>Vida de reserva

>

Kirilenko e Odom têm muito em comum além da cara
de que estão com prisão de ventre

Há exatamente um ano atrás, escrevi um post sobre o Kirilenko. Na época, ele tinha reclamado maior envolvimento no ataque da equipe, alegou estar entediado e, com muito cuidado do técnico Jerry Sloan, voltava a ter uma boa produção. Na verdade, não durou muito. Não que ele tenha tido uma temporada horrível, veja bem, mas é que para o padrão do Kirilenko foi uma porcaria. O russo tem capacidade pra desequilibrar os jogos tanto no ataque quanto na defesa e ganha um salário grande o bastante para que ele leve o time nas costas sozinho, sirva café para os torcedores e ainda fique olhando os carros de todas as ruas de Utah pra ninguém roubar. Se bem que lá eles só devem andar a cavalo.

Mas, mantendo uma tradição anual, é hora de dizer que o Kirilenko parece estar de volta aos seus melhores momentos, pontuando como não fazia há anos, pegando rebotes agressivamente e dando tocos como se finalmente não estivesse entediado. O que será que aconteceu, tomou a “água do Jordan” do Space Jam e deu um golinho pro Shaq? Bem, o russo disse que é apenas uma questão de atitude. Que, agora, ele está mais maduro e mais tranquilo, que antes ficava preocupado com seu próprio desempenho, com o desempenho da equipe, tinha interesse em ajudar o time e desanimava sem a oportunidade de ajudar. Agora ele é um novo homem, mais zen, mais tranquilo, mais “vibe sussa”, já diria a Coca-Cola.

Eu até acredito no discurso, mas até aí eu acredito também em alienígenas, o que não vem ao caso. Compreendo o papel do psicológico na produção em quadra, mas suspeito que a mudança de atitude do Kirilenko seja apenas de aceitar seu novo papel: reserva. O aumento de produção, desconfio, tem mais a ver com sua vinda do banco do que qualquer outra coisa.

O Kirilenko é um dos poucos jogadores capazes de jogar em qualquer posição, ele arma o jogo, arremessa de fora e joga dentro do garrafão. Só como pivô é que o negócio fica um pouco mais feio, mas ainda assim ele improvisa melhor como pivô do que muito pivô de verdade (Eddy Curry, estou olhando pra você – ou para a Lua, sempre me confundo). Mesmo com minutos de titular, ter um cara no banco de reservas capaz de jogar em qualquer posição e focar seja no ataque, seja na defesa, é um privilégio inacreditável. Não importa o andamento do jogo, Kirilenko pode entrar em quadra, se encaixar perfeitamente no que for estipulado e mudar completamente a partida, se necessário. Ele se torna uma peça importante de mudança, de ajuste, e enfrenta os primeiros reservas do time adversário. Ou seja, dá pra se sentir útil, receber mais a bola nas mãos e ainda enfrentar jogadores de banco ao invés de todos os titulares. Depois, ele não precisa nem sentar mais, descansar é para os fracos. Mas aqueles primeiros minutos de partida em que Kirilenko não está em quadra acabam sendo cruciais para seu desempenho e até mesmo para seu psicológico. Se ele se sente entediado ao lado de Deron Williams, Okur e Boozer, então que alguém dê uma sentadinha quando ele entrar. Depois, volta para a partida e o russo já está na empolgação. Todo mundo sai ganhando.

As últimas temporadas em que o Ginóbili vinha do banco de reservas apesar dos minutos de titular não foram apenas uma jogada de marketing para ele ganhar o prêmio de Melhor Sexto Homem da NBA. Até eu, que curto uma teoria da conspiração, tenho meus limites. O técnico do Spurs, Gregg Popovich, deve trocar o nome da esposa durante o sexo e chamá-la de “Vitória”, tamanha a bitolação por vencer. Ele jamais deixaria o argentino no banco se não houvesse um motivo para isso. Versátil, Ginóbili se encaixa no que o jogo necessita, encendeia a partida, é agressivo e chuta o traseiro de adversários reservas. Depois, continua em quadra e joga os minutos decisivos como se fosse titular.

Outro jogador parecido com o Kirilenko é o Lamar Odom. Que ele tem talento, não se discute, mas suas atuações asquerosas nos playoffs deixaram marcas profundas em quem assistiu – diz a lenda que o Denis, em sua primeira visita a um psicólogo, gritou irracionalmente: “Odom!”. Acontece que ele é um jogador que pode jogar em várias posições, que arma bem o jogo, mas que rende muito melhor quando tem a bola nas mãos e pode atacar jogadores mais baixos ou arremessar contra jogadores mais altos. Só que o arremesso dele é tão confiável quanto as pilhas “Durabell”, o que é um perigo. O Denis já defendeu, na sua análise dos quintetos ideais para o Lakers, que o Odom venha do banco para ser um líder em quadra quando as outras estrelas sentam. O resultado até agora parece ser positivo, mesmo com os minutos do Odom sendo muito reduzidos e seus números caindo mais do que audiência de novela do SBT. Ter um jogador como ele no banco é o bastante para transformar um jogo, não importa o quanto você ache que o Odom feda. Nos playoffs, essa profundidade fará ainda mais diferença, e apenas o Lakers e o Jazz poderão levantar a mão e dizer que possuem uma arma dessas na reserva. O Spurs não vai poder porque, nesse ritmo, não vão nem para os playoffs. (Aliás, diz a lenda que a cirurgia do Ginóbili atrasou bastante porque, toda vez que tentavam encostar o bisturi nele, se jogava no chão desesperado, alegava esfaqueamento e cobrava dois lances livres. Às vezes, três.)

Num nível menor, outros jogadores também estão tendo bons momentos no banco de reservas até agora. Lembram-se do Ramon Sessions, o armador que surgiu do nada no final da temporada passada e deu 4 bilhões de assistências? Depois de arremessar pior do que o Odom na pré-temporada, virou reserva do Luke Ridnour. Com 17 pontos e 6 assistências de média, Sessions está jogando muito mais do que o titular, que aliás tem só uns 12 anos e dia desses devem descobrir a tramóia que ele aprontou para ser draftado mesmo assim. Isso significa que o Sessions deve virar titular em breve? Creio que não. Com muito mais recursos ofensivos, não faz muito sentido colocá-lo ao lado de Michael Redd e Richard Jefferson logo de cara, que devem ser os responsáveis pela pontuação. Que ele venha do banco, então, mesmo jogando mais minutos.

Tem um caso parecido no meu querido Houston Rockets. Quem lê o Bola Presa há mais de 10 minutos sabe que eu odeio o armador Rafer Alston. Ele não tem critério para quando arremessar ou não, é completamente inconstante e amalucado e exige tanto a bola nas mãos que acaba sendo importante demais para o time: quando ele acerta as bolas, o Houston ganha fácil, quando ele está num dia ruim, o Houston sofre. Diabos, num time com várias estrelas, ninguém quer o Rafer Alston agindo como se a budega fosse dele.

Com o tempo, ele até foi ficando mais calminho e atualmente é um dos poucos jogadores do elenco que coloca a bola nas mãos do Yao Ming constantemente. Mas seus arremessos ainda são forçados e ele mantém uma mentalidade de quem quer salvar o mundo e provar seu valor, o que em geral compromete. Eu sempre torci para que ele perdesse a vaga para o novato Aaron Brooks, muito melhor. Mas agora, mudei de idéia.

O Aaron Brooks é um dos jogadores mais rápidos da NBA (foi comparado com o Leandrinho numa transmissão um dia desses), bate para dentro d0 garrafão com muita habilidade e tem muito mais talento do que o Rafer Alston. Mas enquanto o Alston é maluco pelos arremessos de 3 pontos, o Brooks é maluco pelas infiltrações. Ele não é versado na arte de passar a bola. Só que com 19 minutos de jogo apenas, está humilhando o Alston em todos os sentidos. Ele faz mais pontos (10 de média) e arremessa melhor de 3 pontos e dentro do garrafão. Ótimo, um dia ele vai ser uma potência na NBA. Mas suas atuações têm tudo a ver com o fato de que ele está vindo do banco, enfrentando reservas e entrando para botar velocidade no jogo. Será que eu quero o Aaron Brooks batendo para dentro quando T-Mac, Yao e Artest estiverem em quadra? Não, eu quero ele pontuando quando alguém tiver que sentar, para manter o equilíbrio do time. Mesmo que ele esteja produzindo muito mais do que o Alston e deva roubar a vaga de titular muito em breve, torço para que ele se mantenha no banco. Algo me diz que ele vai me dar muita dor de estômago no quinteto titular.

Para finalizar, vale mencionar dois jogadores que foram parar no banco não por escolha tática, mas por ruindade mesmo. Darko Milicic sempre foi “o babaca que foi draftado antes do Carmelo Anthony“, mas sempre teve potencial. Tinha tudo pra se estabelecer no Grizzlies sem pressões, obrigações e fora dos holofotes. Pois bem, no banco de reservas é que não tem holofotes mesmo. O novato Marc Gasol está fazendo a troca pelo seu irmão parecer menos idiota e se consolidou como o titular absoluto no garrafão. Na outra vaga, o calouro Darrel Arthur mandou o Darko para a reserva. Com mais de 7 pontos, 7 rebotes, 1 toco e 1 roubo de médias, o pirralho está surpreendendo e o Grizzlies se tornou o time mais bizarro da NBA: são três novatos titulares, já que OJ Mayo faz companhia aos outros dois.

No Warriors, o Ronny Turiaf ganhou uma boa grana pra levar ao time mais do que eles já tinham. Eu não entendi a contratação, critiquei na época, mas muita gente disse que tinha sido uma boa. Atuações incríveis na pré-temporada quase me fizeram morder a língua. Mas agora ele já é reserva do Brandan Wright depois de feder muito, e olha que o Don Nelson sempre preferiu enfiar um pé na orelha do que colocar o Wright pra jogar.

Com todas essas histórias, então, tem que ter bom senso. Às vezes, estar no banco é melhor, ajuda na produção e torna o cara ainda mais estrela – ninguém vai negar que o Ginóbili é um dos melhores no que faz só porque passa os dois minutos iniciais com a bunda numa cadeira. Mas tem horas que o banco é simples sinal de incompetência, marca óbvia de que a coisa está indo pelo caminho errado e que uma carreira cheia de potencial está prestes a terminar.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.