“Pra você ver, San Antonio está em décimo, o tempo passa.” Nenê afirma com conhecimento de causa: está na NBA há 16 temporadas e, em suas próprias palavras, “jogando há pelo menos 20 profissionalmente, em alto nível”. Já viu franquias inteiras terem altos e baixos, já passou por uma série de lesões e defendeu três diferentes equipes desde que foi draftado em 2002, indo de jovem promessa no Nuggets a líder de vestiário no Wizards. Acompanhou o domínio do San Antonio Spurs por uma década e agora vislumbra a possibilidade de ver a equipe fora dos Playoffs pela primeira vez em 21 anos.
Hoje veterano, Nenê abriu as portas para toda uma geração de brasileiros entrarem na NBA e viu todos eles deixarem a liga, se aposentarem ou retornarem ao Brasil para os últimos anos de suas carreiras. E não apenas os brasileiros: a enorme maioria dos jogadores da sua geração está aposentada ou às portas de parar. “Tony Parker vai parar, Ginóbili vai parar, Gasol vai parar”, Nenê lista com certo pesar. E quando afirmamos que ele, pelo contrário, se mantém “firme e forte”, foi categórico: “Meu tempo já está determinado. Só preciso realizar o sonho”. Pelo que parece, o anel de campeão é a última etapa que separa Nenê da aposentadoria, um objetivo que ele e o Houston Rockets não perdem de vista: “Em termos de química, de objetivo, é o melhor time em que eu já estive.” Atual líder da Conferência Oeste, é difícil não vislumbrar a possibilidade de título. “Temos time para ir até o final. Mas ainda temos muito o que melhorar”. Nenê lista melhoras defensivas necessárias nas trocas de marcação mesmo com o Rockets ostentando a sétima melhor defesa da temporada, afirmando que “time que quer ser campeão tem que defender melhor do que isso, se sacrificar mais”.
É esse perfeccionismo e dedicação que mantém Nenê na NBA quando tantos outros não resistiram. O Rockets sabe que precisa dele não apenas como um dos líderes mais vocais e meticulosos na organização defensiva, mas também como um dos principais passadores na cabeça do garrafão e embaixo da cesta, ajudando a movimentar a bola de uma maneira que o time não pode fazer quando o titular Clint Capela está em quadra. Se Capela espaça a quadra com sua ameaça de pontes-aéreas, Nenê o faz com alguns dos corta-luzes mais precisos da NBA, passes inteligentes, arremessos de média distância e excelente posicionamento no pick-and-roll. Mas para fazer uso de seus talentos, o Rockets mantém desde a temporada passada uma política bastante severa de restrição de seu tempo de jogo, tentando mantê-lo ativo por menos de 20 minutos por partida e poupando o brasileiro no segundo jogo quando há partidas em dias consecutivos. A limitação não é só pra ele: na coletiva de imprensa na partida entre Rockets e Clippers, o técnico Mike D’Antoni afirmou que pretende limitar os minutos de Clint Capela a 28 por jogo nos Playoffs para maximizar seu rendimento, mesmo que o pivô tenha apenas 23 anos de idade – Nenê está com 35. Tudo faz parte do plano de jogo do Rockets.
“Como competidor, não é tão fácil de lidar (com a restrição de minutos). Porque sou sempre um competidor”, afirma Nenê. “Mas eles fazem um planejamento antecipado visando uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Às vezes a gente está bem lá e eles tiram, mas faz parte”. Não deve ser fácil, mas parece um preço pequeno a se pagar pela chance de ter Nenê plenamente saudável na pós-temporada. É claro que acidentes acontecem – como foi o caso da lesão na coxa esquerda que tirou Nenê das Semi-Finais da Conferência Oeste na temporada passada – mas o Rockets parece disposto a, armado de sua comissão técnica e sua fissura por números e estatísticas, minimizar ao máximo os riscos. Não se trata de acabar com as lesões, mas de ser capaz de controlar o que for humanamente controlável.
Chris Paul, por exemplo, não participou do treino pré-jogo antes da partida contra o Clippers, sinal de que embora o time ainda tenha algo a melhorar para uma eventual corrida pelo título, já está pisando no freio no que tange ao cansaço dos seus jogadores. O objetivo certamente não é apenas chegar às Finais, mas fazê-lo em perfeita forma física – algo que está vivo na mente das comissões técnicas desde que o Golden State Warriors perdeu as Finais de 2016 sob a percepção de que seu elenco havia se esgotado fisicamente buscando o recorde histórico de mais vitórias numa temporada.
A preocupação com o final da jornada é ainda mais justificada no caso do Houston Rockets porque a temporada atual realmente dá sinais de que um título é possível justamente em meio a uma época que se imaginava dominada por Warriors e Cavaliers. Enquanto o Warriors sofre para manter o foco e o Cavs tenta sobreviver às drásticas mudanças no elenco, o Rockets parece inteiramente motivado e as mudanças no elenco, como a chegada de Chris Paul, foram sucessos irretocáveis. Ao invés de abrir mão dos próximos anos por conta da suposta dominância do Warriors na Conferência, o Rockets foi um dos times que mais arriscou abrindo mão de peças importantes do elenco – especialmente Patrick Beverley, então o melhor defensor da equipe – para tentar aumentar suas chances de ser campeão. Para recompensas maiores, é necessário riscos maiores – a não ser para aqueles que nunca acharam que adicionar Chris Paul poderia ser considerado de fato um risco, claro.
Nenê foi um dos que acreditaram na integração de Chris Paul à equipe desde o início. “Quando se junta vários talentos, sabendo jogar o jogo, eles se viram.” E adiciona: “Para mim, que sempre joguei como playmaker nos times pelos quais passei, é mais fácil. É só estar no lugar certo e ele te encontra”. A chegada de outro armador, ao invés de tumultuar o ataque, tornou-o mais dinâmico e maximizou o poder de fogo dos múltiplos arremessadores da equipe – e isso sem abrir mão das jogadas individuais. Nenê chamou a dupla James Harden e Chris Paul de “dois jogadores completamente imparáveis na isolação”, algo que será essencial contra as melhores defesas nos Playoffs, especialmente nos dias em que as bolas de três pontos não estiverem caindo – algo que um time dedicado ao perímetro, como o Rockets, precisa aprender a lidar.
Nesses casos, não apenas a isolação, mas também o jogo de garrafão, são fundamentais – casos em que a participação de Nenê será ainda mais importante. Se o jogo de costas para a cesta é cada vez mais difícil e menos eficiente na NBA, bons passadores com as costas para a cesta são ainda essenciais para ajudar no espaçamento da quadra e na variedade de opções ofensivas. Nenê sempre teve uma visão de jogo privilegiada nesse sentido, sabendo acionar os companheiros em movimento, e sua habilidade fica ainda mais evidente com um elenco que sabe cortar para a dentro do garrafão em busca de bandejas e que se posiciona no perímetro com disciplina. Um time para ser campeão precisa ser completo: o que faltou ao Rockets na temporada passada foram rotas de fuga para quando os arremessos não caíram e para quando Harden não estava bem ou não estava conseguindo cavar suas faltas já tradicionais. Nos últimos Playoffs, Nenê teve um sucesso enorme desafogando o time justamente nessas circunstâncias, jogando inclusive no mano-a-mano contra oponentes mais lentos e mais fracos do que ele. Saudável ele repetirá a função nessa pós-temporada, mas agora acrescido do jogo de mano-a-mano e das bolas de meia distância de Chris Paul. São muitos caminhos possíveis, mostrando um time versátil o bastante para sobreviver a algumas atuações individuais ruins nos Playoffs.
E se o título da NBA vier finalmente para o Rockets? “Aí será a hora do Nenê família. Eu queria ver o Ronaldo Fenômeno jogando ainda, mas não tem jeito, o tempo passa, né?” Nenê tem ainda mais dois anos de contrato após essa temporada, mas parece estar em sua etapa final e próximo de realizar seu objetivo derradeiro. Seria triste ver Nenê se despedir do basquete, encerrando em definitivo uma geração que colocou o Brasil finalmente no mapa da NBA. Mas se essa despedida acontecer com um título será plenamente justificada, consolidando Nenê como um dos maiores nomes do nosso esporte e, com sorte, abrindo mais uma vez a porta para novos brasileiros na NBA – e, de quebra, abrindo também as portas da própria NBA para outros times sonharem com um título, desde que não temam a suposta dominância adversária e estejam dispostos a se arriscar o suficiente.