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Após a derrota feia para o Boston Celtics no domingo, podemos ter certeza de que o Suns voltou ao normal: faz 140 pontos contra os times que fedem e é incapaz de defender sequer ponto de vista quando enfrenta times de verdade com ataques mais lentos, de meia quadra. Não há dúvida alguma de que o time melhorou e, ao mesmo tempo, não há dúvidas de que o Suns não seria capaz de ganhar uma série nos playoffs contra o Celtics ou, pior ainda, contra o Spurs. Sem o Amaré, então, nem se fala.
Ainda assim, o retorno ao basquete veloz no estilo “corram pelas suas vidas” era a única atitude que fazia qualquer sentido para a franquia. O elenco tem um punhado de jogadores versáteis, capazes de jogar tanto em transição quanto num basquete de meia quadra, como Steve Nash, Shaquille O’Neal e Jason Richardson. É óbvio que o rendimento do Nash é infinitamente superior quando está correndo, e que Shaq, pelo contrário, é muito mais dominante num jogo mais lento. No entanto, os dois são jogadores competentes capazes de produzir de qualquer modo, sendo as mudanças táticas na equipe a diferença entre ter em quadra um bom jogador, como o Nash do técnico Terry Porter, e uma estrela com um prêmio de MVP, como o Nash do técnico Mike D’Antonni. O mesmo ocorre com Jason Richardson, que pode ser o principal pontuador de uma equipe que jogue na correria, como ocorria no Warriors de Don Nelson, ou apenas um contribuidor sólido como ocorreu no Bobcats de Larry Brown.
Alguns jogadores, entretanto, não são capazes de manter algum rendimento em quaisquer condições. Num esquema tático mais cadenciado, Leandrinho torna-se um jogador inútil. Dificuldades em armar as jogadas ofensivas, decisões questionáveis com a bola em mãos, arremesso inconsistente e, acima de tudo, horrível em ajudas defensivas. Num esquema puramente ofensivo de transição, Leandrinho pode explorar sua velocidade, mostrar sua criatividade na hora de bater para dentro do garrafão, não tem que se preocupar em passar a bola e suas falhas defensivas são escondidas num esquema em que ninguém está defendendo mesmo. O mesmo acontece, em certa medida, com Matt Barnes. Um dos reforços mais ignorados dessa temporada, Barnes é um jogador versátil e completo para times que joguem em velocidade. Fora do seu estilo de jogo, tornou-se uma peça descartável e desapareceu no banco de reservas do Suns.
Mais do que chances de título, a volta à correria significa para o Suns a recuperação de uma série de jogadores: Leandrinho volta a ser uma estrela (com 41 pontos contra o Thunder), Matt Barnes passa a ser um dos melhores reservas da NBA (capaz de jogar em múltiplas posições, dentro e fora do garrafão, arremessar de três, jogar na defesa), Jason Richardson volta a ser uma máquina de pontuar (e de arremessar de três, já que foi o líder de arremessos do perímetro convertidos na temporada passada) e Steve Nash volta a ser um dos armadores de elite da Liga com seu estilo de jogo característico. O compromisso com o jogo de velocidade deixa de ser uma escolha pelas vitórias ou pelas chances de título e passa a ser uma simples questão de reabilitar os jogadores que compõe o elenco. Se você tem dez chineses trabalhando num restaurante, é melhor que eles façam comida chinesa – mesmo que ela não venda nada, mesmo que dê prejuízo – ao invés de mandar todo mundo cozinhar jerimum e perder os vestígios de talento possuídos. É como se todo mundo em Phoenix estivesse usando um sapato apertado para esconder o pé feio, é melhor tirar o sapato, deixar todo mundo sorrir e respirar aliviado, e mostrar o pé mesmo.
E o que fazer com Shaq? Bem, ele pode render menos na velocidade, mas é capaz de se adequar. No nosso Tumblr (o local em que postamos vídeos e fotos aleatórias sobre NBA), colocamos um vídeo do Shaq tentanto mostrar que pode puxar os contra-ataques. Ainda que ele não possa fazer isso o tempo todo, não usar suas principais qualidades é melhor do que não usar as principais qualidades de todo o resto do elenco. Passa a ser uma questão de lógica, não de sucesso garantido. Contra o Celtics, eles foram incapazes de defender Rajon Rondo, que fez 32 pontos (maior marca da carreira) praticamente apenas em bandejas, e mesmo atacando bem e encostando no placar diversas vezes, em nenhum momento conseguiram as jogadas defensivas necessárias para virar o placar. Foi um jogo típico do Suns contra o Spurs, em que o placar fica apertado mas no final não há dúvidas de quem será o vencedor. Não deu certo, não venceram, mas pelo menos as qualidades da equipe estão mantidas, ao invés de feder em tudo. Para que esmagar o pé feio com o sapato e deixar todo mundo triste, miserável e perdendo ainda mais?
O mesmo caso acontece com o Detroit Pistons, só que mais complicado. É como se o Pistons tivesse a Monica Mattos e a Fernanda Montenegro, apenas um filme para fazer, e tivesse que decidir o que dirigir: um filme pornô, mas aí perde-se o talento da atriz séria; um filme sério, mas aí perde-se o talento da atriz pornô; um filme pornô com historinha, daqueles que ninguém assiste e todo mundo pula a parte da história; um filme sério com pornografia, daqueles que ninguém leva a sério e chama de pornochanchada; ou então ficar com apenas uma das atrizes e se livrar da outra.
Pior: é como se o Pistons, ainda por cima, tivesse duas Monica Mattos, além da Fernanda Montenegro. Funciona assim: o Richard Hamilton precisa de um esquema para ele, que permita sua movimentação característica de hamster em rodinha pela quadra para então lhe entregar a bola em mãos para um arremesso. Enquanto isso, o Iverson precisa da bola em suas mãos o tempo inteiro e liberdade para atacar a cesta para, só então, ser efetivo. Mesmo caso do pirralho Rodney Stuckey, detentor das mesmas características, mas que quando tem a bola em mãos acaba anulando o Allen Iverson. Em teoria, é um pesadelo. Na prática, todos estão dividindo o tempo de quadra, cada hora joga-se um estilo de jogo, todo mundo sai prejudicado e o time é uma pornochanchada ruim com a Vera Fisher.
O clima na equipe não poderia ser pior: com a derrota para o Cavs na segunda, já são 6 derrotas seguidas e a pressão para que o Iverson volte aos “velhos tempos” aumenta sem parar. Acontece que, quando o Iverson ataca como um louco em Detroit, costuma de fato colocar o time nas costas e permitir ao menos um esboço de chances de vitória, mas o custo é alto demais – todo o resto do elenco está sendo desperdiçado. E se o Iverson não está pontuando sem pensar no resto da humanidade, que é aquilo que ele sabe fazer de melhor, para que serve tê-lo no time? Eis uma jogada típica do novo Pistons: Iverson vem armando o jogo, enfrenta seu marcador no mano-a-mano, dá alguns dribles, ensaia uma penetração, mas então passa a bola de lado seguindo o esquema tático que exige rotação de passes. Queimou-se então quase 10 segundos no cronômetro para nada, para a bola ser passada de lado, coisa que milhões de outros jogadores podem fazer por menos dinheiro – alguns até de graça, tipo eu – e com a vantagem de que não vão tacar na privada segundos preciosos num drible desnecessário. É o famoso “ou caga ou sai da moita”, mas o Iverson é obrigado a ficar no meio termo. Se ele não ataca, o time fede e sente falta de seu talento para decidir; se ele ataca, o time deixa de usar todas as outras armas ofensivas que possui e desestrutura a química da equipe que funcionava há anos. Não dá pra vencer.
No Suns, a decisão era fácil. Até os reservas mais nada-a-ver, como o Goran Dragic, rendem muito mais correndo do que renderiam em milhares de anos de basquete cadenciado. Mas no Pistons, cada um rende em um esquema diferente e, não importa qual seja a abordagem tática, eles continuam sem ter um armador puro capaz de fazer a bagunça funcionar. No fim, quem acaba sofrendo mais é o Rasheed Wallace, que fica como cego no meio de um tiroteio. Preso num time subitamente sem identidade, tentando resolver o que fazer com suas quinhentas peças que não se encaixam, Rasheed não sabe o que fazer em quadra – e, em alguns jogos, parece que sequer se importa. Não consigo pensar numa troca tão desastrosa quanto essa do Billups pelo Iverson, e aí está um pé que estou engolindo. Para mim, um pontuador nato como o Iverson seria a resposta (sem trocadilhos, por favor) perfeita para um time que parecia falhar na hora de decidir jogos nos minutos finais contra times munidos de superestrelas. Na verdade, era justamente o contrário: sem a armação comedida de Chauncey Billups, o Detroit tornou-se um time sem resposta. Enquanto o Nuggets, que parecia um caso perdido, encontrou na armação aquilo que tanto faltava à equipe.
Espelhando-se no Suns que voltou à correria, talvez a única solução para o Pistons seja decidir por aquilo que beneficiará a maior parte do elenco. Não tenho dúvidas de que trata-se de um basquete lento de defesa forte, sem grandes estrelas ou individualismo, que rendeu ao Pistons um título da NBA não tanto tempo atrás. Iverson deve ir embora, mas com ele deveria partir Rodney Stuckey, figurinha repetida. Seria preciso um armador de verdade, retornar aos velhos tempos – mesmo que isso signifique perder para o LeBron, mesmo que signifique não ganhar um título. Às vezes, é melhor ater-se ao que o time faz de melhor do que feder por completo em todas as áreas, tirar o sapato apertado que tenta disfarçar o indisfarçável. É assim que o Knicks já igualou, nessa temporada, o número de vitórias que havia conseguido em toda a temporada passada. Não sabem defender e não vão arrumar um esquema que finja que eles são capazes nisso. Vão ganhar um título sem defesa? Diabos, provavelmente sequer cheguem aos playoffs. Mas o avanço já é alguma coisa: são cozinheiros chineses fazendo comida chinesa, são atrizes pornôs num bom filme das Brasileirinhas, quer a gente goste, quer não.