Contos do vigário

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Kwame Brown ainda vai manter toda sua graciosidade em quadra por mais alguns anos

Como bom são paulino, sempre fiquei muito intrigado com o caso do Gustavo Nery. Nunca jogou porcaria nenhuma pelo São Paulo e, em geral, comprometia terrivelmente a equipe. Seus erros eram grosseiros, constantes e desestabilizavam o time. No entanto, muitas pessoas elogiavam seu jogo. Foi com grande estranheza (e alegria de me ver livre da praga) que recebi a notícia de que Gustavo Nery foi jogar na Alemanha, onde não foi bem recebido, e depois foi contratado pelo Corinthians. Levou apenas alguns dias para a torcida corinthiana perceber o que já era óbvio para qualquer são paulino: o Gustavo Nery fede. Saiu do time ameaçado de morte, levando pedrada de todo lado, mas mesmo assim conseguiu um contrato na espanha. Assim que perceberam por lá que ele fedia, voltou para o Corinthians, único time burro o suficiente para cair no conto do vigário duas vezes. Ao perceber a cagada, Gustavo Nery deu o fora de novo, indo jogar no Fluminense, em que obviamente não deu certo, e agora conseguindo um contrato com o Internacional. Até a mãe do sujeito sabe que ele é perna de pau, mas por algum motivo místico sempre tem algum time por aí acreditando nele. Sempre tem alguém que cai no conto do vigário.

O que isso tudo tem a ver com basquete? O fato de que lá na NBA também não faltam trouxas para acreditar em qualquer coisa. Basta uma boa edição de vídeo e até o gordo do Jerome James se torna um grande jogador, todo mundo sabe disso na era do YouTube, mas ainda tem um monte de gente que realmente acredita no que vê.

A notícia de hoje é que Kwame Brown recebeu uma oferta de 8 milhões de doletas por 2 anos no Pistons. O mesmo Kwame que jogava embaixo de vaias em Washington, que foi humilhado pela torcida de Los Angeles, e que foi afundado no banco de um Grizzlies completamente desprovido de jogadores. Foram três chances, dois contratos gordos, três fracassos retumbantes. E quando a gente finalmente estava pronto pra aceitar que seu futuro seria o mesmo de outra primeira escolha de draft fracassada, Michael Olowokandi (ou seja, a aposentadoria) eis que Kwame me aparece com mais um contrato milionário na manga. Qualquer semelhança com o Gustavo Nery, crianças, não é mera coincidência.

Não preciso sequer me esforçar para saber o que o Pistons está pensando. “Kwame é um jogador de muito potencial e acreditamos que possa evoluir muito e contribuir para nossa equipe.” Assina o nome de qualquer dirigente do Detroit e pronto, eu deveria ser Relações Públicas na NBA. Eu nem vou entrar nos méritos do Kwame Brown de fato ter potencial, apesar da incapacidade de lidar com pressão e das mãos pequenas de donzela aflita. Eu só não consigo aceitar que, depois de tanto tempo, ainda queiram investir tão pesado no moço. Eu não quero viver em um mundo em que o Kwame ganha um contrato de 4 milhões e o Matt Barnes assina pelo mínimo, 900 mil mangos. Produção e dedicação parecem sempre vir atrás de potencial, o que uma hora acaba enchendo o saco. Ele pode até se dar bem no Pistons, tendo menos pressão de produzir atrás de grandes estrelas, mas ele pode quebrar em segundos frente à torcida de Detroit e à intensidade e tranquilidade que o Pistons mostra nos jogos. Mais uma vez Kwame é um jogador de risco que engordará seus bolsos (e sua pancinha).

Mas não pensem que cair numa enganação dessas é privilégio do Pistons. O time mais amaldiçoado da NBA, o Los Angeles Clippers, acaba de efetuar uma contratação polêmica: Ricky Davis agora faz parte da equipe. Até parece uma boa contratação, trata-se de um pontuador nato, um cara que venderia a própria mãe pela chance de fazer umas cestas, e que vai cobrir a falta de poder ofensivo surgida com a ida de Elton Brand para o Sixers. Além do mais, é uma figura experiente e permitirá ao calouro Eric Gordon não ter que assumir tanta responsabilidade, principalmente levando em conta que outro futuro titular, Al Thornton, estará apenas em seu segundo ano. “Um armador pontuador e experiente, é tudo que o Clippers precisava”, você diz. Pois eu digo que essa foi a aquisição mais imbecil e desconjuntada que eu já vi na NBA nos últimos anos!

Colocar Baron Davis e Ricky Davis ao lado um do outro só pode ser um experimento social! É um projeto de pesquisa acadêmica, ou então um reality show brega apresentado pelo Sílvio Santos! A última vez em que eu vi o Ricky Davis passando uma bola, resolvi maneirar na bebida. Acho mais provável ele arremessar uma bola de costas do meio da quadra (algo que ele faria naturalmente num jogo de playoff, por exemplo) do que passar conscientemente para um companheiro livre. Ele sabe pontuar, não me entendam errado, mas não se importa com mais nada no planeta. “Aquecimento global? Foda-se isso, me passa essa maldita bola!” Sim, a dupla de Davis (Baron e Ricky) pode ser um dos duetos ofensivos mais poderosos da Liga, mas também vai ser um dos mais retardados e imprevisíveis. A impressão que tenho é de que o Clippers está querendo juntar o maior número possível de peças que não se encaixam entre si: Baron Davis, Ricky Davis, Chris Kaman, Marcus Camby. Isso não é um time, é um show dos horrores! Ninguém combina com ninguém, nenhum jogador parece fazer sentido com o outro, é tipo um zoológico! Como próximas aquisições, o Clippers anunciará Michael Jackson, Sérgio Mallandro e um gorila treinado no circo, só pra fechar o grupo.

Eu tenho dó do Clippers. Eles parece sempre estar fazendo tudo que podem, adquirindo novos jogadores e lutando para manter os antigos. O único problema é que eles frequentemente caem nuns contos do vigário, e dessa vez foi o Ricky Davis. Todo mundo sabe que ele torna qualquer time imediatamente pior, que ele rompe com qualquer química presente e torna a situação insustentável. O que dessa vez é até engraçado, porque um time com Baron Davis, dois pirralhos, Kaman e Camby, já parecia não ter chances de ter química alguma. Vai ver a idéia é essa mesmo, química é coisa de professora gorda de colegial ou de time fracassado, tipo Pistons e Spurs. Eu entendo que o Clippers está conseguindo uns jogadores praticamente de graça (o Camby veio em troca de uma escolha de segunda rodada de draft, o Ricky Davis assinou por 2 anos e menos de 5 milhões) mas é preciso ser seletivo, parece que eles topam a primeira baranguinha que se atirar no colo deles numa balada.

Aliás, outra lorota famosa na NBA e que muita gente compra é o Isiah Thomas. Não, ele não assinou com ninguém, as lembranças de suas cagadas ainda estão muito recentes, mas não me assustaria vê-lo à frente de algum time em um ano ou dois. Isos porque, em sua defesa, sempre tem alguns gatos pingados que gostam de alegar que o Isiah é genial na hora de draftar jogadores.

Vamos voltar alguns anos no passado, para a noite do draft de 2006. Com a vigésima escolha, Isiah Thomas escolheu o ala Renaldo Balkman para fazer parte do Knicks. Toda a torcida de New York, presente no ginásio, vaiou até cuspirem os pulmões para fora. “Renaldo quem? Renaldo nem sequer é um nome de verdade, parece mais um erro de digitação! Ele poderia ter sido escolhido na vigésima nona escolha, que também era do Knicks!” Mas Isiah explicou-se, alegando que Renaldo era um ótimo jogador e que o Suns alegadamente draftaria o jogador com a vigésima sétima escolha da primeira rodada. Sei. Naquela mesma noite, o Suns, como sempre, vendeu sua escolha de draft para o Blazers, no que veio a ser o armador Sergio Rodriguez. Algo me diz que o time de Phoenix não poderia estar se importando menos com o draft e com o tal do Renaldo (força nominal zero!), que acabou esquentando banco para o Knicks nos anos que se seguiram. No mesmo draft, Isiah Thomas poderia ter escolhido versões melhoradas do Balkman, saídas diretamente da máquina de fazer Maxiells: eram Leon Powe, Craig Smith e Paul Millsap, todas opções muito superiores.

Hoje, o Knicks-sem-Isiah trocou Renaldo Balkman por um dedal e um botão de camisa (na verdade, por Bobby Jones e Taurean Green, além de uma escolha de segunda rodada). Na verdade foi apenas um modo de liberar espaço na folha salarial. Com isso, quase todas as “geniais” escolhas de draft de Isiah viraram farofa: Trevor Ariza, escolhido em 2004, foi trocado por um Steve Francis em decadência; Channing Frye, oitava escolha de 2005, teve uma temporada impressionante mas depois caiu vertiginosamente e foi trocado pelo Zach Randolph; por fim, Renaldo Balkman foi dado de graça em troca de teto salarial. Sobraram apenas David Lee, Nate Robinson e Wilson Chandler, sendo os dois últimos, aliás, estrelas de Summer Leagues. Só que liga de verão não é mundo real, então acho que já é hora desse mito de “bons drafts” cair.

Resumindo, Isiah Thomas não é genial em drafts. Kwame Brown não vai evoluir e começar a contribuir para equipe alguma. Ricky Davis não vai fazer qualquer time no mundo vencer um jogo sequer. E, pelamordedeus, o Gustavo Nery não faz a menor idéia do que é jogar bola. Mas sempre tem alguém que ainda acredita.

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