Missão cumprida

Em linhas gerais, a NBA vive um grande momento. Ao longo dos últimos dez anos vimos uma grande geração de jogadores tomar conta das quadras, times historicamente bons venceram títulos, algumas zebras criaram histórias cativantes, partidas épicas marcaram uma geração e tudo isso trouxe ainda mais fãs de todos os cantos do planeta, mais patrocinadores e um caminhão de dinheiro que a liga e seus jogadores nunca haviam visto antes.

O bom momento ainda não acabou, mas a temporada 2019-20 está sendo ao menos uma lombada para desacelerar os ânimos depois de tantos anos só com notícias boas. Começou com a crise de relações com a China por causa de um tuíte inconsequente de Daryl Morey, depois a liga registrou uma preocupante queda de audiência dentro dos EUA e então tivemos as mortes precoces de dois dos nomes mais importantes do basquete nas últimas décadas, David Stern e Kobe Bryant. Não que a NBA esteja em crise, longe disso, mas estavam todos ansiosos para algumas boas notícias para mudar o clima. E foi isso que trouxe esse All-Star Weekend em Chicago, um fim de semana para entrar na história da liga como um dos mais emocionantes e memoráveis da NBA.

Começou na sexta-feira com o Desafio dos Novatos entre o Time Mundo e o Time EUA. Em um jogo criado para apresentar o público leigo à nova geração, tivemos pela primeira vez em muito tempo uma partida recheada de nomes já conhecidos: Luka Doncic e Trae Young ainda estão no segundo ano deles na NBA mas já foram votados pelo público para serem TITULARES no All-Star Game de gente grande do domingo. Eles ainda tiveram a companhia de Zion Williamson e Ja Morant, novatos que estão alcançando marcas históricas e ao mesmo tempo cativando fãs com toneladas de carisma e jogadas de efeito. Não à toa esse foi o Desafio dos Novatos com melhor audiência desde 2015 nos EUA.

Em quadra eles não decepcionaram, a partida teve CANETA de Trae, passes cheio de malabarismos por entre as pernas de Ja, uma enterrada de Zion que literalmente ENTORTOU a tabela e um arremesso de Luka do meio da quadra que rendeu uma imagem dele que vai render até o fim da carreira dele e do adversário do Atlanta Hawks:

Nos eventos de sábado a audiência é mais inconsistente por existirem competições diferentes e sem ligação entre elas. O número pode ser baixo por boa parte da noite, mas atingir um ápice interessante durante uma parte muito comentada. Segundo dados da Nielsen, o evento desde sábado teve média ruim, mas um auge excelente. O pico veio justamente no Campeonato de Enterradas, que encantou torcedores e causou FÚRIA nas redes sociais com a vitória de Derrick Jones Jr. sobre Aaron Gordon.

A história é ótima: depois de enterradas perfeitas, Gordon e Jones empataram e tiveram que tirar da cartola uma nova cravada para impressionar os juízes. O ala do Miami Heat foi primeiro e pulou quase da linha de lance-livre, algo difícil e bonito, mas que não conquistou todos, rendendo um total de 48 pontos dos  50 possíveis. Gordon respondeu chamando Tacko Fall, o pivô de quase 2,30m de altura do Boston Celtics que assistia o evento na arquibancada, e simplesmente pulou por cima dele. O salto não foi completamente limpo, mas foi por cima do CARA MAIS ALTO da NBA! Foi difícil, a torcida foi ao delírio, os jogadores que estavam na beira da quadra saltaram em euforia e… ele recebeu nota 47. Confusão geral, troféu para Jones Jr. e caos no Twitter.

Uma investigação rápida nos bastidores logo descobriu o que tinha acontecido: uma confusão ou armação entre os jurados. O júri do torneio trazia nomes famosos nascidos em Chicago, como Dwyane Wade, Candance Parker, o rapper Common e o ator Chadwick Boseman e ainda Scottie Pippen, hexacampeão da NBA com o time da casa. Pelo relatado, após a enterrada de Gordon os jurados decidiram dar um empate. Então dois deles deveriam dar nota 9 e o resto deveria dar 10. Só que Wade, um dos que deveria dar 10, deu 9 e decretou o resultado final, para surpresa de seus companheiros e de todo o ginásio. E não foi sem querer…

Tá pra nascer coisa mais subjetiva que critério de “melhor enterrada”, então na prática o legal foi ver a competição alcançar o combo ideal do que esse tipo de evento deve ter: grandes enterradas mesmo de quem não ganhou, uma disputa apertada até o final e, mais importante que tudo, engajamento da torcida. O campeonato de enterradas é, afinal, uma grande festa! Uma celebração do lado mais atlético e plástico do jogo, jogadores se entregando em quadra e uma legião de pessoas discutindo o resultado, buscando conspirações e revendo vídeos internet afora. Até a história de Aaron Gordon ter sido injustiçado pela segunda vez, embora triste para o ala do Orlando Magic, acrescenta muito à mitologia do Campeonato de Enterradas e será algo discutido por anos e anos.

Menos épico que em outras ocasiões, com atuações fracas de muita gente boa na primeira rodada, o Torneio de 3 pontos também teve seu lado histórico com Buddy Hield superando Devin Booker só no último arremesso. E por mais que eu ame os Joe Harris desse mundo, é legal ver grandes cestinhas protagonistas em seus times como Hield e Booker decidindo o evento. O sábado ainda teve um show do RAPPER Damian Lillard: machucado e fora do jogo, o armador do Portland Trail Blazers viajou para Chicago para fazer parte do evento como Dame DOLLA, seu codinome artístico. Como o All-Star Weekend é uma celebração da própria NBA, mais vale ver um atleta mostrando um outro lado seu do que ter mais um cantor famoso tocando as músicas de sempre.

Mas o auge veio mesmo no domingo, onde TUDO deu certo. A NBA conseguiu fazer uma bonita homenagem a David Stern e principalmente a Kobe Bryant: os números nas camisas dos times, a fala de Magic Johnson, a apresentação do rapper Common e o show de Jennifer Hudson foram momentos emocionantes para um ginásio recheado de pessoas próximas a ele.

O abraço emocionado de Dwyane Wade em Allen Iverson, que foi para o jogo com a camisa de Kobe, mostra a importância de um evento assim. Assim como aquele jogo entre Lakers e Blazers na semana da tragédia serviu como ritual de despedida para torcedores e membros do time, o All-Star Weekend era o funeral para toda a família da NBA. É uma oportunidade raríssima de juntar pessoas de diversas épocas, times e funções diferentes no mesmo lugar para que eles possam simplesmente conversar sobre coisas boas ou ruins. Simbolismo importante para a liga seguir em frente na parte final da temporada:

Em quadra, apesar das regras novas com placar zerando a cada quarto, tudo pareceu como sempre nos primeiros períodos: pouca defesa, muito contra-ataque, algumas jogadas engraçadas, outras incríveis e muita risada de todas as partes. O Time LeBron venceu o primeiro quarto e deu 100 mil dólares para a instituição que eles defendiam, o Time Giannis devolveu o resultado no segundo período. No terceiro vimos o primeiro sinal de como a nova regra poderia mudar a partida: os times até DEFENDERAM nos últimos minutos, fizeram faltas táticas, técnicos pediram tempo para desenhar jogadas e o esforço mútuo rendeu um empate que fez com que o dinheiro da caridade ficasse acumulado para o grande vencedor da partida. Aliás, uma pausa para falar dessa benfeitoria toda: as crianças das instituições deram um barulho legal para o jogo e fizeram seu papel na beira da quadra, mas era esquisito ver uma partida amistosa valendo um dinheiro tão precioso para causas importantes. É uma crueldade huckiana e desnecessária, não seria nem justo cobrar que os jogadores dessem a vida na quadra para beneficiar alguém.

Mas tudo bem, no último período esquecemos de tudo. Aqui a novidade da regra era não ter mais tempo, mas um placar-alvo que era o número de pontos feitos pelo time que estava na liderança (considerando a soma dos três quartos anteriores) mais 24 pontos, número decidido para homenagear Kobe. Quando foi divulgada a informação, muita gente achou que isso era uma forma de deixar o jogo mais curto até, afinal marcar 24 pontos em um All-Star Game é coisa para cinco minutos, não para os DOZE de um período comum. O que vimos, porém, foi o contrário: o quarto período durou o equivalente a um quarto de QUINZE MINUTOS! E tudo graças à defesa. Sim, defesa no All-Star Game.

Como começou o período perdendo por nove pontos, o Time LeBron começou com energia total e logo buscou o empate nas costas de um bom banco de reservas liderado especialmente por Ben Simmons e Chris Paul, o primeiro com roubos de bola e contra-ataques, o segundo coordenando todo o ataque e acertando três bolas de 3 pontos só no último quarto. Aliás, vale dizer o quanto entrosado e bonito foi ver a combinação Simmons, Paul, Jayson Tatum e Nikola Jokic em quadra. Não é daqueles quartetos que você sonha em ver junto num All-Star, não há nenhuma relação óbvia entre eles, mas meu deus como tudo fluiu quando estavam juntos! Talvez seja só muito talento, uma boa dose de juventude e três dos melhores passadores do planeta ao mesmo tempo no mesmo time. Coisas de All-Star Game.

Só que assim que esse grupo conseguiu encostar no placar, os dois técnicos, Frank Vogel e Nick Nurse, tiveram a mesma ideia: hora de trazer os titulares. No Time Giannis ficaram os titulares Giannis Antetokounmpo, Pascal Siakam, Joel Embiid e Kemba Walker, com o veterano Kyle Lowry como único reserva substituindo o pirralho Trae Young. No Time LeBron, o mesmo conceito: LeBron James, Kawhi Leonard, Anthony Davis e James Harden de titulares e mais o veterano Chris Paul pegando o lugar do jovem Luka Doncic. E foi isso, todos foram até o fim com esse quinteto, sem substituições. A defesa desses caras foi tão agressiva que o número geral de aproveitamento de arremessos do jogo caiu de 55% nos três primeiros períodos para meros 35% no último. Em todo o último quarto, só DOIS JOGADORES fizeram cesta para o Time Giannis: Embiid (2/4 arremessos) e Kemba (3/9 arremessos). O resto zerou! Mas tava tão difícil para os dois lados que no fim chegamos ao ponto de “quem fizer a próxima cesta ganha”, um clássico dos peladeiros de todo o mundo e que deixou a torcida em polvorosa e os jogadores PILHADOS. Tivemos jogadores se matando em quadra, reclamações sinceras com a arbitragem e até dois pedidos de desafio dos treinadores, ambos bem sucedidos.

Foi interessante que ao fim da partida as pessoas não estavam só comentando a vitória do Time LeBron, exaltando o final apertado ou jogadas de efeito, mas DISCUSSÕES TÁTICAS estavam rolando internet afora. Será que Jimmy Butler não deveria ter entrado no lugar de Siakam ou Kemba para dar mais poder de fogo ao Time Giannis? Talvez Khris Middleton para espaçar a quadra? Após a partida Giannis também respondeu sobre estratégia de jogo, dizendo que o time estava apostando em qualquer um que estava sendo marcado por James Harden, elo mais fraco da marcação do Time LeBron. Entendo o plano, especialmente pelas outras opções serem alguns dos melhores defensores do mundo. Mas não deu muito certo (vídeo via @RocketsPlsWin)…

No primeiro lance Harden evita o corta-luz de Giannis, fica na frente de Lowry o tempo todo e o obriga a passar a bola. No lance seguinte ele não cede espaço dentro do garrafão quando atacado no mano-a-mano por Giannis e força o grego a passar a bola. Depois o barba, em seu lance defensivo mais completo, impede a infiltração de Kemba e logo depois, por pura leitura de jogo, troca a marcação com Chris Paul para assumir a defesa de Lowry e contestar seu arremesso. Por fim ele ainda força uma andada (não marcada) e um erro bisonho de arremesso quando Siakam tenta o atacar de costas para a cesta dentro do garrafão. Uma AULA DEFENSIVA do Barba para o técnico Mike D’Antoni pegar e pedir mais uma porção nos Playoffs.

E se o assunto é defesa, não podemos esquecer dos TRÊS TOCOS que Giannis Antetokounmpo deu no último quarto, dois deles em LeBron James. Um quando LeBron tentava arremessar pulando para trás, outro quando provou do próprio veneno e foi pregado na tabela pelo grego. Aliás, no lance LeBron comete o mesmo erro que tantos já fizeram contra ele: por puro pavor do toco, apressou a passada, saltou mais longe do que devia e deu tempo de Giannis alcançá-lo bem na hora de soltar a bola na tabela:

Vitórias individuais também para Lowry, que cavou duas faltas de ataque decisivas. Uma num contra-ataque contra o ex-companheiro Kawhi, outra em Harden quando ele tentava a bola de 3 pontos que decidiria a partida. E teve mais uma que ele quase cavou no LeBron, mas os juízes deixaram passar…

De todas as grandes jogadas defensivas, as mais legais foram as que envolveram comunicação rápida entre os jogadores. É normalmente algo que só vemos em times bem entrosados e com plano de jogo decidido, mas aqui vimos na base do improviso de caras que são quem são porque sabem reagir muito rápido a situações específicas. Nos lances abaixo vemos, pelo Time Giannis, vemos como Kemba sobra marcando Anthony Davis no garrafão, mas logo Giannis percebe o mismatch e assume a função, tirando a opção de passe de Chris Paul. O lance ainda tem Embiid grudando em Paul para não deixar ele infiltrar e Lowry correndo da linha dos 3 pontos para assegurar o rebote antes do Monocelha. Esforço completo:

Pelo lado do Time LeBron temos Paul marcando Giannis após uma troca de marcação em um corta-luz, mas imediatamente sendo salvo por Kawhi, que pega a defesa do grego e deixa o armador marcando Kemba, tudo isso em menos de um segundo. Logo depois ainda temos LeBron não dando qualquer espaço para uma infiltração de Lowry e forçando o arremesso errado:

E como o gráfico acima mostra, o All-Star Game teve 49 enterradas nos três primeiros períodos e APENAS UMA no último! Os pontos saíram na base da habilidade individual (como esse lance de Hakeem Embiid), de jogadas desenhadas (como essa pós-pedido de tempo para deixar Kawhi livre) e de eventuais falhas nas coberturas de mismatches, tão bem defendidas nos vídeos acima. Um dos casos veio no último lance da partida, quando o Time LeBron veio com uma jogada desenhada para um corta-luz de Harden para Davis. Uma rara falha de comunicação fez com que Lowry e Embiid ficassem no Monocelha enquanto Harden ficou MUITO LIVRE, tão livre que até se atrapalhou e acabou tocando a bola ao invés de só arremessando de meia distância ou indo para a bandeja. O caos da jogada, porém, deixou Davis sendo marcado por Lowry, aí bastou todo mundo abrir a quadra e a dupla do Lakers entrar em ação: Davis tomou a frente do seu pequenino defensor, LeBron deu o passe na medida certa e só restou a Lowry um puxão desesperado para fazer a falta. É chato que o jogo tenha acabado num ponto de lance-livre, mas a falta só aconteceu porque o jogo estava muito disputado:

A sensação depois da partida era a de ter assistido um jogo decisivo nos Playoffs. No fundo a gente sabia que não valia nada e as risadas entre os amigos entre um lance e outro dedurava isso, mas com a bola em quadra todos se entregaram ao máximo. Eleito MVP da partida, Kawhi elogiou o novo formato do jogo e com razão. Sem o limite de tempo, qualquer time pode acreditar que com boa defesa irá conseguir virar o jogo antes do rival alcançar a pontuação necessária para a vitória. Só que na prática tanto faz o formato desde que os jogadores abracem a ideia de competir e criar um espetáculo para a torcida não só com jogadas de efeito nos três primeiros períodos, mas também com defesa e desafios nos minutos finais. Se isso veio com as regras novas, por mais confusas que sejam, é o que basta para todos.

Em uma temporada de dificuldades, o saldo do All-Star Weekend foi mais que positivo: a audiência do fim de semana foi animadora, em entrevista coletiva no domingo Adam Silver disse que as portas da China estão voltando a se abrir e que talvez a seleção americana até faça amistosos lá antes da Olimpíada de Tóquio. Ainda tivemos uma partida sensacional, eventos divertidos e engajadores no sábado e o luto coletivo e as homenagens a David Stern e Kobe Bryant que todos precisavam para seguir em frente. Um bom fim de semana para ser fã da NBA.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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