A demissão de Jason Kidd

A carreira de Jason Kidd certamente não é uma carreira tradicional. No dia 3 de junho de 2013, Jason Kidd se aposentava como jogador após uma temporada com o New York Knicks. No dia 12 de junho, míseros 9 dias depois, ele já assinava o contrato para se tornar o técnico do Brooklyn Nets e comandar jogadores da sua própria geração: Kevin Garnett, Paul Pierce e Joe Johnson, numa de suas tentativas finais de conseguir um título da NBA.

Jason Kidd não tirou um “ano sabático”, não saiu de férias, não se tornou assistente técnico, não virou treinador de armadores, não virou técnico universitário. Ele saltou diretamente de sua carreira de jogador para um cargo de técnico principal num time que não apenas queria ganhar um título da NBA, mas que também PRECISAVA ganhar esse título para justificar os gastos astronômicos e as trocas recentes e contratações. O senso comum nos diz que isso nunca funcionaria e de fato foi o que aconteceu. O Nets começou a temporada 2013-14 muito mal, o clima interno se tornou muito ruim de maneira muito rápida e parecia óbvio que Jason Kidd não estava pronto e seria demitido. Mas quando o ano virou, com menos de dois meses passados na temporada, o Nets repentinamente tomou rumo e parecia um time de verdade. A melhora foi tão absurda que Jason Kidd ganhou o prêmio de Técnico do Mês ao fim de janeiro, garantindo seu trabalho por mais um tempo.

O Nets de Kidd chegou às semi-finais da Conferência Leste, onde perderam para o Heat de LeBron James – algo completamente compreensível, não é demérito pra ninguém. Kevin Garnett já não estava saudável, o time tinha pouca coesão e aquele Heat era uma máquina, não dava pra culpar Jason Kidd. Mas ainda assim sua primeira temporada ficou marcada por uma série de erros de principiante: tirar os titulares de quadra no quarto período de um jogo que ainda não estava perdido, má gestão de minutos dos jogadores e um incidente hilariante em que ele pediu para um jogador “trombar” com ele para que Kidd derrubasse seu copo na quadra e a partida tivesse que ser interrompida para secar o chão, lhe rendendo um tempo extra para desenhar uma jogada – e uma multa de 50 mil dólares pela NBA, claro.

Ao fim da temporada, esse técnico novato começou a discordar dos planos futuros do Nets, que parecia incapaz de planejar a longo prazo, e começou a pressionar a diretoria para se tornar General Manager da franquia. Quando essa tentativa falhou, Jason Kidd quebrou uma das “regras de etiqueta” da NBA e tentou conseguir a vaga de técnico no Bucks, cujo dono ele conhecia, ainda que a regra já estivesse ocupada naquele momento. Entre os técnicos esse tipo de “puxada de tapete” é inadmissível, mas o Bucks topou a brincadeira, demitiu o então técnico Larry Drew e TROCOU pelo Jason Kidd, enviando duas escolhas de draft de segunda rodada para o Nets.

A chegada atribulada de Kidd no Bucks tinha vantagens e desvantagens: por um lado era um treinador completamente inexperiente que cometia erros bobos típicos de quem ainda não domina a função; por outro, era um treinador jovem, disposto a encontrar uma identidade junto com um time igualmente jovem e extremamente carente de uma identidade reconhecível. Para muitos, times jovens precisam de técnicos experientes, calejados, que possam acelerar o processo de aprendizagem dos calouros e lhes dar o máximo possível de estrutura. Mas a abordagem do Bucks foi inversa e muito interessante: e se o melhor para os jogadores jovens fosse justamente um técnico jovem disposto a fazer experimentos, tentativas, e que se desenvolvesse junto de todo o elenco, construindo uma identidade coletiva?

Muitas vezes vemos técnicos consagrados com uma visão tão restrita de como o basquete deve ser jogado que os jovens atletas não tem outra opção que não se adequar à “caixinha”, moldando seu estilo de jogo e abrindo mão de parte de seu potencial. Com um técnico que não tem um modelo (ainda), seria supostamente possível construir um esquema e um plano de longo prazo aos poucos, de acordo com o desenvolvimento dos jogadores envolvidos. Jason Kidd não foi para o Bucks IMPOR SUA VISÃO – pelo contrário, ele foi para lá CONSTRUIR UMA VISÃO porque, inexperiente que era, não tinha nenhuma.

Por isso, quando Kidd viu Giannis Antetokounmpo nos treinos, começou a ter uma ideia: dar a bola em suas mãos, torná-lo o armador principal do time e usar um elenco que curiosamente era recheado de jogadores longos, de braços gigantes, que poderiam jogar múltiplas posições. Jason Kidd vislumbrou um futuro de jogadores super-ultra-nutridos, gigantescos, capazes de correr a quadra sem parar e marcar em todos os lugares da quadra. A NBA poderia se livrar dos pivôs, claro, mas e se todos os seus jogadores tivessem o tamanho, a envergadura e a força de pivôs, isso não os colocaria um passo à frente do que os outros times estavam fazendo?

Aos poucos, Jason Kidd foi tornando Antetokounmpo armador principal, sem nenhum alarde, o time foi se acostumando, foram encontrando juntos maneiras de utilizar a envergadura e a versatilidade que possuíam e as habilidades de Jason Kidd foram todas se desenvolvendo nessa mesma direção. Antes de Kidd, o Bucks tinha ganhado apenas 15 partidas – depois de Kidd, o time venceu 41 jogos, e isso sem poder contar com Jabari Parker, recém-draftado com a segunda escolha, fora de toda a temporada com uma grave lesão. Com um plano que surgiu organicamente, o Bucks acabou a temporada na sexta colocação da Conferência Leste e conseguiu enfim disputar os Playoffs mais uma vez, com Kidd acabando em terceiro lugar para o prêmio de Técnico do Ano.

A temporada seguinte, no entanto, já não foi boa assim – lesões, falta de arremessos de três pontos e derrotas em jogos apertados não permitiram ao time chegar à pós-temporada. Mas na temporada passada voltaram mais uma vez aos Playoffs, ainda que outra vez sofrendo com as lesões de Khris Middleton e Jabari Parker, que não jogaram meia dúzia de minutos juntos.

Ou seja, o histórico de Jason Kidd é bom: ele foi aos Playoffs em 3 de suas 4 temporadas como técnico e tem cerca de 50% de aproveitamento nas partidas que comandou, um recorde digno para um técnico tão jovem. Sua contribuição para o Bucks é inegável, dando à organização e ao elenco uma visão, um projeto, uma maneira de usar o potencial desses jogadores pouco tradicionais que foram se acumulando na equipe nos últimos anos. Até que ele foi demitido na última segunda-feira e descobriu graças a uma ligação de Antetokounmpo, que ficou sabendo com antecedência e ligou indignado para seu técnico para tentar descobrir uma maneira de “salvá-lo”. Dizem que Antetokounmpo se ofereceu para falar diretamente com a diretoria para tentar impedir a demissão, mas foi desencorajado por Kidd. A decisão já estava tomada.

É verdade que embora ainda estivesse na zona de classificação para os Playoffs, o Bucks não vinha numa fase boa: tinham perdido 4 das últimas 5 partidas, e 7 das últimas 11 se olharmos mais longe. Isso, no entanto, não é justificativa nenhuma para a queda de um técnico. Justificativas melhores são a percepção de que Jason Kidd não está evoluindo com a mesma velocidade que o elenco – ou simplesmente que a diretoria não está disposta a esperar sua evolução.

Há algo de muito bonito nessa imagem de um professor que evolui junto com seus alunos, em que a hierarquia é desestabilizada em nome de uma aprendizagem total que acontece de maneira vertical, não horizontal. É interessante imaginar um Jason Kidd que constrói a própria identidade como técnico a partir das necessidades do seu elenco. É uma visão bastante romantizada da Educação, da relação entre professores e alunos. Já cansamos de ver filmes na “Sessão da Tarde” em que o professor descobre, no final, que aprendeu com os alunos tanto quanto parece lhes ter ensinado.

O problema é que o mundo real não dá conta dessa romantização. Alunos aplicados e afoitos por informação muitas vezes pegam professores despreparados de surpresa e não lhes dão tempo de ir aprender ou “construir” a informação. Existem momentos em que o professor é aquele que constrói pontes e não as queima depois de atravessar por elas, ajudando os alunos a atravessarem, e não há tempo para construir uma ponte completamente nova coletivamente – se fosse assim, toda sala de aula teria que novamente descobrir a roda, inventar a luz elétrica, e abrir mão de milhares de anos de conhecimento acumulado pela Humanidade. Na NBA, não há tempo de que o Bucks descubra, aos poucos e coletivamente, como lidar com o final das partidas. Os jogadores precisam confiar inteiramente que seu técnico sabe o que está fazendo, usar as pontes que ele construiu em anos de experiência como técnico – algo que Jason Kidd, infelizmente, não tem. Nessa temporada, Kidd já cometeu dois erros amadores em final de partidas, uma pedindo para seu jogador errar propositalmente um lance livre (quando a resposta certa era, ao contrário, que ele acertasse) e outra pedindo que seus jogadores fizessem falta quando a resposta evidente era que eles simplesmente tentassem defender. Kidd e seus jogadores, espero, aprenderam com esses erros. Foram leituras erradas em situações de pressão, coisas que um técnico calejado não teria que pensar – simplesmente usaria seu repertório pessoal e tomaria as decisões evidentemente corretas com a mais profunda naturalidade. Mas enquanto Kidd e seus jogadores aprendem, seu time perde – e perde também as “janelas de oportunidade”, aqueles momentos raros e curtos em que o Bucks pode ser verdadeiramente relevante e sonhar com uma Final de NBA.

Não é que com um técnico experiente o Bucks estaria no topo do Leste, mas existe uma compreensão geral de que o avanço da equipe não é rápido o suficiente para que ela possa sonhar com títulos nos próximos poucos anos em que Antetokounmpo estará garantidamente em Milwaukee. Não apenas às vezes o Bucks não avança rápido o bastante como também às vezes REGRIDE, o que aliás é uma marca importante da Educação. Aprender não é uma escada eterna para cima, é uma atividade cercada por obstáculos, dúvidas, regressões e superações. Mas quando lidamos com PRAZOS, esse processo pode não ser muito bem recebido: os avanços precisam ser constantes, medidos por uma série de escalas e estatísticas, e estar de acordo com as metas finais.

É aqui que Jason Kidd falhou: Antetokounmpo avançou demais e precisava de um técnico que cometesse menos erros, ao mesmo tempo em que os PRAZOS de Kidd se aproximavam do fim e o avanço do time não parece suficiente para alcançar as metas. É difícil confiar num professor que comete erros quando os resultados não aparecem na velocidade desejada. Jason Kidd parece estar sempre aprendendo em tempo real, ele não tem nenhum PADRÃO para lidar com a rotação dos jogadores e muitas vezes coloca para jogar no quarto período um jogador que ainda não entrou na partida. É evidente que ele aprende coisas com isso – com sorte ele aprenderá que isso é algo que NÃO SE DEVE FAZER – mas a sensação de caos enquanto o aprendizado acontece é desesperadora para quem está de fora e exige confiança. Uma confiança que fica sempre minada quando as decisões ruins de Kidd nos minutos finais das partidas se tornam notícia pública e motivo de chacota pela internet.

Acredito que Jason Kidd e o Bucks foram benéficos um para o outro: como a própria franquia admite, não dá para pensar na evolução de Antetokounmpo sem atribuí-la ao Kidd. Todos aprenderam muito nas duas últimas temporadas. Mas é inegável que Kidd simplesmente não estava pronto. Sua ideia de uma defesa agressiva e pressionada que use os atributos físicos dos jogadores é incrível, mas mal executada, gera cestas fáceis para os adversários e sobrecarrega Antetokounmpo, responsável por toda a cobertura defensiva e na maior parte das vezes o único defensor de aro da equipe. Seu plano de jogadores atacarem a cesta em velocidade é importante para usar o potencial físico do elenco, mas o Bucks é um dos times que joga mais devagar na NBA quando não consegue um contra-ataque, tornando a movimentação ofensiva muitas vezes previsível e repetitiva. Se lhe dessem mais tempo, Kidd provavelmente aprenderia com esses experimentos e executaria melhor seus planos. Mas não há tempo na NBA, não há tempo para o Bucks e certamente não há tempo para Antetokounmpo se ele quer brigar por títulos, mesmo que ele sofra por enquanto com a ausência de seu “velho mestre”. Os prazos e as metas urgem, não é mais hora de descobrir respostas, mas sim de entregar resultados.


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