>Chamado para a realidade

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Assim como o Richard Jefferson, eu também abriria mão de 15 milhões pra não ter 
que ver a Eva Longoria nos treinos do Spurs sabendo que ela não vai dar pra mim

Já comentamos aqui: ninguém deveria ganhar 100 milhões de dólares. Principalmente se for num período tão curto quanto quatro ou cinco anos. É simplesmente errado, não importa qual seja sua profissão: médico, político, bombeiro, salvador de pandas, jogador de basquete. A quantia é completamente fora da realidade, não há nada que um ser humano possa fazer com 100 que ele não possa fazer com apenas 1. O valor é tão exorbitante que acaba gerando aquelas maluquices de sempre: uma dezenas de mansões com milhares de cômodos, e aí a grana absurda para manter cada um desses cômodos limpos; uma coleção de carros milionários, e a grana para mantê-los funcionando mesmo que eles não sejam feitos para enfrentar o trânsito do dia-a-dia e fiquem mofando na garagem. Como diria a Luciana Gimenes, “te dou um dado?”: uma grande parte dos jogadores da NBA vai à falência poucos anos após se aposentar, frente à impossibilidade de manter esses padrões de vida tão elevados (Antoine Walker, estou olhando pra você).

Existe também o óbvio absurdo que é um sujeito ter tantos milhões que dá até pra enfiar uma parte na orelha, e outro não ter nem o que comer ou o dinheiro do busão. É vergonhoso e um tanto sujo. Mas a NBA é um negócio milionário em que cada equipe fatura muitas centenas de milhões de dólares por ano com bilheteria, transmissão dos jogos para todo o planeta, propagandas, venda de uniformes, patrocínio nos ginásios, cachorro-quente, cards, figurinhas, videogames. Para onde deve ir todo esse dinheiro? Os engravatados são responsáveis pelas contratações, pela administração, pelas finanças, mas as pessoas consomem a marca NBA para ver os jogadores, um bando de gigantes suados correndo de um lado para o outro tentando encaixar uma esfera laranja num lugar exageradamente alto. É justo, portanto, que ao invés de um bando de gordinhos de terno enchendo ainda mais seus cofres, o dinheiro vá para as mãos dos jogadores, que fazem a parte mais importante do espetáculo.

Mas os tempos são outros. Segundo David Stern, menos da metade dos times da NBA teve, nos últimos anos, qualquer traço de lucro. Estão afundadas em problemas financeiros, contratos absurdos, enchendo os bolsos do Eddy Curry com 11 milhões de verdinhas por ano e perdendo audiência num mercado mundial em crise. Por que louvar tanto Kobe Bryant e LeBron James, alguns perguntam? Porque a NBA perdeu muito público depois da aposentadoria de Michael Jordan, com esses fãs insuportáveis que curtem uma necrofilia e diminuem os jogadores atuais apenas porque supostamente “não podem alcançar o grande mestre”. Louvar os melhores da atualidade não é apenas reconhecê-los e lhes dar o lugar que merecem, é também salvar a NBA de uma nostalgia doentia que pode matá-la. Nossa liga favorita, assim como boa parte do mundo capitalista, está em crise. David Stern alega que a NBA, como um todo, terá um prejuízo de 400 milhões de dólares apenas nessa temporada (embora eu chute que 2/3 disso seja culpa do Clippers e o resto seja o contrato do Curry).

Por isso, o sindicato dos jogadores e os engravatados da NBA se unem sempre que um acordo entre eles acaba, geralmente a cada 5 ou 6 anos, para redigir um novo acordo trabalhista. É ele quem estipula o tamanho e a duração dos contratos possíveis, como os contratos funcionam, a porcentagem da grana que pode ser repassada para os jogadores, a progressão do teto salarial de cada equipe, a grana garantida dos novatos. Quando David Stern e os representantes dos jogadores não chegam a um acordo, além de se xingarem de “bobo” e pararem de se mandar cartões de Natal, surge a possibilidade de uma greve. Foi o que aconteceu na temporada de 1998-1999, que teve apenas 50 jogos (um alívio enorme, poderia ter greve todo ano!), já que um acordo entre as partes não foi alcançado.

O atual acordo trabalhista após a greve terá validade até 30 de junho de 2011, ou seja, deixará de funcionar exatamente quando os times poderão assinar Free Agents na temporada que vem. Para garantir que esses jogadores possam ser contratados, um novo acordo deve ser alcançado até lá – ou então nos aproximaremos novamente de uma greve dos jogadores. Durante o último All-Star Game, que é quanto todo mundo está contente demais para perceber que tem algo importante acontecendo nos bastidores, David Stern fez uma proposta para o acordo trabalhista. Detalhes não foram divulgados, mas sabemos que os jogadores e as equipes ficaram ultrajados, putos da vida, negaram qualquer possibilidade de aceitar a oferta, mandaram o David Stern ir empilhar coquinho na descida, e ficaram de devolver uma contra-proposta (algo que aconteceu apenas agora, dia 2 de julho, e da qual não temos quaisquer informações).

Mas o importante para a gente são os boatos sobre a tal oferta ultrajante do David Stern. Aparentemente o teto salarial da NBA, além de diminuir um bocado (algo que quase aconteceu já para essa temporada), ficaria “duro”, ou seja, sem as trocentas bilhões de regras e exceções que o Denis explicou tão bem no Bola Presa e que permitem contratações mesmo aos times endividados. Além disso, os jogadores receberiam uma parte menor da grana gerada na NBA, que atualmente é de 57%, garantindo que as equipes tenham dinheiro para tentar driblar a crise. O período máximo dos contratos também seria menor (variando entre 3 e 4 anos, ao invés de ir até 6) e o valor máximo dos salários seria drasticamente diminuído. Esses contratos, aliás, não seriam mais inteiramente garantidos, dando às equipes mais oportunidades para se livrar de jogadores e desfazer cagadas (Eddy Curry!) sem pagar nenhuma multa.

A NBA se tornaria menos bacanuda para os jogadores e é claro que ninguém vai aceitar ganhar menos dinheiro, em contratos menores e mais curtos com menos garantias, sem espernear um pouco contra isso. Mas a situação aconômica legitima a maior parte dessas mudanças, não dá para carinha ficar ganhando 100 milhões numa NBA que só tem prejuizo, e nem para jogador ficar enchendo os bolsos com milhões enquanto está fora de forma, gordo, rolando escada abaixo, comendo frango assado com a mão enquanto senta na privada, suspenso por portar armas, essas coisas. O acordo trabalhista final não deve ser tão radical quanto o proposto por David Stern, mas ele realmente está tentando salvar as franquias delas mesmas, da burrice de seus engravatados, de seus contratos ridículos e da falta de vínculo com a realidade. Cedo ou tarde algumas dessas medidas terão que ser aceitas, e aí os jogadores assinarão novos contratos na temporada que vem em condições muito mais desfavoráveis do que podem assinar agora.

Aí está a razão de alguns jogadores estarem escolhendo encerrar seus contratos monstruosos nessa temporada. Vale mais a pena assinar um contrato novo agora, mesmo que ganhando bem menos, do que ter que assinar um contrato na temporada que vem, em que eles devem ser menores e com menos garantias. Richard Jefferson ganharia 15 milhões de dólares na próxima temporada, um valor surreal que ele não vale nem a pau, mas assim que entrasse em vigor o novo acordo trabalhista, assinaria um contrato menor, mais curto, com as equipes contratando menos gente graças a um teto salarial menor, e talvez seu contrato nem fosse garantido, com ele podendo ser demitido a qualquer momento (algo que teria facilmente acontecido durante sua passagem desastrosa pelo Spurs).

Ao abrir mão de 15 milhões, Richard Jefferson assina um contrato bem longo segundo as regras antigas, garantido, que vai lhe manter por muitos anos a mais, e ainda se aproveita de um mercado inflacionado em que jogadores medianos devem sair bem caros. Afinal, várias equipes estão com espaço salarial para contratar estrelas que eventualmente assinarão com outras equipes, tendo que assinar uns caras mais-ou-menos para não ficar com as mãos abanando. Além disso, sabendo que várias equipes podem contratar estrelas (desesperadas pelos maiores contratos possíveis antes que as novas regras entrem em vigor), os times estão sendo obrigados a renovar o contrato de seus jogadores por preços abusivos e inflacionados para não perdê-los, como foi o caso do Hawks com o Joe Johnson e do Grizzlies com o Rudy Gay.

Esse é o momento perfeito, portanto, para todo e qualquer jogador abrir mão de seu contrato – por mais milionário que seja – e assinar um novinho em folha o mais comprido possível, para garantir o leitinho das crianças (em mamadeiras de diamante, claro). Desse ponto de vista, não é nada estranho ver Richard Jefferson, Paul Pierce e Dirk Nowitzki abrindo mão de seus contratos. Estranho é que o Kobe Bryant tenha extendido o seu na temporada passada ao invés de encerrá-lo e assinar outro com o Lakers, ainda maior e mais longo. Mas com essa extensão acaba com ele ganhando 30 milhões, talvez o Kobe nem se arrependa.

Há uma chance de que o Richard Jefferson consiga um contrato de mais de 10 milhões com algum time desesperado por qualquer jogador para melhorar o elenco, mas mesmo que ele não consiga estará no lucro. É apenas uma questão de pensar a longo prazo, garantindo agora um dinheiro que entre pelos próximos 5 anos ao invés de 15 milhões agora e um futuro completamente incerto. Não é preciso um contrato muito gordo para que ele some mais de 15 milhões nos próximos 5 anos, enquanto nas novas regras que entrarão em vigor seria bem possível que ele perdesse o emprego e não arrumasse um contrato a não ser pelos valores mínimos. Quando se trata de lidar com o próprio contrato, não existem muitos jogadores burros na NBA – e nem jogadores bonzinhos.

Tem muita gente falando da incrível bondade samaritana de Pierce e Nowitzki, que aceitaram contratos um pouco menores do que podiam, supostamente para permitir que mais jogadores sejam adicionados aos seus elencos. Em parte, os dois realmente precisavam perceber que seus contratos são fora da realidade e que não vão vencer sem um banco de reservas mais profundo. Mas o principal é que os dois estão cientes das mudanças que ocorrerão ao teto salarial, de como será mais difícil adicionar estrelas a partir da temporada que vem, e de como terão mais dificuldades em conseguir contratos longos. É melhor topar um dinheirinho a menos agora e garantir um contrato longo. E se querem continuar competitivos, buscando títulos, faz sentido entender que vai ser mais difícil conseguir jogadores de peso daqui pra frente, já que terão que topar menos grana em tetos salariais mais baixos e os jogadores de mais peso já estarão em contratos longos conseguidos às pressas antes das novas regras entrarem em vigor. Ninguém é burro e ninguém é santinho, os jogadores podem chorar que serão prejudicados no novo acordo trabalhista, mas a verdade é que sabem perfeitamente bem a situação econômica em que suas franquias se encontram. Os que se importam em vencer sabem que terão que ser mais flexíveis e topar menores contratos para manter os times competitivos, e os que querem encher o cofre do banco sabem que precisam aceitar os maiores valores possíveis agora, enquanto há tempo.

Nowitzki e Paul Pierce são espertos e realistas. Encerraram seus contratos não para testar o mercado, receber ofertas e flertar com outras equipes, mas sim para assinar contratos longos, estáveis e mais dentro da realidade para garantir seus times no topo. Richard Jefferson não é maluco, não preferiu perder 15 milhões apenas para não ter que lidar com o porre do Greg Popovich (que é chato mas nem tanto assim), ele apenas quer um contrato mais longo que no final das contas vai ser ainda mais lucrativo.

Outros casos iguais devem acontecer, e vamos comentando cada um deles conforme forem surgindo. Também vão pintar trocentos contratos inflados, com os times aproveitando a última temporada com esse alto teto salarial e os jogadores querendo garantir os maiores contratos possíveis, como foi o caso do contrato de Amir Johnson com o Raptors, por exemplo. Como sempre, o Bola Presa fará a análise completa de cada troca ou contratação, mesmo que a gente demore um pouco para poder ir ao banheiro de vez em quando. Mas o importante é lembrar que esse oba-oba de contratações desenfreadas tem data para acabar e por isso todo mundo está correndo para garantir sua fatia do bolo. Se o David Stern estiver certo e algumas de suas propostas forem aceitas, teremos equipes mais comedidas, contratos menores, menos gente apostando em Eddy Currys ou Jerome James. Ou seja, uma NBA mais legal e mais dentro da realidade. Em que o Knicks estará lascado.

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