Depois da sequência de 9 a 0 assim que o jogo começou, o Milwaukee Bucks nunca mais olhou para trás – e o Toronto Raptors nunca mais se recuperou. A diferença no placar chegou a ser de 28 pontos no terceiro período e tivemos um daqueles raros casos de garbage time numa Final de Conferência, com jogadores do fundo do banco aparecendo para esticar as pernas. Quando Jeremy Lin apareceu e eu conferi no calendário que não estávamos mais em 2012, percebi que era hora de desligar a televisão.
O domínio do começo ao fim – o Raptors nunca esteve à frente do placar, nem por um segundinho sequer – foi em parte porque o Bucks conseguiu estabelecer um ritmo de jogo e de arremessos desde o princípio, mas em parte também porque o Raptors não encontrou em nenhum momento uma resposta ofensiva digna para cortar a diferença, impedir as sequências adversárias e criar qualquer tipo de receio na defesa do time da casa. O plano inicial do Raptors de incentivar o elenco de apoio a arremessar quando estivesse livre, punindo a defesa do Bucks por se aglomerar no garrafão e dobrar constantemente em Kawhi Leonard, foi um fracasso retumbante.
No primeiro quarto Marc Gasol acertou apenas uma de suas 5 tentativas, enquanto Danny Green e Kyle Lowry converteram uma em 4 tentativas cada. E o pior é que para que esses arremessos fossem dados, Kawhi Leonard abriu mão da bola, fugindo da marcação dupla. Em muitas posses Kawhi sequer TOCOU NA BOLA, também incomodado por uma defesa agressiva que tentava se antecipar e impedir que os passes chegassem às suas mãos. No primeiro período a estrela do Raptors deu apenas dois arremessos, convertendo ambos. Em dado momento, quando recebeu uma dobra de marcação na linha de lances livres, Kawhi conseguiu encontrar Marc Gasol perto da cesta com um passe picado incrível, mas o pivô não estava preparado para ser acionado e deixou a bola escapar das suas mãos. A frustração que Kawhi mostrou em quadra naquele instante – ele finalmente conseguiu mover os músculos da face, pessoal! – só não foi maior que a frustração do próprio Gasol, que socou o ar e se estapeou múltiplas vezes ao longo da partida após cada erro em bolas livres. Parece que sua cabeça nunca entrou no lugar depois de começar o jogo tomando um toco na cobertura de Giannis Antetokounmpo:
Not in The Greek Freak’s house!!#FearTheDeer pic.twitter.com/CXAdfGBZXS
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Depois de errar seu oitavo arremesso ali no meio do terceiro período (ao todo acertou apenas uma em 9 tentativas ao longo do jogo), Gasol sequer voltou mais para a quadra, retornando para a gaveta com menos de 20 minutos jogados. Sua falta de confiança no ataque ainda foi agravada pela falta de função defensiva já que o Bucks jogou a maior parte do tempo sem um pivô, forçando Gasol a contestar arremessos de três pontos constantes de Ersan Ilyasova e Nikola Mirotic.
A única ajuda com quem Kawhi Leonard conseguiu contar ofensivamente foi Pascal Siakam, mas o coitado mal conseguiu ficar em quadra. Siakam cometeu sua quinta falta com 9 minutos SOBRANDO no terceiro quarto, passou tempo demais no banco e estourou em faltas com apenas 25 minutos de quadra. Infelizmente o trabalho de marcar Giannis Antetokounmpo foi demais para ele, especialmente pela maneira como o Bucks usou o grego na partida.
Ao invés de infiltrar o tempo inteiro, empurrar seus marcadores e comandar todas as posses de bolas de sua equipe, Antetokounmpo teve uma abordagem mais discreta: infiltrou apenas em transição ou quando Siakam estava mais afastado dos jogadores que poderiam auxiliar numa dobra de marcação. Dessa vez não o vimos jogar de costas para a cesta e em poucas vezes recebeu a bola no mano-a-mano dentro do garrafão. Essas infiltrações pontuais contra Siakam, no entanto, foram minando seu adversário e gerando faltas constantes. É incrível ver como ao invés de simplesmente bater para a cesta, Antetokounmpo inicia sua passada ainda fora do garrafão e dá passos longos em direções diferentes, “costurando” a defesa. Nessas situações Siakam é obrigado a se antecipar, tentando adivinhar em qual lado o próximo passo ocorrerá, e consequentemente acaba trombando com um Giannis em movimento, cometendo a falta.
Foi isso que o grego fez na primeira posse de bola do jogo, errando o arremesso mas conseguindo um rebote de ataque na sequência:
The Greek Freak goes old school!! 😤#FearTheDeer pic.twitter.com/GDZrffXtPK
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Pouco depois, com Ilyasova atraindo Marc Gasol para fora do garrafão, a jogada virou uma enterrada:
Giannis is a SAVAGE!! #FearTheDeer pic.twitter.com/EDThAaO7W0
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No terceiro quarto, com Kyle Lowry tentando funcionar como uma cobertura no garrafão, a mesmíssima jogada virou uma cesta-e-falta:
Can't stop this!!#FearTheDeer pic.twitter.com/r0O5bxpTBE
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E nos contra-ataques, quando Kawhi Leonard tentou impedir o acesso à cesta, Antetokounmpo só precisou de um passe certeiro para o perímetro:
That All-Star connection ⭐️#FearTheDeer pic.twitter.com/q7MdCrcSJO
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Os 30 pontos em 20 arremessos de Giannis poderiam ter sido muito mais, mas o jogador foi comedido, não forçou infiltrações ou situações desnecessárias e nem se colocou em lugares da quadra em que poderia sofrer dobras ou perder a bola. Sua agressividade pontual foi apenas o bastante para que a defesa estivesse sempre preocupada e não pudesse se dedicar integralmente ao perímetro, onde os demais jogadores do Bucks acertaram 5 bolas de três apenas no primeiro quarto.
Os 31 pontos em 18 arremessos de Kawhi Leonard também seguiram a mesma recveita: o jogador foi comedido, tentou não arremessar contra marcação dupla e só forçou bolas verdadeiramente difíceis no terceiro quarto, quando a diferença no placar já era de 28 pontos e o Raptors foi para o tudo ou nada. Metade dos seus arremessos e dos seus pontos vieram nesse período, quando com a ajuda dos arremessos de fora de Fred VanVleet a vantagem do Bucks caiu para 13 pontos. Kawhi, entretanto, mostrou-se EXAUSTO ao final do período em que não teve um segundo de descanso, e quando Antetokounmpo voltou de sua folguinha habitual no banco de reservas, o jogo voltou a sair do controle.
Kawhi fez a coisa certa ao passar a bola e envolver seus companheiros inicialmente, mas em posses DEMAIS sequer participou do jogo por estar cansado ou porque seu elenco de apoio tinha jogadas próprias, sem sucesso contra a defesa do Bucks. O que vimos nesse Jogo 2 lembrou bastante o Raptors do começo da temporada, quando do ponto de vista tático Kawhi Leonard parecia um universo à parte, desconectado da equipe: ou o time fazia jogadas para Kawhi ou mantinha sua movimentação “original”. Ao longo da temporada os dois mundos foram se mesclando e mais jogadas surgiam das movimentações de Kawhi, mas não foi o caso contra o Bucks. Quando Kawhi tocava na bola havia uma dobra para ele e um elenco de apoio incapaz de transformar isso numa jogada, numa cesta fácil ou num arremesso convertido mesmo em situações sem marcação. Comecei a questionar se Kawhi não deveria estar dando 40 arremessos na partida, se não fosse pelo pulmão do ala desistindo da brincadeira no segundo tempo. A frustração dele foi evidente, o que coloca uma carga ainda maior nos ombros de um elenco que não parece gostar desse tipo de pressão.
Por conta disso o técnico do Raptors, Nick Nurse, teve que caçar ajuda ofensiva em jogadores que não estavam mais fazendo parte da rotação do time na pós-temporada, como Norman Powell e Jodie Meeks. Powell foi um dos raros pontos positivos do Raptors na partida e acabou roubando minutos de Danny Green, mas não foi o suficiente. A comparação com o Bucks foi até cruel, já que todos os jogadores do elenco entraram não apenas dispostos a arremessar, não precisando de muito espaço ou jogadas muito elaboradas no perímetro, mas também ACERTANDO esses arremessos. Ver Malcolm Brogdon, Ersan Ilyasova, Nikola Mirotic e Khris Middleton arremessando de três na primeira oportunidade que conseguem, mesmo com marcadores próximos e pouca rotação de bola é DESESPERADOR quando do outro lado Danny Green e Marc Gasol recusam arremessos e, quando forçados pelo esquema tático, erram tantas bolas importantes. Impossível não celebrar a importância que esses jogadores secundários do Bucks, muitos acrescentados ao longo da temporada, acabam tendo nesse esquema tático do técnico Mike Budenholzer.
Essa certamente foi a diferença principal entre os dois times nesse Jogo 2: o Bucks não dependeu dos 30 pontos de Giannis Antetokounmpo e se aproveitou mais dos espaços que ele criou do que de qualquer bola que ele tenha colocado dentro da cesta. O Raptors, por sua vez, dependeu INTEGRALMENTE de cada cesta de Kawhi, que entrou em quadra disposto a dar espaço para o resto do elenco e, posteriormente, ficou cansado demais para manter a reação que iniciou no terceiro período.
Não é a primeira vez que vimos o Raptors oscilar entre negar arremessos e errar bolas livres nesses Playoffs, mas até aqui o time sempre conseguiu se recuperar no jogo seguinte. Uma das soluções tem sido acelerar o ritmo de jogo e os contra-ataques com Kyle Lowry, o que teve algum sucesso nesse Jogo 2 mas acabou se desestruturando quando a vantagem no placar ficou grande demais. O Raptors precisará, entretanto, de mais soluções e de mais consistência se quiser ter chances de sobreviver ao Bucks. Além de ter seu elenco de apoio acertando arremessos, talvez seja preciso até mesmo REPENSAR esse elenco de apoio: Marc Gasol pode ter que perder espaço, Norman Powell pode acabar se tornando titular, Serge Ibaka pode ter que arremessar mais, e Pascal Siakam NÃO PODE ser o responsável por marcar Giannis. Siakam precisa estar em quadra, sem faltas, inteiro, para ajudar no ataque. Mas quem poderia, então, assumir a responsabilidade? Como impedi-lo de infiltrar quando qualquer alma viva no perímetro se tornou um perigo constante arremessando nessa série?