A partida de ontem me lembrou outro jogo decisivo, que aconteceu em 2006 entre o Los Angeles Lakers e Phoenix Suns. O Lakers, classificado em 7º lugar no Oeste, abriu 3 a 1 de vantagem sobre o poderoso Suns do MVP Steve Nash, apesar de contar com um time terrível que tinha Smush Parker, Kwame Brown, Brian Cook e outras ofensas ao basquete. Porém, depois de uma cesta milagrosa de Tim Thomas no jogo 6, a série ficou empatada e fomos para um decisivo jogo 7 em Phoenix. Era o maior jogo da carreira do Kobe na sua carreira solo longe do Shaquille O’Neal, a primeira chance dele mostrar que podia liderar um time sozinho, ser o novo Jordan com atuações históricas. O resultado foi uma surra histórica de 121 a 90 para o Suns, em que Kobe fez 24 pontos, pegou 4 rebotes e deu 4 assistências. Isso com apenas 16 arremessos no jogo, só 2 deles no segundo tempo, onde passou boa parte do tempo no banco com cara de bunda.
Antes de ficar sentado com uma toalha na cabeça, Kobe tentou durante todo o terceiro período envolver os seus companheiros. Embora seu aproveitamento de arremessos não estivesse ruim, sempre que recebia marcação dupla ou mais forte, tocava para Luke Walton, Sasha Vujacic, Ronny Turiaf e outros grossos da equipe em busca de ajuda.
Depois da derrota os críticos vieram com todas as pedras na mão para cima do Kobe. Como ele, que sempre tinha sido tão agressivo e fominha, no jogo em que o time mais precisava dos seus pontos, ficou tocando a bola de lado? O Kobe nunca respondeu a esse questionamento, mas na minha cabeça de torcedor do Lakers sempre foi bem claro: quando Kobe era fominha, o Lakers perdia e se classificava em 7º. Quando ele tocava a bola, o Lakers abria 3 a 1 sobre um timaço. Com aqueles passes ao invés dos arremessos forçados o Kobe dizia “Eu não vou conseguir vencer se vocês não me ajudarem”. Eles não ajudaram e o Lakers não venceu.
No
jogo mais importante da sua carreira, o LeBron colocou números destruidores no
box score: 27 pontos, 19 rebotes e 10 assistências. Mas mesmo assim saiu do jogo ouvindo críticas dizendo que ele foi “passivo”, “amarelão”, “apagado”, “cara de côco”, “bobão cara de melão” e daí pra baixo. Tem algum outro jogador na NBA que seria chamado de tudo isso depois de fazer um
triple-double no jogo mais importante da temporada? LeBron James é, acima de tudo, odiado.
Quatro anos depois de Kobe ter tido aquela atuação odiada contra o Suns, LeBron James esteve na mesma situação. O jogo era complicado, a defesa do Boston foi montada para tirar a bola da mão de LeBron e colocar na dos companheiros dele e LeBron respondeu do mesmo jeito que Kobe havia feito antes: “sem vocês a gente não vai vencer”.
Durante o primeiro tempo o Mo Williams respondeu tomando conta do jogo. Todas as bolas que saíam da mão do LeBron começavam a rodar e quando chegavam na mão do Mo, iam para a cesta. Ele até exagerou às vezes e não passou a bola para o LeBron em alguns contra-ataques, indo enfrentar de cara a defesa do Celtics, mas estava caindo e ele acabou o primeiro tempo com 20 pontos e a diferença no placar estava em apenas 2 pontos para o Celtics.
No segundo tempo, porém, as bolas do Mo Williams pararam de cair. Aliás, elas bateram no bico do aro quase todas as vezes, como se ele estivesse exausto. O Antawn Jamison não acertava um arremesso nem que a vida da sua mãe dependesse disso, o Shaq quase não conseguia ser envolvido no jogo, o Varejão errava até bandejas porque, ué, era o Varejão, e até o Delonte West, um dos meus jogadores favoritos, deu uns passes que jogadores amadores não dariam. Como disse um torcedor do Bulls após uma air ball numa tentativa de 3 do Jamario Moon, “Isso é exatamente o que eles não estavam fazendo contra o meu time”.
Se LeBron James deu 10 assistências no jogo, foi um milagre. Porque ele deixou os companheiros tantas vezes na cara do gol que em um jogo normal ele teria dado pelo menos umas 18. Mas o resto do time não respondeu e o Cavs acabou num loop fracassado: bola no LeBron, que se livra da bola para não ser enquadrado pelo Celtics e algum cara livre força um arremesso que não dá certo. Tiveram alguns momentos até em que o LeBron James passou a bola para o Mo Williams para que o armador puxasse o contra-ataque, alguém já tinha visto o LeBron desistir de levar a bola para o ataque nas próprias mãos em uma situação dessas? Eu não lembro.
As atitudes do LeBron ontem e do Kobe em 2006 foram corretas? Sabemos que os resultados não foram o que eles esperavam, mas dava pra fazer diferente? Eu acho que os dois agiram corretamente. Ninguém ganha jogos de basquete sozinho, ainda mais nesse nível e ainda mais contra adversários tão fortes. O Suns era zilhões de vezes melhor que o Lakers e o Celtics, finalmente, voltou a ser um timaço. Kobe tentou usar a melhor estratégia do Lakers, que já havia dado certo nos jogos 1, 3 e 4, e ela falhou, acontece.
O LeBron tentou envolver os seus companheiros e por meio período deu certo, não dá pra contestar a estratégia. Mas no segundo tempo a coisa começou a ruir, todos começaram a errar e é aí que eu acho que o LeBron James pecou. Não dá pra ganhar um jogo por conta própria, mas dá pra ganhar os últimos 5 minutos. Apesar da atuação patética de todos (todos!) os jogadores do Cavs na segunda etapa, o time teve uma postura melhor na defesa e conseguiu manter o jogo próximo, a diferença chegou a ficar em 4 pontos depois que o LeBron mandou duas bolas de 3 seguidas. E eu não entendi porque ele parou depois dessas duas. Por que não continuar chamando o jogo e arremessar mais bolas longas como as que ele já tinha acertado? Não dava pra ganhar o jogo inteiro sem passar a bola, mas custava ser mais fominha por uns 2 minutos e ver no que dava?
O LeBron foi muito inteligente e deu uma baita moral para os seus companheiros de time quando não saiu para ganhar o jogo por conta própria desde o primeiro minuto. Mas chegou um ponto do jogo em que todos os jogadores pareciam estar implorando para não receber a bola e mesmo assim continuavam recebendo um passe atrás do outro. O nervosismo acabou indo para o LeBron, que ao invés de parar de passar a bola, começou a forçar passes idiotas, resultando assim em 9 custosos turnovers.
Um colunista do
HoopsHype disse que acha (e que uma fonte misteriosa lhe disse) que havia um problema entre o LeBron e seus companheiros de time. E que ele estava deixando todo mundo se virar sozinho como se estivesse dizendo “Vai, resolvam vocês então!” e que ele já teria feito isso outras vezes durante a carreira, principalmente no primeiro ano, quando se desentendia com
Ricky Davis. LeBron estaria jogando em “modo de protesto”. Se fosse um jogo de temporada regular eu até acreditaria, mas por que ele arriscaria a sua temporada numa atitude dessas? Ele não aceitaria manchar sua imagem e jogar uma temporada fora só para provar um ponto, seria burro demais da parte dele. Eu prefiro não acreditar.
Essa teoria tem, porém, um bom fundamento que é a cara de bunda do LeBron durante o jogo. Ele não parecia nada feliz ao ver a quantidade de merdas que seu time fazia e não ia lá dar uma força ou fazer piadas como fez tantas vezes na temporada regular quando alguém precisava de um chacoalhão. Aliás, esse time não parecia em nada aquele da temporada regular.
Dá pra dizer que o Cavs nos playoffs é como o Corinthians na Libertadores. Sem piadinhas idiotas, é que os dois montam times bons, que jogam bem, mas mudam de rosto quando entram nessas competições. O Cavs, o LeBron e o Corinthians parecem dar tanta importância para esses jogos que deixam de atuar da maneira que os levaram ao sucesso. Se o Cavs foi um time bem humorado, veloz e que contava com o LeBron fazendo tudo no quarto período, pra quê mudar agora? Mesmo que tudo isso não seja o ideal, mudar aos 45 do segundo não vai resolver. E às vezes o segredo era pegar esses jogos importantes e tentar encarar como mais um jogo de basquete, poderia fazer toda a diferença. Tem jogadores que funcionam melhor assim.
Outra coisa curiosa no jogo de ontem foi ver como as duas contratações que o Cavs fez pensando no Orlando Magic arruinaram suas chances contra o Boston Celtics. Shaquille O’Neal, chamado para fazer frente a Dwight Howard, só serviu para deixar o time lento e para esmagar o Kendrick Perkins depois de um tombo. Não fez nenhuma diferença nos jogos e ainda deixou o time sem os arremessos de fora do Ilgauskas que, talvez em uma noite inspirada, pudesse ter tido algum efeito positivo. A outra contratação, o Antawn Jamison, servia para deixar o time com um ala de força mais leve e poder enfrentar Rashard Lewis, assim como seria mais uma arma ofensiva para o Cavs. Acabou errando quase todos os seus arremessos no ataque e sendo presa fácil de Kevin Garnett na defesa. Não chegou perto de ser o jogador que era no Wizards, mais inútil, impossível.
Falei de muita coisa diferente, né? Pois é, é tudo isso que leva um time a derrota. É a competência do adversário, algumas decisões ruins do seu principal astro, todos os seus coadjuvantes, as características deles, o esquema de jogo, as decisões do técnico, o clima do vestiário, a confiança dos jogadores, a experiência deles, a fase da lua…
Condenar LeBron James e definir sua carreira baseado nesse jogo é uma grande bobagem, como já falamos no post de ontem. Em um jogo importante ele teve um bom jogo, com falhas e com derrota, mas longe de ser um desastre. E não foi ele quem errou trocentas bandejas e arremessos sem marcação, nem ele que botou o Shaq pra marcar o Garnett no começo do jogo e nem ele que não treinou uma boa defesa de transição.
Na hora que um time que joga coletivamente vence um jogo aparece um monte de cara idolatrando o esporte jogado em equipe, quando uma super estrela perde, jogam nela toda a culpa. Decidam-se! LeBron James tem defeitos e erra e ainda assim é tão espetacular que apesar disso é, com sobras, o jogador mais dominante da NBA nos últimos dois anos. Assim como foi Jason Kidd em 2002 e 2003, Kobe em 2005 e 2006, Garnett em 2004 e todos estes sem títulos nesses anos. Tirar os méritos individuais por causa de um resultado da equipe é querer implicar com o LeBron. E implicar com o LeBron, atualmente, é não gostar de basquete.
Sobre para onde o LeBron vai, acho que nem vale a pena comentar agora. Não há nenhuma notícia nova desde ontem, apenas um rumor diferente por segundo. Vale a pena, no entanto, ver a campanha “We are LeBron”, que reuniu todas as celebridades de Cleveland para pedir que o ala continue no Cavs. Uma piada (a música zoa Nets e Knicks até), mas ainda assim um apelo de uma cidade que vê o LeBron James como parte de sua identidade.