>Libertem Marbury!

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Mike Tyson lutou pela liberdade de Kobe, mas
quem luta pela liberdade de Marbury?

A saga Marbury continua. Depois de retornar ao time antes da temporada iniciar disposto a jogar, alegar não ter problemas em vir do banco de reservas, jogar um par de bons jogos nas Summer Leagues, não ser utilizado por um minuto sequer quando a temporada começou, ter pedido então para ser colocado na “lista de inativos” e se negado a entrar em quadra em dois jogos em que foi requisitado por falta de jogadores, Marbury foi proibido de permanecer com o Knicks. Quer dizer, proibido é uma palavra meio forte, na verdade é como em escolas – em que, ao invés de ser expulso, você é “convidado a se retirar do colégio” – e Marbury, portanto, foi “convidado a permanecer em casa”. Os cheques, ainda assim, continuam chegando. Afinal de contas, ele é ainda é funcionário do Knicks e não pode levar seus serviços a outro lugar.

Convenhamos, ser milionário sem ter que fazer nada é uma das coisas mais legais do mundo, só ficando atrás de arremessar anões. Todos nós que não somos lá muito fãs de nossos empregos sonhamos com a idéia de não ter que ir trabalhar todos os dias e ainda assim receber cheques milionários. Mas em alguns empregos não dá pra achar essa situação confortável. Pense num escritor, por exemplo. Pague milhões para ele ficar em casa e o proíba de escrever uma linha sequer. Na prática, isso é proibí-lo de ser quem ele é, de fazer aquilo que o define, aquilo que lhe mune de identidade. O escritor rico proibido de criar não seria coisa alguma, sequer estaria vivo. O mesmo pode se aplicar em inúmeras funções e, por que não, no basquete.

Muitos jogadores são aquilo que fazem, o basquete os forma. Não raros são os depoimentos de jogadores, agora na NBA, confessando ter encontrado nas quadras de basquete, ainda crianças, um refúgio, um templo, um local onde podiam se esconder e ser apenas eles mesmos. Isso significa que, desde a infância, “ser eles mesmos” significa ser no ato de jogar basquete. Com o passar dos anos, com a paixão, o tesão, a identificação com o esporte, o vínculo fica ainda mais forte e as demarcações que separam a prática esportiva e o indivíduo ficam tênues, às vezes inexistentes. O basquete, enquanto linguagem, é o único modo com que vários jogadores conseguem – ou querem – se expressar. É o modo também com que entendem uns aos outros, falantes da mesma linguagem, é aquilo que os une. Sem o basquete, o Kobe desapareceria no ar, viraria pó (ou purpurina, diriam as más línguas),

Impedir um jogador de entrar em quadra é algo terrível. Em muitos casos é negar ao jogador sua única forma de se relacionar com o mundo. Mas, pior, é deixar às claras o fato de que os jogadores são possuídos pelas suas equipes, que determinam seu tempo em quadra, sua presença com o time, suas reações nas entrevistas, seus hábitos e hobbies nas férias fora da quadra. Quando via Marbury lá, de terninho no final do banco apodrecendo como uma manga madura, eu não podia deixar de ficar triste. Ele é obrigado a ficar por lá como se fosse uma mercadoria, um vaso quebrado ou a Adriane Galisteu no SBT.

Mas aí é que entra a ganância. Por meses, o Knicks tenta negociar um término de contrato com Marbury. Para ser libertado, no entanto, ele teria que aceitar apenas uma parte do dinheiro que ganharia permanecendo com o time – algo que ele não quer fazer. De certo modo, a vontade de ganhar a grana toda que lhe foi prometida parece mais importante do que sua liberdade, sua vontade de jogar basquete, o que torna fácil criticar o Marbury. Mas eu sempre acabo achando um jeito de defendê-lo, sempre tentando entender o que se passa em sua cabeça. Acho que tenho um “Complexo de Drew Barrymore” pelo Marbury (esse termo é utilizado para definir aquela relação de carinho ou aprovação com algo ou alguém sem que seja possível encontrar uma causa plausível, como por exemplo minha fixação pela Drew Barrymore sem saber o porquê, e consciente de que ela é meio gordinha e tem um sorriso que indica certo retardamento mental).

Confessado meu “Complexo de Drew Barrymore” com o Marbury, tento entender seu lado. O cara nunca fez time algum vencer, pelo contrário, todos os times que se livram dele começam a vencer. Sua imagem ficou devastada na mídia depois de uma entrevista em que ele parecia estar bêbado, brigou com o ex-técnico e também parceiro de hospício Isiah Thomas, abandonou o time no meio da temporada e sua fama com o público despencou. Ele é um fominha, débil mental, completamente inconstante, mas talvez eu tenha justamente um apreço pelos birutas. Além do mais, Marbury foi um dos melhores armadores ofensivos que eu já vi jogar – seu comprometimento com fazer pontos é tão grande, mas tão grande, que ele não se importa de perder o jogo em nome desse “ideal” muito mais importante (dá pra imaginar ele no Warriors?). Tem também toda a história de sua amizade com o Leandrinho, que continua até hoje. Então ele é até um cara legal, mas convenhamos que ele nunca mais ganhará um salário muito significativo. Na verdade, embora o Marbury próprio diga que, assim que for libertado do Knicks, aceitará uma oferta de um time “surpreendente” que já entrou em contato, é bem possível que ele sequer consiga voltar a jogar na NBA. Além disso, sua marca de tênis de basquete com preços de banana (provavelmente feitos por crianças do país do Yao Ming) quase foi à falência, destruindo o futuro financeiro do rapaz (que já deve ter gastado boa parte de sua fortuna em manguaça). Muito provavelmente ele precisará de cada centavo que o Knicks lhe deve, seus custos de vida devem ser altíssimos e sua carreira está no suspiro final, se é que já não morreu.

Provavelmente eu estou vendo demais e o Marbury se importe pouco com a própria liberdade, tendo em vista seu descontentamento com a idéia de receber um pouco menos de grana para poder dar o fora de lá. Ainda assim, acho bastante incômoda a idéia de um time privar seu jogador de fazer aquilo que ele ama, aquilo para o qual ele foi pago. Esses escravos podres de ricos podem ser encontrados em todos os lugares. Basta olhar no próprio banco do Knicks (não vai ser difícil achar, pelo tamanho da criança) e encontraremos Eddy Curry, provavelmente comendo um pastel.

O pivô ainda não pisou em quadra nessa temporada e não está contundido, dizem que sequer está gordo. O técnico Mike D’Antoni simplesmente não quis usar o pivô lerdinho e pronto, aí está, uma carreira que vai ladeira abaixo. Curry quer jogar, quer ter minutos em algum lugar, quer uma troca, mas o Knicks não tem pressa. Quando a troca acontecer, pode ser tarde demais para Curry recuperar sua carreira: sem forma física, sem ritmo de jogo, com sua moral despedaçada e a fama destruída, pode nunca mais assinar um contrato.

O resto da NBA também tem casos similares. No Orlando Magic, o armador JJ Redick foi draftado como um dos melhores arremessadores que o Universo já viu, mas simplesmente não entrava em quadra, nunca. Quando seu contrato de novato finalmente iria acabar e Redick chegou a literalmente implorar para que o Magic não exercesse a opção de ampliar o contrato, a equipe de Orlando acabava de se ver numa situação desconfortável de total falta de armadores. Assim, exerceu a opção, ampliou o contrato e manteve Redick mais um tempo cativo, alegando que ele era “bom demais para ser perdido a troco de nada”. Mas eis que o Magic foi reforçado com Pietrus e o JJ Redick voltou a ser desnecessário. Some a isso o fato de que ele fede nos minutos raros que ganha em quadra e temos mais um jogador aprisionado no fundo do banco, enquanto em outros times poderia estar atuando ao menos como um especialista. Aos poucos, agora, está entrando mais em quadra, se livrando das correntes que não ajudam em nada o pirralho a adquirir qualquer tipo de confiança ou aprendizado em quadra.

Com o italiano Marco Belinelli é a mesma coisa, mas pior porque o Don Nelson é biruta. Apesar de ter sido o melhor novato nas Summer Leagues em seu primeiro ano de NBA, sequer entrou em quadra pelo Warriors. Seu segundo ano chegou e também nada. Mas aí surgiu o Anthony Morrow, teve um grande jogo, virou titular, aí fedeu, deixou de entrar, aí foi titular de novo, aí reserva, e quanto mais cachaça o Don Nelson ingeria, mais o Belinelli entrava na dança. Agora, tem dias em que ele não entra em quadra nem por um minuto, às vezes tem apenas minutos simbólicos. Às vezes é titular e destrói, como aconteceram em seus últimos três jogos. Na verdade, são 15 pontos por jogo as últimas três partidas, mas do que devia ter feito em toda sua carreira somada. No Warriors, nenhum jogador sabe o que vai acontecer com ele quando acorda pela manhã, o dia é uma total incógnita. Então a escravidão do Belinelli, aparentemente encerrada, pode voltar a qualquer momento.

No Blazers tem também o Jerryd Bayless, que parece exatamente um clone do Belinelli em vários sentidos. Os dois ganharam o prêmio de melhor jogador de Summer League e os dois não entraram em quadra no primeiro ano. No caso do Bayless, o entrosamento entre Rudy Fernandez e Sergio Rodriguez rendeu muitos minutos para o excelente armador espanhol, que antes mal entrava em quadra. Brandon Roy se mostra cada vez mais efetivo armando o jogo e Rudy é novato mas tem bastante experiência. Sobrou pro Bayless ser o pirralho inexperiente de uma posição superlotada, não importa quão bom ele seja. Seu futuro parece aterrador quando olhamos casos como os do Redick e do Belinelli, que são agravados pelo fato de que nenhum deles está ganhando 22 milhões de verdinhas como o Marbury. Que por sinal continua aprisionado, humilhado, podado em toda sua liberdade criativa – mas tem o dinheiro que quiser para se consolar. E o Belinelli, o que faz com seu salário de novato frente à possibilidade de que, por não ter sido exposto no Warriors aos olhos dos outros times, talvez nunca mais consiga assinar com time algum?

Se bem que há sempre há esperança da história de Patrick O’ Bryant. O pivô, que na noite do draft chegou a admitir ser ruim demais para ter sido chamado tão cedo (quando foi escolhido com a nona escolha), também nunca jogou em seus anos com o Don Nelson. Ainda assim, conseguiu um contrato recente com o Celtics, onde também nunca entrou em quadra, escravo no fim do banco. Mas pelo menos ele é ruim – ele até sabe disso – e sua carreira está sendo salva com esse contrato, não o contrário. Além do mais, ele terá um anel de campeão.

Aliás, será que, se Marbury for libertado de sua prisão milionária, jogará para um time com chances de título? Não acredito que a estrutura do espaço-tempo resistiria ao Marbury sendo campeão de qualquer coisa. Talvez o Universo como o conhecemos esteja com os dias contados. Talvez seja melhor deixar ele onde está.

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