Eu gostaria muito de ter escrito aqui antes do jogo entre Brasil e Argentina a conversa que tive com o Felipe, nosso webdesigner. Saímos para bater um basquete na segunda-feira e conversando sobre o jogo da seleção eu disse: “Acho que o Brasil ganha. Mas pra isso a gente tem que abrir uma vantagem e administrar ela no final. Se chegar no fim do jogo empatado, o Scola vai acertar tudo pra Argentina e o Leandrinho vai errar pro Brasil”.
Juro por Lady Gaga que eu disse isso. Deveria ter postado aqui para pagar de adivinho, porque foi isso o que aconteceu. O jogo foi disputadíssimo desde o primeiro segundo até o último, mas quando era para decidir, o Scola simplesmente não errou. Seja bem marcado, mal marcado, contestado, no arremesso, na bandeja e por fim, pra fechar o caixão, até quando tentou errar um lance livre.
Sobre a Argentina, não achei que fizeram nada de novo, fizeram o que a gente disse desde o começo. Todo o time é inteligente, todo mundo sabe o que fazer em quadra, cometem poucas bobagens e compensam a falta de pontuadores com o Luis Scola. Eventualmente o Carlos Delfino tem boas noites de pontuação e para o azar dos brazucas, o jogo de ontem foi uma delas. Outra zica brasileira foi ter a volta do Fabricio Oberto, que apesar de bem mais lento e velho do que em seu auge, quebra um galho enorme para o Scola com seu bom passe e aproveitamento embaixo da cesta.
O Ruben Magnano tentou parar o Scola usando o Tiago Splitter, o Anderson Varejão, o Guilherme e até o Marquinhos. Tentou trocar a marcação no pick-and-pop, tentou não trocar, tentou macumba e só não apelou para as armas de fogo porque é um gentleman. Tem dias em que não dá certo mesmo. Em algumas jogadas a gente vacilou, é verdade, mas no geral não perdemos o jogo porque marcamos mal o Scola.
Aliás, perder esse jogo não foi nenhuma desgraça. Foi um jogo disputado em que a grande estrela da partida, o melhor jogador em quadra, resolveu a parada nos minutos decisivos, nada mais natural no basquete. Sem contar que nos classificamos em terceiro no nosso grupo e eles em segundo, apesar dos times em nível técnico parecido, não foi absurdo perder o jogo, na teoria eles eram mesmo os favoritos. Mas no que devemos pensar não é só nesse jogo, mas no total do torneio. O Brasil venceu 3 jogos e perdeu outros 3. Os três vencidos foram lavadas, abrimos diferença e matamos o jogo. As três derrotas foram resultados apertados, jogos decididos no último minuto. Quando acontece três vezes em uma semana não é coincidência. O que faltou para o Brasil nesse mundial foi saber decidir jogos. Só.
A defesa do Brasil não é perfeita, mas não consigo imaginar nada melhor desse elenco. Até jogadores que sempre foram criticados (por nós também) por serem defensores fracos tiveram momentos ótimos, como Marcelinho Huertas, o Machado e o Leandrinho. Reafirmo aqui que nunca vi (e provavelmente nunca vou ver) o Barbosa marcando tão bem quanto naquele jogo contra os EUA. O ataque também esteve do jeito que sempre sonhamos. Não temos o nosso Scola/Nowitzki/Durant para colocar a bola na mão e esperar os dois pontos acontecerem de alguma forma, mas o lado bom é que dessa vez sabíamos disso. Em campanhas passadas ficávamos esperando milagres ofensivos de Leandrinho, Marcelinho e Tiago Splitter e eles não apareciam. Dessa vez colocamos a mão da nossa grande estrela no torneio, Huertas, e executamos um ataque coletivo e bem pensado. Quase chorei hoje quando vi que em todo o primeiro tempo a seleção havia cometido apenas 3 erros no ataque. Antigamente eram 3 erros a cada 5 minutos de jogo, geralmente tentando forçar alguma jogada individual idiota.
Temos um bom elenco que demonstrou muita vontade, raça e disciplina. Um técnico que entende de basquete, tem comando sobre o grupo e que melhorou o ataque e a defesa do time. Parece piada dizer isso, mas é verdade: o time melhorou em tudo, agora só falta ganhar.
Saber ganhar jogos apertados é difícil. Até porque muitas vezes é uma questão individual, não de treino coletivo, instrução do técnico. Claro que ter um mongolóide no banco não vai ajudar, mas é o momento do jogo com a defesa mais apertada, jogadores mais tensos e juízes dispostos a deixar o jogo rolar. Não é à toa que os jogos costumam ser decididos em jogadas simples, como uma isolação, um pick-and-roll ou um bloqueio para arremesso. A Argentina usou muitas jogadas durante o jogo inteiro, tanto que no último quarto vimos até Oberto e Jasen aparecerem no ataque, mas quando o bicho pegou foi só pick-and-pop com o Scola ou a isolação dele contra algum marcador brasileiro. Já o Brasil parecia não saber o que decidir, e errou dando a bola na mão de Leandrinho, que tem muitos talentos, mas definitivamente decidir que jogada fazer não é um deles. Quanto menos ele tem a bola na mão, melhor.
Outro que não pode decidir jogos é o Tiago Splitter, e o Brasil também tentou ele na hora H. Geralmente jogadores de garrafão só conseguem decidir jogos em equipes que tem arremessadores muito bons em volta deles. Pensa bem, o Splitter está empurrando o Oberto para perto da cesta e você está marcando o Marquinhos ou o Alex, o que você faz? Corre para forçar um erro do Splitter ou deixa ele marcar a cesta só para não deixar os dois livres? Deixa livre, claro! Se o Splitter conseguir dar o passe, dane-se, qual a chance do Alex acertar uma bola de três? E pior, qual a chance dele acertar com a pressão do fim do jogo? Quase zero. Quem acompanha NBA pode ver isso muito bem. Às vezes o pivô do time é a estrela, mas quem decide é o cara do perímetro. Até porque em fim de jogos os juízes costumam deixar a pancadaria rolar um pouco mais e isso só dificulta o trabalho dos pivôs, que também têm aproveitamento pior nos lances livres. No Lakers o Shaq recebia pouco a bola no fim dos jogos porque ele sofria faltas de propósito, já que fede na linha de lance livre.
Claro que existem exceções, mas todas tem explicação. O Scola e o Nowitzki são jogadores completos. Eles podem receber e bola em fim de jogo porque se precisar eles nem entram no garrafão e resolvem a parada com um arremesso de longe, além de serem bons no lance livre. Outros como o Duncan e o Garnett são passadores acima da média e costumam ter bons arremessadores no time. É só buscar vídeos de qualquer título do Spurs e ver os jogos, quando se arriscavam a dobrar a marcação no Duncan no fim dos jogos ele entregava a bola para Steve Kerr, Stephen Jackson, Manu Ginobili, Bruce Bowen ou qualquer outro grande arremessador que o acompanhou na carreira. O Brasil não tem esses arremessadores, Splitter não é um grande passador e ele não é efetivo quando recebe a bola longe da cesta.
Para a partida de hoje em especial, acho que a melhor decisão teria sido deixar o Marcelinho Huertas trabalhando com vários bloqueios para achar espaço no garrafão. Ele estava com a mão calibrada, confiante e claramente muito motivado. Fez a partida da sua vida e eu esperava ver a paz no Oriente Médio antes de ver ele fazer 32 pontos num jogo, mas foi o que aconteceu. De qualquer forma, seria uma solução para hoje, isso não vai acontecer sempre.
Falando em momentos decisivos, lembrei de um caso interessante na NBA, o Los Angeles Clippers. Infelizmente não tenho mais os números, mas vale pelo caso. Na temporada 2004-05, o Clippers liderou a liga em jogos perdidos por 5 pontos ou menos (ou eram 3 pontos? Jogos apertados, enfim). Era um número assustador de derrotas no fim do jogo. Aquele time tinha o Marko Jaric (o puto que é CASADO com essa deusa) na sua melhor temporada na NBA, Bobby Simmons no único ano em que foi decente, Corey Maggette, Chris Kaman bem pivete e Elton Brand na época em que ainda fazia 20 pontos e 10 rebotes todo jogo. Parecia bom, mas não vencia no final.
No ano seguinte conseguiram a pechicha de trocar Jaric-Lima pelo muso Sam Cassell. Aproveitaram e conseguiram uma troca por Cuttino Mobley, o experiente arremessador que fez história como parceiro e amigo de Steve Francis no Houston Rockets. Com a dupla experiente o Clippers passou a ser um dos times que mais venceu jogos apertados na NBA. E assim chegou aos playoffs, à semi-final do Oeste, e só foi eliminado no jogo 7 pelo Phoenix Suns. Era dito por todos os jogadores e era óbvio para quem via os jogos que a razão da mudança era a presença de dois jogadores experientes e bons na decisão. Quando precisava armar, Cassell armava, no fim do jogo, quando precisavam de pontos, ele ia lá e fazia seu arremesso tradicional, o step back, e matava a parada.
Falta para o Brasil ter esse Sam Cassell para matar as partidas decisivas. Ele poderia ter vencido Argentina, a Eslovênia e os EUA. E ele não é Leandrinho, Huertas, Marquinhos ou qualquer um que estava no elenco desse Mundial. Acho que o Brasil tem seu melhor time em muito tempo, talvez o melhor dos últimos 15 anos, mas com esse pequeno e muito decisivo defeito.
Citando o gênio Dunga, qual o legado dessa seleção? Podemos ver por dois lados, o do time, pensando em resultados; e o social. Para o lado do time não tem legado, foi só o primeiro campeonato importante e serviu para mostrar na prática nossos defeitos e qualidades. Deu pra ver que sonhar com medalha é demais mas com Olimpíada é bem real.
Pelo lado social foi mais importante, mas ainda pequeno. Aquela quase-vitória sobre os EUA deve ter feito muita gente que ignorava o basquete desde o Oscar falar sobre o esporte, e motivado algumas pessoas até a bater uma bolinha. Isso é uma grande coisa. Lembro que comecei a querer jogar tênis quando as TVs começaram a passar jogos do Guga. Não precisei de muito tempo para começar a gostar mais do esporte do que do Guga, aliás torcia até mais para o Patrick Rafter, por ser fã de um bom saque-e-voleio. Mas foi com um brasileiro na mídia que eu tive o primeiro contato com o esporte.
Acredito que a seleção ter bons resultados seja importante para isso. Não torço para o Brasil vencer por amor à nossa pátria, sei que incomoda muita gente mas não dou a mínima pra isso, torço pelo efeito que esses bons resultados podem trazer para o esporte. Gostaria, por exemplo, de descobrir na próxima temporada da NBA um leitor do blog que está começando a acompanhar a liga americana depois de ter se encantando com o Scola na partida de ontem. A presença da seleção nacional chama a atenção e depois o basquete bem jogado por alguém (seja lá em que território esse cara nasceu) conquista o torcedor. É uma fórmula simples e que parece bem encaminhada. Sem contusões e pensando em uma solução para não perder todos os jogos apertados, o Brasil deve estar na briga com os grandes em todas as próximas grandes competições.