>O próximo grande chato

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Os dois são chatos, mas o Tyreke Evans é o da direita

O ano está terminando, a temporada da NBA caminha para a metade, mas eu já escolhi quem ganhará o prêmio de novato do ano quando a temporada estiver terminada. Não posso falar disso por aí, pega mal decidir o vencedor de um prêmio tão cedo, não é profissional, não é correto, não é ético e eu vou perder minha licensa internacional de blogueiro que me dá meia entrada nos cinemas. Mantenho então como um segredo, escondido do mundo. Em plena madrugada, quando estou assistindo meu amado Houston Rockets jogar, vou torcendo secretamente para o jogo acabar logo, pra não ir pra prorrogação, pro placar se alargar logo pra eu não ter que assistir o quarto período – tudo para eu poder mudar logo para o jogo do Sacramento Kings.
Da última vez em que isso aconteceu, sequer lembro contra quem o Houston estava jogando, se o time venceu ou se perdeu, só sei que mudei o mais rápido possível para o Kings enfrentando o Wizards porque eu sabia que o meu calouro do ano estaria engolindo com azeite e sal os armadores adversários. Tyreke Evans é um absurdo de tamanho e força, quem diabos seria capaz de segurá-lo no elenco mirrado do Wizards, que não comeu feijão o bastante? Quando passei a acompanhar o jogo, já no segundo tempo, Evans estava literalmente dentro do garrafão em todas as posses de bola, jogando de costas para a cesta, dando tapas no bumbum dos seus marcadores. Quando o anão do Earl Boykins entrou em quadra, não pude deixar de gargalhar: o Tyreke Evans era provavelmente maior do que o Boykins já no segundo em que saiu do útero de sua mãe (por cesariana, esperamos, pelo bem da pobre senhora).

Arenas sofreu dos dois lados da quadra: na defesa tinha que se virar no muque tentando empurrar Evans pra fora do garrafão, enquanto no ataque tinha que lidar com a força de Evans quando tentava infiltrar. Na jogada final, Evans roubou a bola de um Arenas que tentava empatar o jogo e assim garantiu a vitória do Kings. Na coletiva, Tyreke Evans contou sobre sua conversa com Arenas:

“Gilbert me disse depois do jogo que ele espera que eu ganhe o prêmio de Novato do Ano. Mas ele também me disse que espera que eu comece a jogar na posição 2 para que ele não tenha que me marcar nunca mais.”

Isso é o que mais assusta com relação ao Tyreke Evans: ele está jogando improvisado em uma posição com a qual não tem grandes experiências. Na universidade, não era ele quem iniciava as jogadas ou organizava o ataque. Sua função sempre foi bater para dentro do garrafão, mas sua excelente visão de jogo sempre garantiu que encontrasse seus companheiros livres com os passes certos. Foi isso que permitiu a fé do Kings de que ele poderia ser o armador principal da equipe quando o escolheram na noite do draft. O time, montado ao redor do Kevin Martin, não precisava de um jogador na posição 2 para roubar minutos de sua estrela. O que eles tanto queriam era alguém para organizar a movimentação ofensiva, jogar na posição 1, capaz de envolver seus companheiros. Evans foi uma decisão ousada, duramente criticada, porque o draft tinha mais armadores puros do que a Mari Alexandre tem de capas de revista masculina na carreira, dava pra escolher uma dúzia e ver se vinha desconto. O engraçado é que todos esses armadores deram certo, todos estão tendo excelentes temporadas, mesmo aqueles que jogam minutos extremamente limitados (como o Ty Lawson ou o Darren Collison). Mas nenhum deles, nem mesmo Brandon Jennings, deu tão certo na brincadeira quanto Tyreke Evans, justo o cara que foi improvisado na posição. Desde que o Kevin Martin se contundiu e o Evans tem carta branca para passar mais tempo com a bola nas mãos e fazer o que quiser (só não pode dançar pelado em cima da mesa do chefe), sua produção tem sido espetacular. Sua média de 20 pontos, 5 rebotes e 5 assistências até agora coloca o rapaz num grupo muito seleto. E não é um seleto “escolhidos para participar do Big Brother” ou “eu gosto de banana com queijo ralado” no Orkut, estamos falando de um seleto de respeito: apenas Oscar Robertson, Michael Jordan e LeBron James são detentores dessas estatísticas durante seus anos de novato. Que tal?

Foi essa estatística que colocou Tyreke Evans no mapa. Antes disso, ninguém parecia muito interessado em ver jogos do Kings mesmo com o time sendo a maior surpresa da temporada até agora, e meu apreço pelo time – e pelo novato – se mantinha mais escondido do que vício em cocaína. Agora todo mundo quer espiar, e com razão. Não apenas o Kings é um dos times mais divertidos de se acompanhar, tem também o bônus de ver o futuro ganhador do prêmio de calouro do ano chutando traseiros. Não é sempre que podemos ver armadores tão dominantes fisicamente, afinal eles não dão em árvore. Acompanhar a temporada de novato do LeBron, em que ele jogava de armador principal, por exemplo, foi uma coisa pra contar pros netinhos. O Brandon Jennings é fodão, a gente já babou ovo por ele o suficiente aqui no blog, mas seu estilo de jogo é completamente diferente. Na verdade, é quase como se o Evans e o Jennings fossem opostos perfeitos, se fosse história em quadrinhos eles seriam arqui-inimigos. Enquanto o Jennings é um magrelo que domina na habilidade e na velocidade (e num arremesso de três pontos que nem a mãe dele sabia que ele tinha), o Evans domina na força e na simplicidade (em geral batendo pra dentro pra disfarçar o arremesso meia-boca). Já critiquei o Jennings por exagerar nas firulinhas, embora seu jogo seja visualmente maravilhoso, cheio de personalidade e criatividade. O Evans, por sua vez, não força o jogo, não faz nada além do necessário. Em matéria de armar as jogadas, é o cúmulo da simplicidade, típico de quem recebeu um trabalho novo e não tem vontade nenhuma de fazer merda com aquilo que não sabe. Diz a lenda que Tyreke Evans desligou a TV quando viu uma matéria comparando ele com Jordan e LeBron, ele não quer que as coisas subam à cabeça, leva tudo muito a sério e não há espaço em seu jogo para o desnecessário. Ele é o Duncan dos armadores, mas com algum grau de expressão facial (só algum). O resultado é um rapaz que se nega a perder mesmo num time que deveria feder, um elenco que responde acreditando em vitórias impossíveis, e um técnico que confia em seu armador a ponto de experimentar qualquer coisa durante um jogo – seja deixando a bola nas mãos de Evans o tempo todo, seja colocando ele para jogar dentro do garrafão para dar um cacete (e pesadelos) no Gilbert Arenas.

O Jennings pode ter um punhado de jogos com 55 pontos, pode levar o Bucks pros playoffs e tirar o papel de estrela da equipe das mãos do Michael Redd. Mas ainda fico com Tyreke Evans, que aliás tem possibilidades bem similares: terminar a temporada com uma média histórica, levar o Kings para os playoffs e tirar o papel de estrela da equipe das mãos do Kevin Martin. Mas o Evans está aí improvisado, dominando uma das posições mais difíceis da NBA, e fazendo isso com uma seriedade única entre os novatos. Eu perdi a chance de me divertir com o Duncan por muitos anos porque achava o cara muito chato, talvez essa seja minha redenção, acompanhando a carreira do Evans desde o comecinho. Que ele seja chato, que ele seja eficiente, que ele seja burocrático, que ele faça arremessos usando a tabela, vou aproveitar cada segundo de jogo do novato. Quando eu começar a esboçar um bocejo, terei pelo menos a certeza de que o Kings é divertido pra burro de assistir – divertido como apenas os times inteligentes e subestimados podem ser. O Kevin Martin, como eu já comentei, já é um dos meus jogadores favoritos da NBA, com aquela forma de arremessar que parece que ele teve um derrame antes de entrar em quadra, mas agora fico torcendo secretamente pra ele não voltar tão cedo às quadras. Assim como o Houston, que cozinhou o Tracy McGrady por quanto tempo conseguiu para não complicar a química do time, aposto que o Kings não tem nenhuma pressa para que sua estrela volte. É isso que aprendemos com esse Kings: draftar um armador improvisado, mesmo num draft recheado de armadores puros, pode dar certo se a escolha é feita com base em talento. E também aprendemos que construir um time em volta de um armador com cara de jogador secundário como o Kevin Martin não dá muito certo, mas isso é assunto para a gente conversar depois (será que o Hawks, que montou um time em volta do Joe Johnson, confirma ou refuta essa teoria?). São as lições de um time que deveria estar fedendo, que deveria ter feito a escolha errada no draft, mas que deu certo e tem tudo pra ter o calouro do ano. Eu já escolhi o ganhador do prêmio, alguém já quer apostar?

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