>A escolha de LeBron James

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The LeBron James’ Show

Em novembro de 2009, no comecinho da temporada passada, o Bill Simmon, colunista da ESPN americana respondeu sua tradicional coluna em que recebe e-mail dos leitores. O Bill Simmon é meio que um Bola Presa gringo (na verdade nós somos um Bill Simmon brazuca, mas vocês entenderam!). Ele não sai por aí dando furos de reportagem e fazendo jornalismo sério, mas faz análises interessantes, sempre bem humoradas (infelizmente ele é mais engraçado que a gente) e nunca esconde os seus times e jogadores favoritos. O ódio dele pelo Lakers, por exemplo, é hilário!

Os leitores entram no espírito da coisa e mandam mensagens engraçadas, como foi o caso dessa traduzida abaixo, enviada em novembro de 2009:
“Sabe quando os principais jogadores do colegial tem que escolher a universidade onde vão jogar e aí chamam uma entrevista coletiva com os bonés das suas faculdades preferidas na mesa e vestem o boné do time que escolheram jogar? E se o LeBron anunciasse a sua escolha ao vivo na ABC com um programa chamado A escolha de LeBron? Isso daria uma audiência surreal!”
A resposta do Bill Simmon foi:
‘A escolha de LeBron’ parece nome de um filme dele sendo o primeiro jogador da NBA a deixar ele mesmo grávido e sem conseguir decidir se leva a criança para adoção. Eu iria com algo mais jornalístico do tipo “Decisão 2010: O veredicto de LeBron”. Ou talvez fizesse mais sentido fazer uma série em seis episódios no estilo do “The Bachelor” (aquela série em que um solteiro tem que escolher sua esposa), talvez chamada “The LeBrachelor”. Ele poderia começar com 29 General Managers, cortar para oito, seis, quatro, três, dois e finalmente um.

Mas independente do estilo, você está certo, isso tem que ser um evento televisionado. Se o LeBron for esperto ele irá vender os direitos da sua decisão para alguma emissora e revelar sua decisão nesse show. Ele até poderia fazer em pay-per-view. Se pagam 45 dólares para assistir UFC, pagariam para ver “Decisão 2010: O veredicto de LeBron”. “
E não é que uma temporada depois nenhum dos dois estava tão errado assim? Não foi para a ABC, mas o LeBron vendeu mesmo os direitos da sua escolha para a ESPN, que fez um espetáculo de uma hora de duração como preview do programa em que houve o anúncio. Tinham repórteres em todas as cidades que poderiam receber o King James, mesa redonda discutindo o assunto e depois mais um show de uma hora com enrolation, a decisão do LeBron e algumas perguntas respondidas por ele. Não foi estilo LeBrachelor, uma pena, e nem pay-per-view, ainda bem, mas foi um espetáculo midiático como o LeBron gosta e, mais importante, como já está acostumado.
Assim que saiu a notícia de que LeBron iria anunciar a sua decisão num especial de uma hora em rede nacional, a minha primeira reação foi a de indignação. Como ele quer que deixem de achar ele tão convencido e egocêntrico se ele é o único jogador da história da NBA a ter essa atenção para sua decisão? Nós fizemos um post há um ano sobre como a imagem do LeBron, de fenômeno carismático, estava virando a de um cara convencido. E isso só piorou com esse espetáculo que ele criou para si mesmo. Como disseram por aí, “ele acha que é o presidente para dar depoimentos assim na TV?”. Mas depois acalmei e vi que a história pode ser vista de outro jeito, afinal estamos falando de um cara que teve um jogo do seu time do colegial transmitido pela ESPN para todo o território americano por sua causa. Sim, um jogo entre escolas. O mesmo cara que poucos meses depois disso assinou um contrato de 100 milhões de dólares com a Nike antes de ter seu primeiro minuto de jogo como atleta da NBA. Sua estréia, aliás, recebeu a mesma atenção fora dos padrões, como seu primeiro jogo de playoff, seus recordes, seus depoimentos, suas entrevistas coletivas, suas danças durante o jogo, etc, etc, etc. A verdade é que LeBron James não deve mais saber como é viver sem ter a mídia à sua volta. E com todo mundo o importunando sobre seu futuro, pode ter parecido até óbvio anunciar em rede nacional.
A ESPN foi esperta para tentar garantir seu espetáculo, a equipe que fatura em cima do LeBron ficou alimentando a idéia e o LeBron, pra falar a verdade, nem deve ter pensado muito a respeito. Topou e foi nessa. Ele está tão inserido nesse meio de mídia e marketing que pra ele nem deve ter soado absurdo e convencido essa história da sua decisão ser um show de TV. James é tão acostumado em estar cercado por câmeras e microfones que se você pensar bem todas as suas polêmicas foram causadas por atitudes suas dentro de quadra (como não cumprimentar o time do Magic depois da derrota do Cavs nos playoffs de 2009) e nunca por entrevistas polêmicas ou atitudes impensadas fora das quatro linhas. Ele é o rei das entrevistas educadas e sem conteúdo, uma espécie de anti-Artest que só fala o óbvio. Coisas de quem está bem habituado com a atenção.
Hoje, finalmente, era uma entrevista em que ele falaria algo de interessante. Claro que foi educado e politicamente correto como sempre, mas em algum momento do depoimento iria dizer o seu destino. E com um pouco de enrolação soltou “Eu vou para South Beach jogar no Miami Heat“.
A decisão era anunciada em muitos sites desde quinta-feira de manhã, mas ainda com alguma dúvida. Fontes misteriosas diziam que essa era a decisão mais provável, mas que poderia mudar a qualquer momento e que Knicks, Nets e Cavs ainda tinham chance. Mas não deu outra, LeBron disse que desde hoje de manhã, depois de conversar seriamente com a sua mãe, tinha decidido que iria para o Miami Heat, time que ontem anunciou a permanência de Dwyane Wade e a contratação de Chris Bosh. O Big 3 de Boston não parece tão grande assim agora.
Muita gente apostava na permanência do LeBron no Cavs pela maneira em que o programa tinha sido armado. Seria muita maldade com o povo de Cleveland fazer tanto auê, tanta mídia, fazer todo mundo ficar a noite toda olhando para a TV só para ele anunciar que estava largando o time da cidade onde nasceu, cresceu e jogou toda sua vida basquetebolística. E não só isso, era uma cidade conhecida por seus times profissionais serem fracassados no esporte, o LeBron James para eles foi o enviado, o escolhido, para salvar a cidade dessa maldição (é o termo que eles mesmos usam). Não foi à toa que até o governador de Ohio, junto com uma tonelada de celebridades locais, gravaram esse vídeo implorando pela permanência do jogador no Cavs:
Infelizmente não consegui achar um estudo feito uns meses atrás sobre o impacto econômico que a saída do LeBron iria causa na cidade de Cleveland, ele media em números assustadores o quanto de atenção e investimento a presença do LeBron levava para a cidade e o quanto eles iam deixar de ganhar se ele deixasse a franquia. Até o valor do time iria despencar.
Mas nem todos os apelos bastaram para o LeBron ficar. Perder na segunda rodada dos playoffs depois de montar um time com Mo Williams, Antawn Jamison e Shaquille O’Neal foi demais pra ele. Ano após ano o Cavs ia dando mais peças para LeBron conquistar o seu título e simplesmente nada adiantou. LeBron parece que finalmente acreditou na tal maldição e fez toda a sua entrevista de hoje falando em vitórias, nada mais.
Realmente a decisão não foi financeira. Ficando em Cleveland ele iria receber um contrato de 128 milhões em 6 temporadas, o Knicks e o Nets iriam oferecer números iguais ou bem pouco menores que isso. Em Nova York ele teria mais atenção da mídia, mais contratos publicitários, mais capas de revista e dinheiro para comprar um país e chamar de LeBron. Mas ele deu uma de Gilbert Arenas e conseguiu colocar “humilidade” e “100 milhões” na mesma frase. As primeiras informações, ainda não oficiais, dizem que LeBron, Wade e Bosh devem todos fazer contratos de mais ou menos 99 ou 100 milhões de dólares por 5 anos. Os três abriram mão de muita grana para (ainda ganhar MUITA grana) e ter mais chances de vencer títulos.
A sequência do programa teve os comentaristas da ESPN mandando as perguntas óbvias, como “Quem vai arremessar uma bola de último segundo?”. LeBron manteve o discurso da vitória. Disse que os três são amigos, se respeitam e estão no time pra vencer, vão simplesmente acatar a decisão do técnico Eric Spoelstra e vencer jogos e campeonatos. Falou que se fosse pelo dinheiro tinha outras escolhas melhores, para bons números outras propostas melhores, mas que para vencer nada era mais óbvio do que ir para o Heat.
A escolha, portanto, também não foi baseada em um legado. Ganhando um mísero título em Cleveland ou Nova York ele seria elevado ao status de mito em qualquer uma das cidades. São duas cidades com muito mais tradição no basquete, no esporte como um todo e com muito mais fãs que Miami. Além disso não teria que ouvir que Kobe, Jordan, Bird ou Magic Johnson passaram a carreira inteira nos mesmos times e eram eles que atraíam jogadores para seus times. Essa mudança de time traz muitos argumentos (alguns bem idiotas) para aqueles que não querem colocar LeBron na lista dos melhores da história.
Quem não engoliu a história da vontade de vencer sobre a lealdade a Cleveland foi o povo local. Logo depois da decisão do LeBron pipocaram umas notícias de camisas do jogador sendo queimadas em alguns lugares da cidade:
O Mo Williams, pelo Twitter, se disse puto da vida e com o coração saindo pela boca, mas concluiu dizendo que estava feliz pelo seu amigo. Mas nada supera a carta publicada no site oficial do Cleveland Cavaliers escrita (em Comic Sams!!!) pelo dono do time, Dan Gilbert. Alguns trechos dela para vocês:
“Nosso antigo herói, que cresceu nessa região que ele acaba de desertar, não é mais um Cavalier”
“A escolha foi anunciada de uma maneira narcisita, construída apenas para ele se promover e que culminou em um especial de TV sobre sua decisão, algo nunca antes “testemunhado” (brincadeira com a palavra ‘witness‘, ‘testemunha‘, que fazia parte das propagandas da Nike com LeBron) na história do esporte e provavelmente na história do entretenimento.”
“Existe tanto para se contar dos eventos do passado recente e muito mais sobre nosso futuro. Nos próximos dias e semanas iremos contar tudo para vocês. Vocês simplesmente não merecem esse tipo de traição covarde”
“Eu garanto que o Cleveland Cavaliers irá vencer um título da NBA antes que o autointitulado ‘rei’ ganhe o seu. Pode apostar. Algumas pessoas acham que merecem ir para o céu mas não acham que devem morrer para chegar lá”
“Esse chocante ato de deslealdade do nosso ‘escolhido’ manda uma mensagem oposta àquela que queremos ensinar aos nossos filhos. Mas essa ação insensível e sem coração só pode servir como o antídoto para essa ‘maldição’ em Cleveland. O chamado ‘rei’ irá levar a maldição com ele para o sul. Assistam”.
Eu confesso, fiquei sem ar e sem palavras ao ler isso. Assim como pessoas de alguns sites gringos, cheguei a cogitar que o site do Cavs tivesse sido hackeado. Mas não, Dan Gilbert acaba de tomar de Mark Cuban o trono de dono de time mais pirado do basquete profissional americano. Mas se ele, envolvido com o lado business do basquete, se sentiu traído e ofendido pela decisão e maneira que ela foi comunicada (apenas o Heat sabia da escolha com alguma antecedência), imagina como boa parte do povo de Cleveland está agora. Sem dúvida o confronto entre Heat e Cavs, em Cleveland, já está agendado para a noite de Natal, o dia do calendário que a NBA reserva para os jogos mais aguardados da temporada. LeBron x Cavs para começar a noite, Lakers x Celtics para terminar, que tal?
Geralmente quando um jogador vai mudar de time ele olha primeiro as opções que tem. Não são todos que tem todo mundo fazendo mágica para conseguir te contratar, depois considera outras variáveis importantes: dinheiro que vai ganhar, o espaço que vai ter no time, a cidade para onde vai ter que se mudar, afinidade com algum jogador, cidade ou técnico e, por fim, as chances de vencer e se consagrar com essa equipe. LeBron pode ignorar alguns desses passos: Ele é titular em qualquer time, todos querem ele e os que procuraram por ele ofereceram dinheiro parecido. Sobrou considerar as chances de título e a afinidade.
Meu palpite era o Knicks desde o começo, não vou negar, achei que ele não ia resistir à tentação da maior cidade do mundo, mas a verdade é que o Knicks perdeu quando o Cavs perdeu aquela série para o Boston Celtics. Com o peso livre de ter dado um título a sua cidade natal eu não tenho dúvidas de que LeBron teria partido para dar vitórias para o carente e exigente torcedor de Nova York, mas com a derrota tudo mudou. Mudar para NY seria largar a sua cidade e se enfiar em um buraco parecido, apenas com um público diferente. Acho que foi aí que a questão do dinheiro e da atenção da maior cidade do mundo perderam sua vez.
Não à toa os últimos boatos davam conta de que a decisão final era entre ficar no Cavs ou ir para o Heat. Era ser leal à sua cidade, seus torcedores e ir até o fim por um título (como foram tantos que nunca venceram um campeonato) ou abandonar tudo o que o esporte carrega consigo (dinheiro, fama, opinião pública, crítica, fãs) e simplesmente vencer. A decisão foi pelo esporte, pela vitória. Bem legal que ele parece (por enquanto) não se incomodar em poder ser chamado de alguém que só ganhou em um super time. E embora eu tenha sempre dó dos que lutaram a carreira inteira e não foram campeões (como Stockton, Malone, Barkley, Ewing, Webber e ainda hoje Nash e Nowitzki), fiquei triste pela decisão. LeBron vai conseguir o seu desejo, tem todas as chances de tirar o peso das costas como Garnett, Pierce e Ray Allen quando se juntaram, mas o preço foi muito alto. A importância do LeBron para a cidade de Cleveland era imensurável. Maior do que a importância de títulos.
Em poucas palavras, ir para o Heat é ver o basquete, o esporte, como algo prático. É um jogo e como tal você o joga para vencer e procura as melhores oportunidades para isso. Ficar no Cavs era admitir a importância social que o jogo ganhou na sua história, o seu poder de criar mitos, ídolos e de gerar sentimentos em pessoas desconhecidas. LeBron optou por vencer. Não é errado, não é condenável, mas eu torcia pelo contrário. Vejo a NBA, o basquete e os torcedores mais perdendo do que ganhando com esse supertime que está nascendo.
Já disse tudo isso e nem deu tempo de comentar como será esse time do Miami Heat dentro da quadra, que doideira! Mas tudo bem, nos próximos dias iremos comentar com mais calma o efeito dessa união de LeBron James, Dwyane Wade e Chris Bosh. Lembrando que atualmente o elenco do Heat só tem 5 jogadores: Mario Chalmers, Michael Beasley e os três All-Stars. Mais NADA! E enquanto escrevo esse post pipocam no Twitter notícias de que o Heat está prestes a contratar Mike Miller e mandar o Beasley para o Wolves em troca de uma mísera escolha de 2º rodada de draft (Beasley foi a 2ª escolha do draft de 2008. Algum jogador já se desvalorizou tão rápido? Nem o Darko foi uma segunda escolha tão mal tratada).
Amanhã o Miami pode estar na bizarra situação de só ter 4 jogadores no elenco e mesmo assim ser o principal favorito para o título da temporada 2010-11. Como previsto há uns 3 anos, a escolha do LeBron iria mudar os rumos da NBA.
Não esqueça de ver a nossa planilha com as últimas atualizações do mercado de Free Agents. As decisões de Carlos Boozer, Dwyane Wade, Chris Bosh, Brendan Haywood, Ray Allen e outros já estão lá!

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