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O S.O.S tem uma história curiosa. É um sinal de código morse que começou a ser adotado como sinal de resgate em 1905. As letras S e O são bem fáceis de se fazer e de se identificar com o código morse. O “S” são três sinais curtos ( . . . ) e o “O” são três sinais longos ( – – – ). Mas depois de um tempo, principalmente depois que o Titanic fez esse sinal ainda mais famoso, começaram especulações sobre o significado da sigla S.O.S. Na verdade ela não quer dizer nada, é só um código fácil, mas muita gente acredita mesmo, até hoje, que a sigla quer dizer “Save Our Souls” ou “Save Our Ship”, que em português seriam “Salvem nossas almas” e “Salvem nosso navio”, respectivamente.
Curiosidades à parte, a sigla S.O.S tem agora um significado novo pra mim, um que, assim como os outros, vai se relacionar a pessoas perdidas que querem ajuda e que não podem fazer nada. Sempre que eu observar em algum lugar a sigla, nem que seja vendo reprise do Titanic no SBT, vou lembrar do lema da campanha dos moradores de Seattle, torcedores do Supersonics: Save Our Sonics.
Tudo começou em 2006, quando o então dono do Seattle Supersonics, Howard Schulz, CEO do gigante dos cafezinhos caros, Starbucks, tentou convencer a cidade de Seattle a reformar e aumentar a capacidade do ginásio do Sonics, a KeyArena, a arena com menor capacidade de torcedores em toda a NBA. Schulz queria apoio do governo da cidade para a reforma, algo como 220 milhões de dólares de apoio, nada de mais.
Como ele não conseguiu tal apoio, achou que era hora de vender seu brinquedo e aceitou a proposta de singelos 350 milhões de dólares oferecidos por um grupo de investidores liderados por Clay Bennet, empresário de Oklahoma City e que já havia sido um dos donos do San Antonio Spurs nos anos 90 e principal líder do grupo que levou o Hornets a jogar em Oklahoma City nos dois anos seguintes ao furacão Katrina, que impediu o Hornets de jogar em New Orleans.
O acordo de venda para o grupo de Bennet dizia que os novos donos deveriam fazer de tudo para conseguir um acordo para a expansão da KeyArena nos primeiro ano de sua gestão. Com as dificuldades de negociação, o empresário chegou a sugerir usar dinheiro de impostos para pagar os mais de 500 milhões de dólares que ele dizia necessário para construir outra arena, uma no subúrbio de Seattle ao invés de reformar o antigo ginásio. Também não rolou.
Cansado de toda a briga, o grupo disse que então a única saída era o Sonics sair de Seattle e ir para Oklahoma City, em que todo o dinheiro para reformar o Ford Center já estava certo. E foi aí que a briga começou pra valer. Apoiado por uma declaração (que rendeu multa da NBA) de um dos empresários do grupo de Bennet, o governo de Seattle, os torcedores e até o antigo dono, Howard Schultz, disseram que Clay Bennet comprou o Sonics já com a intenção de levar o time para Oklahoma City e que nunca realmente quis ou negociou bem o bastante para manter o time em Seattle. E-mails descobertos dentro do grupo de Bennet sugerem a mesma coisa.
O problema para mudar o time de cidade foi a KeyArena, de novo, já que a Arena tinha contrato com o Sonics até 2010. A solução seria um “buyout“, ou seja, uma multa, como aquelas que pagam aos jogadores quando os times querem que eles dêem o fora antes do fim de seus contratos. Então foi a vez de um grupo da cidade entrar com uma ação para dizer que Bennet não poderia pagar para cancelar o contrato. Ou seja, a treta ficou feia e muito advogado começou a ganhar dinheiro.
O grupo de Clay Bennet ofereceu quantias de até 26,5 milhões de dólares para quebrar o contrato mas a cidade de Seattle não topou e depositou sua fé na justiça, acreditando que em julgamento sobre a situação o contrato até 2010 pudesse ser cumprido. O julgamento rolou por muito tempo mas horas antes da juíza dar seu parecer, os dois lados anunciaram que tinham chegado a um acordo. Com a derrota parecendo clara, a cidade de Seattle tentou sair de cena com pelo menos algumas coisas em mãos.
No acordo, a cidade de Seattle conseguiu 40 milhões de dólares de Bennet e mais 30 milhões daqui 5 anos caso Seattle não consiga trazer mais nenhuma equipe da NBA para a cidade. Além disso, o novo time de Oklahoma City não levará o nome de Sonics e nem levará com ele a história, as cores e o logo da equipe do Sonics. Ou seja, será praticamente uma nova franquia, e não uma mesma franquia em outra cidade. O novo time de Oklahoma City não poderá dizer que no seu tempo de Seattle foi campeã da NBA em 1979 e teve Gary Payton e Shawn Kemp encantando o mundo do basquete, a história fica em Seattle.
Embora eu ache que Oklahoma City tenha sido uma ótima cidade, com um público maravilhoso nos seus tempos de Hornets, estou bem triste com a decisão. Não que eu me importasse ou torcesse muito com o Sonics, mas o que aconteceu soa como um assalto. Tudo indica que Clay Bennet realmente queria mudar o time para Oklahoma City desde que comprou o Sonics. Todo mundo percebeu isso e até o antigo dono, Howard Schulz e outros ricaços de Seattle, incluindo um CEO da Microsoft, Steve Ballmer, perceberam isso e tentaram comprar o time de volta para não deixar ele sair da cidade, mas não deu. Dizem que a cidade não quis gastar milhões em uma nova arena que agradaria aos novos donos porque queria gastar o dinheiro dos contribuintes em outras coisas, o que eu acho correto e justo. Esses contribuintes, aliás, são os cidadãos de Seattle, os que queriam o Sonics na cidade, as pessoas do “Save Our Sonics“. Vocês ouviram elas durante a história que eu contei acima? Nem mais ninguém. Completamente ignoradas.
Mas mesmo que tudo tivesse acontecido de forma correta e que a saída do time de Seattle fosse inevitável, seria algo bem triste do mesmo jeito. A saída do Hornets de Charlotte para New Orleans já foi estranha, mas pelo menos o time não tinha tanta história, mesma coisa com a saída do Grizzlies de Vancouver para Memphis. O Sonics não era um timinho novo tentando um lugar ao sol na NBA, o Sonics completou 40 anos de existência, todos eles em Seattle.
Fiquei imaginando como seria se eu morasse em Seattle e encontrei nesse texto da revista Dime um cara pensando coisas parecidas. Ele é de lá e disse como fica triste de pensar nas pessoas que compram os ingressos de temporada há anos para ver o Sonics 41 vezes por temporada, ou os caras de 20, 30 e 40 anos que aprenderam a ver, entender e a amar o basquete só vendo o Seattle Sonics em quadra. É um time que não é o Knicks, Lakers ou Celtics mas que é rico em história. Gary Payton, Shawn Kemp, Ray Allen, Rashard Lewis, Detlef Schrempf, Nate McMillan, Sam Perkins, Ricky Pierce, Lenny Wilkens, Jack Sikma. Quem gosta de história pode se deliciar com o Sonics.
E imagine você, torcedor do Corinthians, São Paulo, Grêmio, Inter, Flamengo, Sport, Bahia, sei lá, qualquer time. Imagina se, de repente, chega um cara, compra o seu time e depois de dois anos leva ele embora para outra cidade. É simplesmente surreal. Os negócios na NBA e nos EUA são diferentes daqui, os times são franquias, não são clubes, e tudo são negócios, mas os torcedores são sempre torcedores. Você pode dizer que tal torcedor é mais apaixonado do que outro mas sempre tem um grande número de torcedores que amam seu time. Imagine a quantidade de garotos encantados em ver um jogo do Seattle no ginásio, com a camisa do Kevin Durant e que estava aprendendo a gostar e entender o basquete, o que vai ser deles agora? O time que eles torcem simplesmente desapareceu.
Isso tudo ainda não conseguiu entrar na minha cabeça. Talvez eu me importe demais, talvez goste demais de esporte e veja importância demais em torcer no esporte. Talvez esteja exagerando também, mas garanto que não sou o único e que tem muita gente assim em Seattle também, gente que além de assistir gosta de torcer, de se envolver, de idolatrar grandes jogadores, essas coisas bobas de torcedor.
Se fosse torcedor do Sonics eu provavelmente iria ver a NBA com outros olhos, com menos tesão, com aquele mau humor de velho rancoroso, ver o Sonics morrer é ver sua banda de rock favorita cantar cover de música ruim no Faustão, é descobrir que Papai Noel não existe. Natal ainda é legal, a banda ainda é boa, só a magia que acabou.
Só não sei se ia chorar. Acho que esse não é o tipo de perda que faz a gente chorar. Não é a namorada dos sonhos que te abandonou, não é um familiar que morreu. É só uma paixão de infância que foi legalmente comprada e morta de acordo com os interesses econômicos de uma minoria.
Garanto que o garotinho com a camiseta do Durant vai entender tudo isso.