As trocas não param. Não me lembro de uma semana de draft tão movimentada há anos, as trocas sequer esperaram para acontecer na própria noite do draft como é de costume. Se eu continuar nesse ritmo, com um post novo para cada troca que acontece, vou ter que pedir aumento de salário e pagamento de hora extra. Mas aí eu vou perceber que estou sozinho no meu quarto, não trabalho pra ninguém, não ganho porcaria de salário nenhum e estou com um comportamento um tanto esquizofrênico pedindo aumento pra mim mesmo, pareço o Chaves se vendendo churros.
Recapitulando: nos últimos dias tivemos a ida de Richard Jefferson para o Spurs, Randy Foye e Mike Miller para o Wizards, e Jamal Crawford para o Hawks. E se a troca do Hawks parecia simples arrependimento do Warriors por ter apostado no Crawford, ela agora parece fichinha perto do tamanho do arrependimento da troca que acabou de rolar: Shaquille O’Neal vai para o Cavs, que manda Sasha Pavlovic e Ben Wallace para o Suns.
Lembram quando o Suns era um time de verdade que chutava o traseiro de todo mundo mas invariavelmente tomava um cacete do Spurs? Ah, bons tempos aqueles, a casquinha do McDonald’s até custava um real. Na tentativa de variar o estilo de jogo, permitindo que o Suns jogasse também em meia quadra num ritmo mais lento (e de quebra ainda defender Tim Duncan), Shawn Marion foi trocado pelo Shaq. Aqui no Bola Presa, apoiei a troca mas com dor no coração: era o fim do Suns que eu amava, do basquete veloz e descompromissado, do basquete-arte, do basquete-moleque, mas pelo menos iria dar certo e eles conseguiriam enfim chutar o traseiro fedido do Spurs nos playoffs. Ao invés de dizer que eu errei, afinal a troca foi um fracasso e o time desmanchou, prefiro dizer que acertei a parte em que previ o fim do Suns que eu amava. Tentando implementar um estilo diferente de jogo, o time perdeu sua identidade, não sabia mais o que fazer em quadra, trocou de técnico, tentou se focar na defesa, e o resultado foi o fim do Suns que eu amava, o fim do Suns que eu odiava e o fim do Suns que não fedia-nem-cheirava, ou seja, o Suns morreu mesmo. O esquema vencedor montado pelo demitido Mike D’Antoni camuflava as falhas do time, utilizava os pontos fortes em todo seu potencial e usava ao máximo um elenco minúsculo. Sem ele, o time percebeu que era ruim, problemático, e ficou preso num estranho limbo, incapaz de abandonar os velhos hábitos e igualmente incapaz de abraçar uma nova filosofia. Shaquille O’Neal, coitado, ficou ali no meio da bagunça, tipo visita em briga de família. Não sabia se provava que podia jogar em velocidade ou se exigia a bola num jogo cadenciado e mudava a cara da equipe, desestruturando aquilo que sempre havia dado certo.
Parece que, aos poucos, os engravatados de Phoenix foram voltando atrás e se arrependendo da cagada que cometeram, apesar das melhores intenções. Conseguiram Jason Richardson para aumentar o poder ofensivo da equipe, esquecendo aquele lance de “defesa forte”, e se livraram do técnico Terry Porter, retranqueiro e incapaz de conter as brigas que começaram a surgir no elenco. Agora, a última cartada nessa tentativa de voltar atrás foi se livrar do Shaquille O’Neal.
Sasha Pavlovic é um bom arremessador de três pontos (ou pelo menos era, nos seus 15 minutos de fama no Cavs) que terá um lugar no Suns, vindo do banco de reservas. Ben Wallace deve se aposentar e esfregar na nossa cara o quanto estamos ficando velhos, só pra gente se sentir mal. Então, a troca tem a função apenas de se livrar do Shaq, não de trazer reforços à equipe. Financeiramente, o Suns economiza quase uns 10 milhões de verdinhas em salários e taxas, mas o principal é que o time volta a não ter pivô, a depender de Amar’e Stoudemire no garrafão, e a jogar na correria. Parece uma tentativa de encenar o velho Suns de sempre, o equivalente a uma velhinha se vestindo de ninfeta gostosa. Ao que parece, será o último suspiro de um time que já está começando a se preocupar com outras coisas: economizar dinheiro, se livrar de contratos grandes, dar minutos para os novatos, colocar o Robin Lopez para jogar. Vocês reconhecem esse cheiro, crianças? É cheiro de time em processo de reconstrução, pronto para começar de novo. Não me surpreenderei se o Jason Richardson for trocado em breve e só sobrar o Amar’e e o Leandrinho nesse time, cercados por uma série de pivetes e uns jogadores contratados futuramente e cheirando a talco. É triste ver um time que sai das Finais do Oeste e vai parar em reconstrução desse modo, foi uma caída mais meteórica do que a Tiazinha. Mas é preciso admitir o erro e se preparar para começar de novo, ao invés de perder tempo insistindo numa fórmula fajuta como o Suns tem feito nas últimas duas temporadas. Dava pra ir empurrando com a barriga, ganhando umas partidinhas, arrumando uma oitava vaga nos playoffs, mas era claro que não daria pra chegar em nenhum lugar importante. Essas são as posições mais complicadas da NBA, os times que não cagam e nem saem da moita, sempre ali entre os piores dentre os melhores, não ganhando nada relevante e nem conseguindo boas posições no draft. É por isso que o Shaq foi embora e agora o Suns está se preparando para refazer o elenco, mesmo que demore algumas temporadas.
No Cavs, é justamente o contrário: a chegada de Shaq é sinal de urgência. LeBron James, como todos os mamíferos bípedes do mundo não param de comentar, pode sair do Cavs após a próxima temporada e assinar com qualquer equipe (presumidamente o Knicks, sempre o Knicks, mesmo que eles fedam). Com isso, a hora do Cavs ser campeão da NBA e provar para o LeBron que ele deve ficar na equipe é agora ou nunca. O contrato de Shaq também se encerra na próxima temporada, tornando a troca uma experiência de vida ou morte. Será apenas uma temporada em que qualquer coisa que não seja um anel de campeão será pouco. Se vencerem a NBA, LeBron pode ficar no Cavs sabendo que terá chances de ganhar outros anéis e Shaq poderá aceitar continuar na equipe, ainda que em papel reduzido, ganhando menos dinheiro. Se não vencerem, Shaq estará contemplando sua aposentadoria com dois fracassos seguidos e LeBron terá que questionar até que ponto o Cavs lhe dá as possibilidades de colocar seu nome na história.
Do ponto de vista tático, vejo o Shaq se encaixando bem na equipe. O Ilgauskas é o pivô do Cavs há anos e, convenhamos, ele sempre parece estar jogando basquete dentro de uma piscina, em câmera lenta. Shaq consegue até ser mais veloz, é mais competente na defesa, uma presença mais forte no garrafão, e inteligente o bastante para conseguir interagir com LeBron. Vai manter a característica do time nos rebotes ofensivos, atrair a atenção da defesa nas constantes isolações de LeBron no basquete de meia quadra lento e cadenciado, e não vai comprometer os contra-ataques que, em geral, são só o LeBron correndo sozinho mesmo. Shaq deve ter minutos bem limitados, dividindo tempo de quadra com o Ilgauskas, num caso muito bonito de união entre velhinhos – um ajuda o outro e aí é quase como se fosse um único jogador jovem em quadra. É a situação ideal para o Shaq encerrar a carreira: motivado pela chance de ganhar mais um título, não tendo sequer que ser titular no garrafão, podendo jogar apenas algumas partidas ou poucos minutos num time que se foca muito na defesa, nos rebotes, e não precisa de Shaq para carregar o fardo ofensivo. Eu disse que ele daria certo no Suns e errei feio, mas fica difícil achar um time em que ele se encaixaria melhor do que esse Cavs. Deixo o palpite de que ele virá do banco, não jogará partidas em dias seguidos, e terá um grande impacto quando estiver em quadra, nas partidas mais importantes.
Engraçado é que, durante o fim de sua carreira, Shaquille O’Neal teve a chance de jogar com três dos melhores alas-armadores do mundo: Kobe Bryant, depois Dwyane Wade, e agora LeBron James. Se for campeão com o Cavs na próxima temporada, como agora é sua simples obrigação, Shaq terá um anel com cada um desses jogadores espetaculares para colocar no currículo. O Suns não foi uma situação ideal, realmente, mas jogar com LeBron James não é uma situação ruim para ninguém (a não ser talvez pro Ricky Davis, que faria até uma trepada com a Alinne Moraes ser uma situação desagradável, provavelmente tentando arremessar ela dentro da privada). A troca permite ao Suns começar de novo, e o Shaq ganha a mesma oportunidade, mas no Cavs: começar de novo no que pode ser o último ano de sua carreira. Não dava para ser melhor e mais merecido para um jogador que por tantos anos foi a alma e o humor de toda a Liga. Com o LeBron em quadra, ao menos sabemos que ele certamente terá muitos motivos para sorrir. E duelos garantidos contra Dwight Howard e seus amigos.