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No duelo de domingo entre Kobe Bryant e LeBron James, a estrela de verdade foi o intervalo. Para a minha sorte, não estava acompanhando o jogo numa das trocentas transmissões chinesas que tanto fazem parte da minha vida desde que o Yao Ming entrou na NBA, então não passei o intervalo vendo comerciais grotescos cheios de luzes, robôs gigantes e chineses de cabelo verde ou roxo. Ao invés disso, a rede americana ABC passou, no intervalo do jogo, uma entrevista com Kobe e LeBron juntos, falando um sobre o outro. Talvez tenha a ver com o fato de que eu não sou torcedor nem do Lakers nem do Cavs, mas para mim a entrevista foi melhor do que a própria partida.
Nos últimos tempos, só se fala dos 61 pontos do Kobe contra os 53 do LeBron (e mais um quase triple-double, já que a Liga analisou e vetou o triple porque um rebote tinha sido mais falso que os seios da Mari Alexandre), quem é o melhor jogador do planeta, quem venceria uma partida de botcha, se o LeBron forçou e quis imitar o Kobe contra o Knicks, e quem deveria ser o MVP. A nossa opinião sobre isso por aqui é bem clara: comparar jogadores é um troço ridículo e MVP é o prêmio mais idiota desde o “Torneio de Verão” que o Corinthians ganhou e se disse “campeão mundial”. Mas tem algo que eu quero tocar nessa discussão: eu acho que, depois dos 61 pontos do Kobe, o LeBron forçou o jogo contra o Knicks. E acho que isso é bom.
Os dois são jogadores muito diferentes. Não apenas seus estilos de jogo são bastante distintos, mas também seus portes físicos, capacidades atléticas, os times em que jogam, a tática de suas equipes, os treinadores que os acompanham durante suas carreiras. O LeBron sempre ressaltou que não tem o físico que tem para ficar parado dando arremessos de longa distância, nunca foge do contato e às vezes, por isso, força demais o jogo no garrafão. Já o Kobe dominou a arte do arremesso como poucos durante seus anos de NBA, e portanto seus estilos afastam-se imediatamente em conceitos muito fundamentais. Provavelmente a única coisa que os une aos olhos do público é Michael Jordan, é aquele estranho posto de “melhor jogador de todos os tempos” com quem os dois são invariavelmente comparados. Na briga por saber qual dos dois é o melhor, no fundo há uma procura inconsciente de saber qual dos dois é o mais próximo de Jordan. Sempre achei isso nocivo para os dois, porque não permite que eles sejam jogadores únicos, há uma pressão constante para que eles sejam jogadores diferentes espelhando-se em alguém que é passado, de um tempo que terminou. Quando o Kobe faz 61 pontos numa chuva de arremessos contra o Knicks e o LeBron tenta repetir o feito, não posso deixar de sorrir. Trata-se de uma relação orgânica, um reagindo às ações do outro, um incentivando o outro a tentar, alcançar e fazer coisas novas. O LeBron não tinha mão esquerda, porque ele não precisava usá-la nos seus tempos de colegial: batia para dentro e enterrava, sempre na maior facilidade. Foi a competição num novo nível que obrigou LeBron a se tornar um jogador melhor, mais completo, exigindo dele novas capacidades. O LeBron não arremessava nem se sua vida dependesse disso, mas percebeu que defesas inteligentes podem tornar o garrafão uma muvuca comparável ao falecido Pograma do Ratinho e então sua capacidade de fazer as coisas acontecerem em quadra diminui muito. Desde a temporada passada, LeBron James tem um técnico particular apenas para seus arremessos, que têm melhorado muito – embora ainda não sejam nem um pouco consistentes. Mas o que me impressionou na partida do LeBron contra o Knicks foi sua vontade de arremessar de fora, suas tentativas desesperadas de encontrar um ritmo nos arremessos ao invés de bater sempre pra dentro. Foi uma resposta ao jogo do Kobe em estilo, foi quase uma homenagem, uma tentativa de recriar aquilo que ele acabou de ver dando certo.
Ao invés de copiar ídolos antigos, LeBron e Kobe influenciam o estilo um do outro. Os dois são apaixonados por basquete e dispostos a aprender o tempo inteiro. Nessa relação, um ensina o outro através dos jogos, das atuações monstruosas, dos chutes no traseiro inchado do Knicks. Se um faz o outro quer tentar fazer também, é perfeitamente saudável – mais do que isso, é um espetáculo para nós, pobres mortais. Gosto bastante de usar o exemplo do skate, porque é um esporte em que a competição exagerada ainda não corroeu o amor pelo esporte. Lá, se um skatista fizer uma manobra absurda, os outros irão parabenizá-lo, enlouquecer, gritar, bater os skates no chão e, eventualmente, vão tentar a mesma manobra. Alguém então repetirá a manobra com alguma pequena alteração, e assim o próprio esporte se desenvolve como se fosse um organismo vivo. Todos aprendem com todo mundo, não há pés do Bowen por nenhum lugar. A mesma coisa pode se dizer das artes, por exemplo. Músicos que tiveram sua visão transformada pelo “Sgt. Pepper”, dos Beatles, e que por isso fizeram obras novas que por sua vez influenciaram os Beatles mais pra frente. É por isso que ver Kobe e LeBron juntos, falando sobre isso e se divertindo pra burro, me emocionou muito mais do que o jogo em que o Odom venceu, o Kobe estava gripado e o LeBron estava fedendo.
O próprio Kobe diz na entrevista: “Nós dois temos a mesma paixão, só demonstramos de maneira diferente“. Cada um com um estilo bem diferente, mas que aos poucos influencia o estilo do outro.
“Temos um respeito mútuo um pelo outro“, diz LeBron, ao que Kobe emenda: “É um respeito que nos faz jogar num nível mais elevado“. E James finaliza: “Te faz automaticamente melhor“. Os dois se admiram tanto que a conversa até começa com um tacando confete em cima do outro.
Primeiro, é o Kobe quem dá uma de fã: “Ele sobe como se tivesse um trampolim quando pula com uma perna, é o pulo com uma perna mais ridículo que eu já vi, é maluco!” Depois, é a vez do LeBron ser um baba-ovo: “O arremesso dele de meia-distância é sem dúvidas um dos melhores, se não o melhor, que temos em toda a Liga.” E descreve um arremesso do Kobe que ele assistiu, estudou e que – no mínimo – pretende aprender.
Talvez o mais legal dessa relação simbiótica dos dois seja o senso de humor. Às vezes, esse respeito entre dois dos melhores jogadores da Galáxia esconde algum rancor ou inveja, algum ódio ou desentendimento. Mas Kobe e LeBron, em especial, não param de tirar sarro um do outro. O Kobe começa zoando a idade do seu adversário, “Ele na verdade tem 35 anos.” E o LeBron dá um show imitando o jeito bom-moço do Kobe se vestir e o modo com que ele gesticula na quadra. O genial é que quando o Kobe gesticula num jogo contra o LeBron, o gesto tá manjado e o LeBron se aproveita disso, avisando os seus jogadores. Um força o outro a mudar os sinais, os signos, as regras, a tornarem-se cada vez melhores. “Eu estaria desrespeitando o LeBron se eu não competisse e jogasse duro contra ele“, diz o Kobe.
E a verdade é que nós estamos desrespeitando os dois quando o prendemos a comparações, quando diminuímos um às custas do outro, quando estabelecemos um melhor de todos os tempos inalcançável e dizemos: “Kobe e LeBron não podem chegar lá.”
Eles podem. Eles tentam. Enquanto criticamos os dois loucamente, sem parar, um está tornando o outro melhor, e não existe limite para o que eles podem fazer juntos. Esqueça suas velhas crenças, seus velhos ídolos: essa é a era de Kobe Bryant e LeBron James. O mínimo que podemos fazer é respeitá-los. Porque eles já respeitam um ao outro.