Era o jogo 4 da série de primeira rodada do playoff de 2003 entre Dallas Maverick e Portland Trail Blazers. O Dallas vencia a série por 3 a 0, placar que nenhum time jamais foi capaz de virar, e era anunciado ao público de Portland que no time titular, ao invés do experiente pivô Dale Davis, entraria como ala de força titular um gordinho em apenas seu segundo ano na liga, começando apenas seu 12º jogo na carreira. Zach Randolph.
Perdendo por 3 a 0 do Dallas Maverick, o técnico Maurice Cheeks resolveu que era hora de arriscar. Alguém no elenco do Blazers tinha que ser capaz de parar Dirk Nowitzki, que havia feito mais de 40 pontos em duas das primeiras três partidas da série.
A escolha surpreendeu porque Randolph não tinha se destacado muito na série. Havia feito 4 pontos em 20 minutos no jogo 1, 3 pontos em 11 minutos no jogo 2 e 8 pontos em 22 minutos no jogo 3, mas impressionou nesse último quando pegou 10 rebotes, 5 deles ofensivos. Antes disso, na temporada regular, tinha acabado com médias de 8 pontos e 4 rebotes em 16 minutos de ação por noite, um mero coadjuvante.
O jogo 4 finalmente começou e embora Dirk ainda tenha sido efetivo, com 26 pontos e 11 rebotes, encontrou um adversário à altura. Randolph marcou 25 pontos e pegou 15 rebotes, levando o Blazers à sua primeira vitória na série. O jogo 5 era em Dallas, para o Mavs fechar a série. Mais uma vez Dirk foi bem, mas o Blazers se superou e venceu, com Zach Randolph como cestinha daquela equipe que tinha Arvydas Sabonis, Rasheed Wallace, Derek Anderson, Damon Stoudamire e Bonzi Wells.
O jogo 6 foi a glória. A torcida de Portland acreditava no empate, o ginásio estava bombando e Dirk foi marcado bem, sentiu a pressão e pela primeira vez na série marcou menos de 20 pontos, aliás, bem menos, acabou com 4. Zach Randolph fez seu terceiro 20-10 seguido como titular e levou o Blazers a um improvável empate na série. Mas, como nós sabemos, nenhum time conseguiu virar um 0-3 na história dos playoffs. O Blazers não aguentou o jogo 7 em Dallas e, com 31 pontos de Nowitzki, o Mavs levou a série. Randolph encerrou os playoffs com mais um double-double e a certeza de que era o homem do futuro no Trail Blazers.
O ano seguinte era o último de seu contrato e ele jogou demais. Foi titular nos 80 jogos que disputou, teve média de 21 pontos, 10 rebotes e até deu 41 tocos em toda a temporada. Ruim para um ala de força mas excepcional pra um cara que tem como segunda melhor marca 17 tocos numa temporada inteira. Coroando a temporada foi eleito o jogador que mais evoluiu e assinou um contrato de seis anos no valor de 84 milhões de dólares. E aí começou a desgraça.
Quando um cara no seu terceiro ano de carreira, de quem não se esperava muita coisa, faz 20 pontos e 10 rebotes, é festa. Quando ele é contratado para ser a pedra fundamental do seu time, além dos 20 pontos e dos 10 rebotes espera-se liderança, dedicação e, principalmente, vitórias. Mas não, depois que virou titular o Blazers nunca mais foi para os playoffs até trocá-lo, aliás o Randolph nunca mais jogou um jogo de playoff desde aquele jogo 7 em Dallas.
Nesse tempo ele foi de herói a piada. Era o cara que não corria, o que não defendia, o que aparecia cada dia mais gordo e o que nunca passava a bola não importava o que acontecesse. Ele era o famoso buraco negro do ataque, se a bola chegasse na mão dele, não voltava nunca mais. Não à toa, virou motivo de piadas diárias aqui no Bola Presa. Zoar com o gordinho sempre foi mais fácil.
Depois de 3 anos de Z-Bo como jogador principal da franquia, o Blazers viu que aquilo não tinha futuro e acharam um doido para aceitar seu contrato: Isiah Thomas, claro. Foi para o Knicks em troca de Steve Francis. A torcida do Knicks achou o máximo no primeiro dia, alguns jogos depois viu o quanto aquele “20 pontos, 10 rebotes” na caixa de estatísticas podem ser mentirosos.
Randolph é o que o genial blog Basketbawful chama de “um jogador 20-10-50“. É um cara que toda temporada vai te garantir 20 pontos, 10 rebotes e 50 derrotas. E caçando a história da NBA você vê que existem jogadores assim e que o Randolph tem recordes nesse grupo.
Nos anos 80 apenas dois jogadores conseguiram um 20-10-5o: Terry Cummings em 82-83 e Otis Thorpe em 87-88. Nos anos 90, aconteceu apenas três vezes, com Roy Tarpley, Pervis Ellison e Derrick Coleman. Nos anos 2000, foram oito: uma vez com Shareef Abdur-Rahim, uma com Kevin Garnett e duas com Al Jefferson, Elton Brand e, claro, Zach Randolph.
Mas Randolph é um caso extremo. Conseguiu a proeza na temporada 06-07 com o Blazers e na temporada passada conseguiu de maneira dupla, já que os dois times pelo qual jogou, Knicks e Clippers, acabaram com 50 derrotas! E nas temporadas 04-05 e 05-06 ele só não conseguiu a marca porque, por pouco, não chegou na média de 20 pontos.
Nessa temporada era a chance dele conseguir a tríplice coroa, uma terceira temporada seguida com três times difrentes e a mesma marca patética de 20-10-50, mas não é que o puto resolveu jogar basquete?
Não sei se é o técnico, se são os companheiros de time, se é o esquema tático, se ele conheceu uma mulher que o colocou na linha, se entrou na Bola de Neve Church, sei lá e não importa, o que vale é que nesse mês e meio de NBA estamos vendo aquele Zach Randolph dos 4 jogos como titular contra o Mavs.
Sempre gosto de deixar isso claro e deixarei de novo: não pegamos no pé dele nesse blog porque achamos o Randolph ruim, pegamos no pé porque ele consegue a proeza de, mesmo sendo muito bom, estragar os times em que joga só porque não tem vontade e disposição nem para ficar em forma. Não vamos pegar no pé do Mark Madsen ou do Kwame Brown, eles são só ruins, fazemos uma piadinha e pronto.
Lembro que em 2004 era muito difícil acompanhar os jogos, não era como hoje que tem League Pass e o caralho. Tinha que torcer para a ESPN passar alguma coisa ou passar dias baixando jogos ou melhores momentos pra ver no computador. Acho que vi mesmo apenas um jogo daquela série de 2004 (a ESPN estava ocupada demais mostrando o Spurs chutar a bunda de outro 20-10-50, Stephon Marbury) e o Randolph foi uma puta surpresa. Na temporada seguinte, finalmente a TV ia passar um jogo do Blazers e eu e o Danilo fomos ver só pelo Z-Bo, foi naquele mesmo dia que o termo “buraco negro” foi cunhado.
Hoje, tantos anos e piadas depois, fico até feliz de ver o Randolph jogando bem. De tanto tirar sarro ele virou foco da minha atenção, sempre corro pra ver como ele está jogando. E não só ele como todo o time do Memphis Grizzlies está bem nessa temporada. Eles não tem banco de reservas além de alguns minutos de inspiração do Jamal Tinsley e do Sam Young, mas estão se virando muito bem. Hoje, com 12 vitórias e 15 derrotas, estão em antepenúltimo do Oeste, mas apenas 2,5 vitórias da zona de playoff e se estivessem no Leste estariam se classificando para a pós-temporada em 6º lugar!
Um dos motivos para o time estar bem assim é o jogo nada egoísta dos armadores Mike Conley e OJ Mayo, esse último aliás diziam que era um fominha antes de entrar na NBA. Depois porque Rudy Gay está fazendo pontos como se fosse um Carmelo Jr, de todos os cantos da quadra, e também porque o Marc Gasol está fazendo a troca do seu irmão para o Lakers parecer bem menos idiota. Tudo isso ajuda, mas não dá pra ignorar a importância do Randolph nesse time.
O Gasol é muito bom mas não dá conta do ataque sozinho, quem tira pressão dos jogadores de perímetro é o Randolph, fazendo seus pontos e passando muito mais a bola. Ainda comete muitos turnovers e de vez em quando quer ser herói e forçar arremessos, principalmente quando os jogos estão perto do final, mas vamos dar um desconto, isso não é desenho da Disney e ele não vai ficar perfeito da noite pro dia. O negócio é que ele está muito mais maduro, jogando mais em equipe e, mais impressionante, jogando com vontade!
A vontade já foi mostrada no meu post de sábado que tem ele dando dois tocos seguidos no Tyler Hansbrough. Quando você imaginava ver o Randolph vencendo o Psycho-T na vontade? Porque não foi na impulsão que ele ganhou aqueles bloqueios. Corinthiano que sou, eu não peço talento dos meus jogadores, peço vontade. Eu sei que o Randolph nunca vai dar 250 tocos numa temporada como faz o Josh Smith, mas dar 15 num ano todo é pura preguiça, os 41 que conseguiu quando foi o jogador que mais evoluiu na temporada é uma boa marca a ser buscada nesse ano e iremos monitorar no nosso contador de tocos na barra lateral.
Tem outro dado que mostra como nosso gordinho mais formoso está jogando com vontade. Z-Bo, com 4,6, é o líder de TODA A NBA em rebotes ofensivos. Ontem, no melhor jogo da carreira do Randolph, contra o Nuggets, foram 9! Contra aquele garrafão assustador do Nuggets de Nenê, Chris Andersen e Kenyon Martin o porpeta fez 32 pontos, pegou 24 (!!!) rebotes e ainda meteu a bola de 3 decisiva no último minuto!
Depois de anos enchendo o saco podemos dizer com orgulho de professor formando o aluno capeta que o Zach Randolph é hoje um jogador de basquete. Com inúmeros defeitos, mas um jogador de basquete. E vamos continuar de olho pra ver se nosso elogio não sobe à sua cabeça, sabe que ele lê o Bola Presa todo dia…