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(montando em cima de velhos mal-humorados)
Torcedor apaixonado é torcedor doido
Estamos no meio do grande momento do basquete universitário norte-americano. A parte final da temporada, o Tournament, já começou com seus 64 times e depois dos jogos de ontem chegamos aos 16 melhores, o chamado “Sweet Sixteen“, depois disso tem o “Elite 8” e então o famoso “Final Four” em que tudo é decidido.
Isso signfica que nos EUA ninguém está dando a mínima para o basquete profissional. Ontem o Houston ultrapassou o Spurs, assumiu a segunda posição no Oeste e todos estão pouco se lixando, o que querem saber é quem passou e quem caiu fora na NCAA. A atenção da imprensa para o torneio é infinitamente maior para os pivetes, deixando a gente, que depende das informações vindas de lá, caçando coisas escassas no meio de uma cobertura intensa do mata-mata juvenil. O momento lá é tão importante que até o Obama divulgou na televisão quais são suas apostas para o torneio.
É nessa época do ano que aparecem muitos fãs de basquete que vão além do Obaba e dizem com todas as palavras que preferem acompanhar a NCAA à NBA.
Eu daqui sempre acompanhei a NCAA meio de longe. Fico informado de quem são os grandes nomes que podem vir pra NBA, fico sabendo de algum grande jogo, sei mais ou menos como as universidades estão ranqueadas e pego uns joguinhos do mata-mata decisivo. Não acompanho mais de perto porque nunca me interessei a esse ponto. Os jogos são bem jogados, o nível é bom, mas se eu não acompanho nem a Euroliga de tão perto, por que razão acompanharia a NCAA? E por que alguém que até pode ir a jogos da NBA prefere ficar vendo um bando de universitário jogar?
Fiquei matutando sobre o assunto um tempo e a resposta é até bem fácil da gente entender e interessante de analisar: o basquete universitário é para os americanos como o futebol nacional é para nós. Enquanto a NBA é para eles como o futebol europeu é hoje para nós.
Pense, você tem o seu time do coração. Todo mundo tem um time do coração em todo canto do país. Volta e meia aparecem uns caras mandando e-mail na ESPN Brasil xingando os caras porque ninguém fala de alguma emocionante semi-final do campeonato de Roraima onde uma torcida fanática faz festa.
Esse time do coração tem uma relação muito próxima com a dos brasileiros, faz parte da nossa identidade. Quando conhecemos alguém novo perguntamos seu nome, profissão (ou faculdade) e logo depois queremos saber para que time torce. Quando não temos características que batem com a identidade do nosso time, nos incomodamos e tentamos incorporá-las a nós, afinal o time é quem nós somos.
Ninguém é Grêmio por ser Grêmio, o cara é de uma família gremista, de pai, avô e tio que cultivaram o Grêmio no guri desde sempre, faz parte da identidade familiar. Decidimos um time em um momento chave da definição da nossa personalidade, a infância, e usamos características da nossa equipe para incorporarmos a nós, para nos moldar de acordo com o que gostamos. Se é o meu time, não pode ser algo errado, não pode ser condenável. No Brasil o time que você torce ajuda a definir a sua personalidade e o seu jeito de encarar as relações sociais.
Tudo isso faz com que o amor pelo time seja algo imenso e indiscutível. Nenhum apaixonado pela sua equipe deixa de ver os seus jogos porque a qualidade técnica está ruim ou porque não tem ídolos. Pode ir menos ao estádio ou não comprar a camiseta nova, isso é outra coisa, mas o torcedor não deixa de torcer ou de se importar diante de uma má fase.
Dos anos 90 pra cá o futebol brasileiro começou a ter ídolos de aluguel. No começo os jogadores passavam uns anos por aqui e iam para o exterior, hoje passam meses, um ano no máximo. Então vimos nos últimos tempos 1 ano de Tévez, uns 6 meses de Alexandre Pato, 2 anos de Robinho e depois todos debandam para o exterior, onde continuamos acompanhando a carreira deles, mas torcendo mais por eles do que pelas suas equipes.
Com o basquete americano acontece quase a mesma coisa. Os grandes ídolos universitários passam um ano em algum lugar, alguns passam dois e quase nenhuma super estrela fica os quatro anos que poderia passar na universidade. Muitos recordes universitários são de jogadores que passaram 4 anos na equipe porque não tinham chance de conseguir vaga na NBA. Kevin Durant é para os torcedores de Texas, por exemplo, o que o Pato é para os torcedores do Inter. Tem orgulho de ter sido formado lá, rendeu atenção, mídia, mas foi um amor de verão.
Porém, assim como o futebol brazuca, o basquete universitário sobrevive à saída dos ídolos porque existe o amor e a relação de identidade com a universidade. O curioso é como essa identidade nasce, que é diferente do futebol brasileiro.
Vou falar generalizando agora porque o objetivo não é um texto complexo sobre as relações dos americanos com as universidades, claro.
Nos EUA, primeiro existe um número muito grande de universitários, lá ter um diploma não é tão raro quanto aqui. O sistema educacional deles não é perfeito, tem muita gente que não consegue bancar os estudos, mas o número de universitários e graduados é gigantesco. Esse número existe também porque existem muitas universidades, espalhadas em todos os lugares do país.
E enquanto aqui no Brasil temos muito a cultura de estudar perto de casa, na cidade em que moramos, lá é bem comum fazer faculdade fora de casa. Sair para a faculdade é um passo no caminho da independência do jovem. Mesmo alguns que moram perto de alguma universidade vão para outra mais distante em busca dessa independência ou, ainda mais importante no caso do nosso texto, atrás de uma universidade que tenha o seu perfil.
Aqui no Brasil pegamos algumas faculdades (federais e estaduais em geral) que dizem que são as melhores e tentamos entrar nelas. Se é bom mesmo eu quero ser formado lá e fim de papo, não é nem discutido as características históricas de cada uma das faculdades. Lá nos EUA, diferentemente, as universidades tem perfis.
Todos os sites americanos que dão dicas sobre como escolher uma universidade nos EUA dizem a mesma coisa: você tem que se identificar com a escola. Seja pelo clima do lugar, pelo fato dela ser conservadora, alternativa, seja por ela aceitar melhor diferentes grupos étnicos ou até pelo tipo de gente que já frequenta o lugar. Eles, em geral, claro, vêem a faculdade como um relacionamento, você não precisa achar a garota mais bonita de todas ou a mais inteligente, você precisa achar uma que seja da maneira certa pra você, para que os 4 anos não sejam uma tortura.
Todo esse processo de jovem se tornando adulto acontece dentro da universidade, sofrendo influência dela, e, obviamente, cria um vínculo de uma vida inteira com a escola. Os próprios americanos brincam com isso em filmes e seriados onde um pai fanático por sua escola não quer que o filho estude em uma escola rival ou algo assim. Durante o March Madness dessa temporada está passando um comercial muito engraçado em que um pai de uma menina não aceita o namorado da guria porque ele estuda na UConn, faculdade que ele odeia por um motivo que o próprio vídeo mostra, um jogo que aconteceu a 11 anos atrás:
Então, assim como temos uma identificação emocional gigantesca com nossos clubes de futebol por eles terem sido “escolhidos” durante a nossa infância, quando começamos a ter alguma identidade, nos EUA funciona de maneira parecida com as universidades. Mas ao invés da fase ser a infância, é outro momento da vida onde se definem personalidades: a passagem da adolescência para a vida adulta.
E é na faculdade que os americanos torcem pelo seu time, criam rivais, decidem para quem é legal torcer e para quem é impensável perder. Isso cria um laço tão forte que não importa se é o JJ Redick, o Carlos Boozer, o Elton Brand ou o Greg Paulus que estão em quadra, se você estudou em Duke é inaceitável perder para North Carolina. Pura paixão.
Porém, como fãs de basquete, ninguém consegue ignorar uma liga que tem jogadores do nível de Kobe Bryant, LeBron James, Tim Duncan e mais uma renca de caras bons. Mas muitos deles assistem como nós assistimos o futebol europeu, escolhendo o jogo que vão ver em razão da estrela que vai jogar e torcendo para quem tem o jogador de que mais gosta. Às vezes essa torcida até cresce a ponto de você torcer para o time mesmo quando o ídolo vai embora, eu, por exemplo, torço para o Barcelona porque gostava do Hrsto Stoichkov e o gosto pelo time sobreviveu até hoje, mas sobrevive de um jeito estranho, sem ódio pelo Real Madrid e nem me revolto quando o time perde.
Outra razão que leva a essa maior paixão dos americanos pelo basquete universitário sobre a NBA é que é difícil o cara morar em um lugar que tenha um time da NBA. Afinal, são apenas 29 cidades premiadas com uma franquia da liga, algumas em cidades nem tão grandes como Sacramento e Orlando. Ou seja, muito do público da NBA assiste só pela TV sem ter nenhuma relação com a história do time, com a cidade ou com a vivência do ginásio. Sem contar o lado business da coisa, em que um time que poderia ter milhões de apaixonados muda de cidade porque não dá lucro. Foi assim com o Sonics e é bem possível que seja, em breve, com o Pacers.
Um artigo do Ian Thosen na SportsIllustrated indica 5 mitos que correm os EUA sobre coisas em que o basquete universitário é melhor do que a NBA: defesa, jogadores com fundamentos, jogadores que se importam com o jogo, menos importância para o dinheiro e o papel mais importante do técnico. O autor arrasa com esses cinco mitos, mas isso não faz com que eles deixem de correr o país inteiro convencendo mais e mais pessoas. Isso me lembra dos mitos que muitos jornalistas esportivos saudosistas gostam de espalhar dizendo que o futebol europeu não é interessante, que é muito quadradinho e que essa meninada valoriza muito os pernas de pau que jogam lá tipo esse tal de Gerrard ou aquele grosso do Ibrahimovic que nenhum desses jornalistas viu jogar.
Por esses mitos, por essa relação de amor e identificação pessoal com as universidades, é que o basquete universitário sempre vai ocupar um lugar muito especial no jeito de torcer do público americano. E pelo mesmo motivo, nós, vendo de longe, continuamos a acompanhar de perto apenas a NBA e a NCAA só com o canto do olho.
Não tenho relação com nenhuma universidade e minha única relação com o basquete é pelo talento, vejo a liga com os melhores jogadores e pronto. Entre um jogo apaixonado entre Duke e North Carolina ou um bom jogo valendo a oitava vaga no Leste entre o Bucks e o Bulls eu fico entre o duelo dos veadinhos e dos touros. Coisa que, ainda bem, nenhum americano faz. O dia em que um brazuca deixar de ver um Fla-Flu pra ver a disputa de vaga na Champions League entre Bolton e Arsenal é sinal de que o mundo está acabando.
Jogo das Estrelas NBB
Esse assunto remete ao basquete brasileiro. Assim como não temos identificação com times da NCAA, não temos com times da NBB. Eu sou de São Paulo e como não tenho 30 mil reais sobrando no caixa, não tenho histórico pessoal nenhum com os clubes Paulistano ou Pinheiros, logo não tenho relação com nenhum time da capital paulista. Mas com a NBB fui em alguns jogos dos times pra ver como estava a liga e gostei, fui e vou mais vezes.
O jogo das estrelas é um artifício para criar esse vínculo dos torcedores com alguns times ou jogadores. Faz você conhecer e admirar mais quem participa do campeonato. Alguns times da NCAA e do futebol brasileiro têm mais de 100 anos enquanto uns times da NBB são caçulas e podem morrer a qualquer momento, é difícil, claro. Mas é só com a relação pessoal e carinhosa dos torcedores com os times que o basquete nacional pode superar o abismo técnico que o separa de campeonatos do resto do mundo.
E nesse aspecto o jogo foi um sucesso. Não teve tanto público assim, o campeonato de três pontos e de enterradas não teve os melhores participantes mas o jogo foi bem divertido. Marcelinho, Duda, Marquinhos, Larry e Dedé deram seu show e valeu como oportunidade de ver alguns jogadores mostrando algum talento de verdade sem estarem presos a esquemas táticos jurássicos e companheiros de time sofríveis como vemos alguns no dia-a-dia da liga.
Semana dos novatos
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