>O patinho feio

>

Rafer Alston só quer um pouco de carinho

Todo mundo tem um jogador na NBA só seu apenas para odiar. Afinal, nem só de sentimentos nobres e bacanudos vive o esporte, é preciso xingar às vezes para que possamos nos sentir melhor com nós mesmos, fracassados que não fomos capazes de seguir uma carreira no esporte profissional. É claro que eu sei que o Gustavo Nery é bilhões de vezes melhor do que eu jamais poderia ser (uma vez, até consegui acertar a bola numa tentativa de chute), mas alertar o mundo sobre o quanto ele fede me faz um ser humano mais pleno. Não estou falando de agressões, tentativas de assassinato ou ficar mandando pizza pra casa do sujeito de madrugada, é um ódio puramente esportivo que não apenas é saudável, mas também cômico. É como ter um mascote e, depois de uns anos, você até acaba ganhando um carinho pelo sujeito.

Odiar Kobe Bryant ou LeBron James não se aplica, veja bem. Se você odeia qualquer um deles, está perdendo dois dos melhores jogadores de todos os tempos apenas para fazer birra e dizer para seus amiguinhos que você é “diferente”, o equivalente esportivo de se vestir com roupas de emo. Ter um jogador para odiar é uma arte e exige escolhas bem pensadas, tem que ser alguém que feda de verdade, que comprometa seu time, mas não demais porque senão fica muito óbvio. Não dá pra odiar o Mark Madsen, por exemplo. Como ter raiva de um jogador que não sabe sequer amarrar os cadarços sozinho e está nitidamente fazendo tudo o que pode em quadra? É tipo chutar cachorro morto, não tem graça, é meio mórbido e provavelmente proibido em alguns lugares. Na hora de escolher alguém para criticar, tem que ser um jogador que pareça bom, que alguns até acreditem que o cara vale a pena, mas que você, iluminado, enxerga a verdade – afinal, você tem um bom nariz e o sujeito fede de longe. Ou, em alguns casos, o cara não fede, tem talento pra burro, mas simplesmente não é capaz de utilizar: Darius Miles, Tim Thomas, talvez até o Lamar Odom, que é o jogador saco-de-pancadas de um punhado de torcedores frustrados do Lakers por aí.

Se você não entrou no Bola Presa por engano (ainda tem gente que vem parar aqui digitando “fotos da Sandy pelada” no Google), sabe perfeitamente bem que o jogador que eu adoro odiar é o Rafer Alston. A gente até pega no pé do Zach Randolph, o gordinho mais talentoso da NBA em fazer times irem para o buraco, mas o cara que eu tenho prazer em criticar mesmo é o atual armador do Orlando Magic. Em parte pelo que ele fazia no meu Houston Rockets, me tirando do sério, e em parte pelo que sua saída da And1 para a NBA fez no basquete de rua, como escrevi há um bom tempo atrás num post sobre streetball.

Justamente por odiar tanto o pobre do Alston, acabei acompanhando de perto sua carreira na NBA, assistindo a praticamente todos os seus jogos no Rockets e lendo constantemente suas declarações. O resultado é que tenho um carinho todo especial por ele e, em meio ao ódio insano e irracional, não posso deixar de ficar triste com os rumos que sua vida esportiva sempre acabam tomando. É um pouco deprimente que alguém que se esforce tanto para pertencer não seja capaz de pertencer em lugar nenhum, ele é tipo o gordinho expulso do bailinho da escola e também do Clube de Xadrez. Não importa em que time esteja e o que diabos esteja tentando fazer, Rafer Alston sempre consegue ser o patinho feio.

No Bucks, em seu começo de carreira, ele era até que bastante agressivo. Tentava um ou outro drible maluco, uns passes ousados e batia com certa frequência para dentro do garrafão. Acontece que o preconceito que ele recebeu por ter saído do basquete de rua foi muito grande e suas jogadas de efeito eram encaradas com desdém e reprovação porque, em geral, elas não eram nem um pouco objetivas (pense no Cristiano Ronaldo dando um drible maluco e desnecessário no meio de campo, como ele sempre fazia, e você vai entender a situação). Também faltava para ele um punhado de coisas que o streetball não lhe ofereceu, como força física e domínio dos fundamentos. De que serve um armador atacando a cesta se ele não é capaz de acertar os lances livres depois de sofrer as faltas inevitáveis? Suas médias de aproveitamento em lances livres sempre flertaram com os 70%, algo inaceitável para sua posição. Para ganhar espaço e agradar seus técnicos, então, Alston começou a deixar as jogadas de efeito de lado e se afastar do garrafão. Sua passagem pelo Heat foi coroada com mais de 400 arremessos de três pontos na temporada e um aproveitamento, temos que confessar, mais do que razoável. Dando passes simples, tocando de lado, fingindo ser um jogador comum, Rafer Alston só podia se destacar nos arremessos e aí é que está o problema. Ele pode até ter uma mira calibrada às vezes, mas sua vontade de fazer a diferença nesse quesito gera 4 centenas de arremessos – dá pra ter certeza, pelo volume, que o sujeito não tem muito critério na hora de arremessar.

De jogador esnobado, criticado e negligenciado pela NBA, Alston tornou-se um jogador sólido, simples, abandonando suas raízes e focando-se nos chutes de fora. No Houston, sempre foi completamente inexpressivo na armação e, no entanto, liderou a NBA em bolas de três pontos feitas e tentadas em 06-07, com mais de 500 arremessos de fora na temporada. Olhando muito de perto, pude testemunhar o fato de que nem o Ray Allen e seu aproveitamento espetacular deveriam ter chutado meio milhar de bolas naquele Houston Rockets. Mas era o modo com que Alston achava ser capaz de contribuir, fazer um nome, salvar algumas partidas.

Desde sua chegada, não se falava em outra coisa em Houston a não ser em conseguir um armador de verdade. Isso sempre ofendeu o Alston bastante, que frequentemente dava declarações de que ele fazia o que o técnico pedia à risca, jogava de forma sólida e consistente, contribuia nos arremessos, se esforçava na defesa e ainda assim as pessoas queriam ele fora dali, achavam que ele não prestava. Era triste, embora nunca tenha me escorrido nenhuma lágrima, confesso. Alston achava sofrer algum tipo de preconceito estranho por ter saído das ruas, nunca capaz de compreender que sua vontade de criar um nome para si dentro da NBA e sua postura de deixar de lado sua criatividade e habilidade das ruas eram simplesmente incompatíveis. No basquete profissional, ele é uma cópia malfeita dele próprio, tentando ao mesmo tempo se negar e se afirmar, aparecer para o mundo e desaparecer de mansinho, definhando na quadra enquanto passa a bola de lado e tenta não cobrar lances livres.

Aaron Brooks não é um jogador particularmente inteligente, também não tem muito critério e, meio descontrolado, jamais vai passar a bola para o lado e dar o passe mais fácil. No entanto, Brooks sabe quem ele é, tenta ser agressivo o tempo inteiro, bate para a cesta e faz coisas acontecerem no meu Rockets. O coitado do Rafer Alston faz tudo aquilo que pode para se encaixar, faz desaparecer até mesmo quem ele é, e talvez justamente por isso nunca esteja encaixado em time algum. Suas limitações ficam claras, seus problemas em lidar com o próprio jogo ficam explícitas na sua confiança. Depois de ser uma lenda no streetball, ganhar tudo o que tinha direito, só tomou bordoada na cabeça na NBA. Ele ainda quer ser um grande nome do esporte, mas fica difícil para sua auto-confiança ser sempre trocado por outros armadores que, de verdade, não são necessariamente mais talentosos do que ele. Ele só quer agradar, só quer fazer o que for necessário, mas nenhum time jamais está satisfeito.

Sua chegada ao Magic parecia o local mais próximo de um encaixe em sua carreira. O Rockets e o Raptors, por exemplo, precisavam de armadores capazes de fazer o time seguir o ritmo necessário. Não era mesmo a praia do Alston, diferente de sua passagem pelo Miami Heat em que lhe foi permitido focar-se apenas nos arremessos. Em Orlando, o Alston está num time que não sabe que existem arremessos de dois pontos e tudo que lhe é pedido é colocar a bola nas mãos de outra pessoa e ficar pronto para o arremesso livre quando a bola rodar pelo perímetro. O plano deu certo, Rafer Alston se deu bem no elenco e o Magic se tornou uma das maiores zebras desde o São Caetano na final do Brasileirão. Esse armador chutado, escarrado, que fedia horrores no meu time, conseguiu levar uma equipe ao título do Leste e agora disputa uma Final de NBA (dá uma certa vontade de rir quando eu digo essa frase em voz alta).

Legal, bom para o Alston, uma hora ele merecia um sossego. Mas até parece que existe sossego na vida do pobre diabo. O Jameer Nelson conseguiu ficar de pé, andar do quarto até o banheiro, e imediatamente não se falou de outra coisa além dele voltar para a Final, jogar imediatamente e tomar minutos do Alston. Ainda completamente fora de forma, Jameer Nelson jogou tantos minutos quanto o Alston no primeiro jogo da Final, foi titular no segundo tempo e deixou mais do que clara qual é a preferência da equipe técnica.

Não é que a situação seja apenas triste, mas ela também é bastante burra. Aqui no Bola Presa, batemos muito na tecla de que o Magic não chegaria a lugar nenhum sem o Jameer Nelson nessa temporada, mas nós não entendemos nada de basquete e o Magic chegou, sim. Então que se lasque o Nelson, deixa ele de molho, dá pra ele uma passagem para o Caribe e fique com o time que acabou de chutar traseiros no Leste, batendo palmas para o trabalho do Rafer Alston e tudo que ele contribuiu para a equipe até agora. Quer colocar o Jameer pra não ficar com peso na consciência, tipo o Ronaldo na final da Copa de 98? Acha que é necessário ele em quadra pra ter quaisquer chances de derrotar o Lakers? Então tá bom, mas tenhamos a decência de compreender que ele deve jogar um par de minutos por jogo, nada mais, apenas para descansar o Alston. Reserva, tapa-buraco, quebra-galho, o que for, mas Jameer Nelson não pode ser prioridade.

Consigo imaginar o Rafer Alston, tomando sorvete direto do pote, tentando entender o que diabos ele precisa fazer para ser apreciado pelos coleguinhas. Na imprensa, disse todas as coisas certas, falou que encarou sua redução de minutos com estranhamento mas que entendeu e está aí para obedecer. Mas é claro que, em sua cabeça, a história da sua vida está passando de novo e de novo, tipo Lagoa Azul na Globo. E os resultados disso, de qualquer modo, serão prejudiciais para o Orlando Magic. Se o Alston perder a confiança, vai afundar no seu próprio projeto de desaparecer, de passar a bola pro lado, de ficar invisível em quadra, justamente numa série em que os armadores do Magic precisam ser agressivos e criativos para gerar movimentação de bola. Mas, pior, se o Alston quiser provar seu lugar, provar que merece ser titular, provar que o Jameer Nelson é superestimado e que ele merece mais respeito, aí veremos o mesmo Rafer Alston que tanto atormentou minha vida nas últimas temporadas: tentando ser o herói do jogo com arremessos descabidos, afoito, atrapalhado, de mira descalibrada e incapaz de enxergar os companheiros de equipe. Na primeira partida contra o Lakers, errou todos os seus arremessos de fora. Sinal, desde já, de sua condição psicológica?

Por mais que eu goste do Jameer, tenho a sensação de que seu retorno ao elenco foi a pior coisa que poderia ter acontecido para o Magic. Com um Rafer Alston se achando o patinho feio, seja atirando para todos os lados ou desaparecendo em sua própria miséria, a equipe de Orlando perde muito mais do que pode ganhar com a presença de um Jameer sem ritmo em quadra. Pra mim, sua volta foi apenas um sinal do apocalipse. Para o Magic, esse é o começo do fim.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.