Menos de 30 vitórias na temporada passada, um elenco nada coerente e um dos piores ataques da NBA. Esse era o Orlando Magic, um dos piores times da Liga e claramente um dos mais sem rumo. Ainda esperançosos com o pivô Nikola Vucevic, mesmo assim pagaram uma fortuna no também pivô Bismack Biyombo e trocaram Victor Oladipo, um dos raros casos de potencial na equipe, pelo protetor de garrafão Serge Ibaka, numa ausência total de lógica e sentido. Treinados por Frank Vogel, responsável pela defesa matadora do Pacers que chegou nas Finais de Conferência duas vezes consecutivas em 2013 e 2014, o Magic da temporada passada era um time lento, de ataque estagnado, uma dificuldade desesperadora para infiltrar no garrafão e um monte de jogadores medianos, que dariam uns RESERVAS BACANAS, mas que não conseguiam criar jogadas para si mesmo ou para os outros. Sem grandes mudanças e tendo que contar com a melhora individual de jogadores limitados, a receita para essa temporada deveria ser MAIS DO MESMO: talvez encontrar alguém em quem confiar, apostar no seu desenvolvimento e trocar as outras peças. Estavam lá na parte de baixo do meu ranking de times para se assistir.
O que não esperávamos era que as pequenas mudanças que vimos no time nas partidas finais da última temporada, com Frank Vogel testando um elenco mais baixo e veloz, fossem ser RADICALIZADAS na temporada que acaba de começar – e que essas mudanças fossem ressoar de maneira tão poderosa dentro da equipe. Nas palavras do próprio Vogel, ele “se rendeu a um basquete mais moderno”, forçando o ritmo da equipe ao máximo, abrindo mão das jogadas de costas para a cesta com seus pivôs e focando inteiramente nas bolas de três pontos.
Para termos uma ideia dessa transformação tática, agora o Magic é o terceiro time que joga mais rápido na NBA, atrás apenas da bagunça descontrolada do Phoenix Suns e da tentativa de “simular o campeão” do Brooklyn Nets. Essa velocidade está virando pontos: o ataque do Magic é o segundo melhor em pontos por posse de bola, atrás apenas do Golden State Warriors. Nas bolas de três pontos, o Magic é o quarto time que mais converteu arremessos (encostado em Warriors e Rockets), mas é o único desses times a converter acima dos 40%. Comparar esse nível de eficiência ofensiva com o time “Robocop embaixo da água” da temporada passada é verdadeiramente impressionante.
O mais incrível é como essa mudança está se traduzindo em vitórias: o time chegou a liderar o Leste e agora, com 6 jogos passados, soma 4 vitórias, incluindo triunfos em cima de adversários que deveriam estar na elite da Conferência, como Cleveland Cavaliers, Miami Heat e até San Antonio Spurs, no duelo que foi naquele momento o confronto entre os líderes em vitórias da NBA. São poucos jogos e ainda dá bastante tempo das coisas DAREM ERRADO, mas a guinada no estilo de jogo parece ter sido suficiente para colocar o Magic dentre as equipes mais perigosas da Liga.
Para mim, o mais fascinante ao analisar os últimos jogos da equipe para elencar as mudanças táticas foi perceber como a maior parte delas é SIMPLES, priorizando o ritmo e a execução de alguns poucos modelos ao invés de jogadas programadas. Evan Fournier admitiu que o time praticamente não está “chamando jogadas”, optando ao invés disso por seguir uma receita básica.
Em suma, quem está livre infiltra ou arremessa, e quem não está não força o jogo – Vogel reclamou muitas vezes na temporada anterior que o maior problema do seu time era tentar muitos arremessos contestados. Para criar esse espaço para arremessos e infiltrações, a chave está em buscar contra-ataques rápidos para encontrar bolas na transição e, em caso de uma defesa bem posicionada, usar Aaron Gordon ou Vucevic para fazer pick-and-pops, um corta-luz em que os jogadores de garrafão correm para o perímetro após o impacto com o adversário ao invés de correr em direção à cesta. O plano é manter o caminho para o aro o mais livre possível, o que é reforçado por Gordon e Vucevic passando quase todo o tempo em quadra longe do garrafão. Quando um está atrás da linha de três pontos de frente para o aro, uns passos atrás da cabeça do garrafão, o outro corre para a zona morta, passando por debaixo da cesta. Dessa maneira os dois jogadores de garrafão do Magic recebem continuamente a bola de frente para a cesta no perímetro para arremessar ou então para tentar bloquear algum adversário ainda com a bola nas mãos e então soltar a bola para um arremessador que fique atrás deles, como se fossem um muro, tudo atrás da linha de três pontos. A única regra é que ninguém pode ficar parado: se o pivô corre para a linha de três pontos depois do corta-luz e foi seguidos de perto pela marcação, imediatamente corre para a cesta. Se não receber a bola nesse movimento, corre para a linha de três na zona morta e a jogada se repete, com um corta-luz de outro jogador de garrafão. Se o pivô receber a bola de costas para a cesta, imediatamente procura uma linha de passe para alguém no perímetro. O que importa são os arremessos de três.
O divertido desse modelo é que em sua simplicidade qualquer um pode ter a bola nas mãos, não é necessário um armador “natural”. Isso se encaixa particularmente bem num Magic em que ninguém é espetacular, mas todo mundo consegue quebrar um galho, seja batendo bola, seja arremessando. Não é preciso armar jogadas para deixar alguém específico livre, basta fazer o corta-luz, alguém abrir para o perímetro, a bola girar, todo mundo estar fora do garrafão e eventualmente quem estiver livre tenta o arremesso ou a infiltração.
Você deve estar se perguntando: se a receita é tão simples e o Magic está fazendo sempre a mesma movimentação básica, porque os outros times – gente calejada e inteligente, como o Spurs – não pegam o padrão e simplesmente impedem ela de acontecer? Aí está a graça da coisa: quando você passa a defender um “padrão”, deixa de defender as coisas que estão acontecendo na vida real.
Parece estranho? Explico, com exemplos. O Spurs entrou em quadra para enfrentar o Magic sabendo que tudo que eles vão fazer é corta-luz com o jogador de garrafão correndo para o perímetro. Na jogada abaixo, os jogadores do Spurs já se preparam para defender o corta-luz de Aaron Gordon, e aí tudo que Jonathan Simmons precisa fazer é NÃO USAR O CORTA-LUZ e correr diretamente para a cesta, totalmente livre:
Outro exemplo fantástico: Aaron Gordon (que tem carta branca para levar a bola para o ataque todas as vezes que pega o rebote defensivo) aciona com frequência Vucevic, que chega um pouco depois, para uma bola de três pontos na transição. Coisa simples e bem dentro do planejado. Mas na jogada abaixo, o Spurs ESPERTÃO está pronto para contestar o arremesso do Vucevic numa jogada dessas, mas aí o pivô só precisa bater para dentro para uma bandeja:
Outro exemplo bacana: nessa jogada a defesa do Spurs está certa de que Vucevic vai receber a bola quando corre para o perímetro, o que leva um jogador para marcá-lo enquanto o Magic pode passar a bola de maneira rápida e simples rumo a uma bandeja de Fournier, que ataca a cesta simplesmente porque ele não pode ficar parado se existe um jogador do time dele correndo na sua direção.
Os grandes times são aqueles que possuem uma identidade, um plano, uma receita que força o adversário a ter que existir no METAJOGO, no mundo tático fora da quadra. Assim os atacantes podem reagir a decisões dos defensores que não levam em consideração nada do que está acontecendo, mas sim o que PODE ACONTECER. Executar receitas simples e então reagir criativamente às (más) decisões do adversário que conhece sua receita é o que cria ataques fluidos, inteligentes e FÁCEIS DE EXECUTAR, sem ter que decorar e ensaiar jogadas complexas e, pasmem, sem ter que depender de um armador, especialmente porque Elfrid Payton está lesionado e nunca foi muito bom em criar bolas para os outros mesmo. Basta Fournier cuidar da movimentação da bola no time titular, com Jonathan Simmons assumindo a função entre os reservas, com o resto do time se movendo e garantindo que a receitinha seja seguida.
É assim que Aaron Gordon e Vucevic tiveram ambos jogos de mais de 40 pontos: os times focaram em lhes tirar o arremesso e eles infiltraram, até que os adversários simplesmente entraram em PÂNICO porque não sabiam mais ao que reagir. Deveriam levar em consideração o jogo atual, a tendência do jogador, a receita da equipe? O resultado foram amplas oportunidades de bandeja e de arremessos de três pontos, que enquanto estiverem caindo minimamente vão manter os adversários respeitando o plano de defesa inicial.
Não sei se os jogadores conseguirão manter suas médias (Gordon e Fournier estão com 22 pontos por jogo, enquanto Vucevic tem 20 pontos por partida) e muitos menos o aproveitamento nas bolas de três pontos (58% para Gordon, 52% para Fournier, 40% para Vucevic), mas isso realmente não importa. O que é decisivo é que o Magic voltou para essa temporada capaz de executar um plano coeso com precisão e que isso força os adversários a cometerem erros de julgamento que levam em consideração mais do que o simples aproveitamento dos jogadores em questão. Quando isso acontece, a vida de todos os envolvidos fica consideravelmente mais fácil e o número de opções para pontuar só tende a se multiplicar por conta dos erros defensivos. O curioso é que isso aconteça com Vucevic como pivô e Aaron Gordon definitivamente como ala de força sem que nenhum deles jogue dentro do garrafão. É a prova derradeira de que quanto mais gente com poder de arremesso, mais a defesa adversária precisa tomar decisões em movimento. Quem viu o jogo contra o Spurs sabe o quanto LaMarcus Aldridge foi TRUCIDADO pelos arremessos de fora da dupla de garrafão do Magic, e quanto mais ele se questionava qual seria a ação correta a fazer, mais era explorado pelo ataque adversário em infiltrações e bandejas.
Frank Vogel pode até ser uma grande mente defensiva, mas no Magic será lembrado por ter voltado ao básico: na defesa, marcação individual e poucas trocas; no ataque, receitas fáceis de seguir que não exigem nenhuma engenharia de foguetes. É o bastante para que a gente possa ver um jogo do Magic e saber o que esperar – apenas para que eles, se aproveitando disso, rompam nossas expectativas e as expectativas dos seus marcadores. Para um time que parecia ter sido aleatoriamente sorteado por um gorila numa máquina de bingo, coerência e padrão é a melhor das novidades.