse post aqui) o Warriors continuou perdendo boas oportunidades de arremesso e desperdiçando a bola tentando encontrar jogadores livres onde o Spurs impedia que eles estivessem. Stephen Curry não teve seus arremessos de três pontos livres habituais e Kevin Durant foi marcado de perto por Jonathon Simmons e Danny Green.
Como o plano não foi o bastante no confronto anterior, o Spurs tentou algo diferente: aumentar o ritmo do ataque, colocar Manu Ginóbili como titular para atacar a cesta e liberar Danny Green e Patty Mills para arremessarem bolas de três pontos em transição, na primeira oportunidade que se mostrasse disponível. Desde o ajuste que o Warriors fez defensivamente ainda no primeiro tempo do Jogo 3, o Spurs não conseguiu encontrar espaços com sua rotação de bola, ficando limitado ao pick-and-roll e aos contra-ataques. Será que acelerar então os contra-ataques e antecipar os arremessos ajudaria o ataque da equipe, especialmente se alimentado pelos desperdícios de bola do Warriors?
O plano deu certo a princípio, Danny Green converteu uma bola corrida de três pontos e Stephen Curry errou 5 das 6 bolas de três pontos que tentou no período. Conseguiria o Spurs realizar o improvável, repetindo a façanha do Celtics na noite anterior? Foi aí que veio a carta branca do técnico Mike Brown: “arremessem sob marcação individual, especialmente nos mismatches“. E para entender o que raios isso significa, precisamos dar uns passos para trás.
Primeiramente, precisamos lembrar que o técnico do Warriors, Steve Kerr, está sofrendo com uma estranhíssima condição causada por uma cirurgia mal sucedida nas costas, que agora lhe causa enxaquecas terríveis e náusea constante. Embora Kerr esteja viajando com a equipe e esteja trabalhando nos bastidores, não está em condições de manter-se no banco de reservas e a equipe achou que era melhor ele não estar no banco do que ter que se ausentar no meio de uma partida. Seu assistente é Mike Brown, ex-técnico de LeBron James no Cavs e da seleção americana em competições internacionais. Brown assumiu o cargo de técnico momentâneo, fazendo os ajustes necessários durante o andamento das partidas.
O esquema do Warriors está tão estabelecido que as influências de Mike Brown não são sequer necessárias – o time já executa o basquete pensado por Kerr via hábito, sem maiores problemas. Mas Brown está convencido de que o Warriors teria ainda mais facilidade contra seus adversários se deixasse a movimentação sem a bola de lado por alguns momentos e usasse o talento individual dos seus jogadores contra defensores menos capacitados ou para se aproveitar de marcações equivocadas, os mismatches, quando um jogador mais baixo acaba marcando um jogador mais alto sem querer. A tese de Mike Brown é a seguinte: Curry pode correr pela quadra inteira rumo a um arremesso razoavelmente livre, ou pode simplesmente driblar seu defensor porque ele é objetivamente melhor do que seu adversário, poupando energia e expondo a defesa individual do oponente.
Com a defesa do Spurs limitando a movimentação sem a bola do Warriors, e com Kevin Durant colocando o Jogo 3 no bolso basicamente arremessando por cima dos seus adversários, Mike Brown finalmente teve a desculpa perfeita para implementar sua contribuição ao esquema tático. Aproveitou que está no comando da equipe e colocou Stephen Curry para atacar seus defensores no drible, infiltrando sem parar, e Kevin Durant para arremessar em cima de seus adversários ou infiltrar contra defensores mais lentos do que ele. Isso sem falar em Shaun Livingston, num pedaço do segundo quarto, usando seu jogo de costas para a cesta para arremessar por cima de Patty Mills.
O Spurs não estava preparado para isso, já que a ajuda defensiva estava inteiramente focada em parar os outros jogadores sem a bola, tentando impedir o espaçamento da quadra e os possíveis arremessos completamente livres. Contra defesas basicamente individuais e CARTA BRANCA para atacar a cesta, Curry e Durant fizeram isso aqui:
É impressionante como a defesa agressiva de Danny Green e de Patty Mills apenas permitem que o controle de bola de Curry brilhe ainda mais, sem nunca perder o drible e encontrando espaços na marra. Some a isso o tamanho e a velocidade de Durant e o estrago já estava anunciado. Stephen Curry acertou 9 bandejas em 11 tentativas, fora as 5 bolas de três pontos, para um total de 36 pontos em 33 minutos. Kevin Durant errou apenas 3 dos seus 13 arremessos no jogo, rumo a 29 pontos – e um toco que na verdade foram DOIS TOCOS EM UM, essa aberração da natureza que só o Dhalsim deveria conseguir fazer:
No terceiro quarto, muito mais pilhado e com um recém-adquirido senso de urgência, o Spurs chegou a diminuir para apenas 10 pontos uma diferença no placar que chegara pouco antes a 22. Um minuto depois, Curry acertou uma bola de 3 pontos na cara do defensor, Durant acertou uma bola de meia distância por cima de Danny Green e Draymond Green acertou uma bola de três pontos fácil graças à defesa se amontoando em cima de uma infiltração de Curry. Pronto, a diferença voltou para 18 pontos pontos e o jogo – além da série – estava simbolicamente acabado.
Mais melancólica do que essa série, apenas a despedida de Manu Ginóbili. Em suas próprias palavras, enfrentar o Warriors sem Kawhi foi como “ir à guerra com um bastão de baseball“, mas seu esforço heroico merecia mais respaldo do que a série foi capaz de lhe dar. Coube à torcida, portanto, dar a ele a admiração necessária: o homem que dobrou Popovich com sua criatividade ganhou aquela que pode ter sido sua última salva de aplausos, caso opte pela aposentadoria nas próximas semanas.
O vídeo é muito bonito: começa com uma bandeja surreal de Stephen Curry, segue para a despedida emocionada da plateia e tem até Durant aplaudindo admirado a saída do jogador. Inevitável como o destino dessa série, a aposentadoria de Manu já era esperada, mas isso não torna a situação toda menos dolorosa para os envolvidos. É hora de começar a encarar o luto, pela série e pelo jogador, e aguardar ansiosamente pelo Warriors, mais uma vez nas Finais da NBA.