>A história do outro lado

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São tantas piadas a serem feitas com essa foto que minha cabeça já pifou

Como disse rapidamente no post de ontem, a NBA tem sido lenta em negociar com a Associação dos Jogadores. Até agora os jogos mentais, provocações e declarações à imprensa tem dominado o cenário sobre a greve/locaute da liga. Mas muito do que a gente sabia havia sido dito pelos jogadores e por jornalistas e suas fontes sempre anônimas. Porém, na última semana o David Stern deu uma entrevista de mais de uma hora ao Bill Simmons, da ESPN, só sobre o assunto, e esclareceu muitas coisas sobre a opinião do outro lado da mesa de negociações.

O David Stern, além de comissário da NBA, é quem está representando os donos de times nessas negociações. Ele estar à frente é algo que eu entendo, mas discordo. Assim como os jogadores se uniram e escolheram representantes, Derek Fisher sendo o principal deles junto do advogado e ex-jogador da NFL Billy Hunter, os donos deveriam entrar em um consenso e escolher alguém para representá-los. O Stern, como representante da liga, seria o mediador. Afinal, a NBA é feita pelos times e pelos jogadores que os representam, as duas partes precisam de um acordo e do jeito que está agora parece que a NBA faz de tudo para agradar os donos e os jogadores são uns intrusos. Cada lado quer uma coisa e Stern, ao invés de tomar partido, deveria tomar cuidado para alcançar um bom meio termo para que todos os lados saiam satisfeitos. Hoje, em teoria, ele tenta a mesma coisa, mas como está representando os donos, os jogadores não botam tanta confiança no que ele diz.

Para entender o que o Stern fala é bom estar um pouco inteirado do que está acontecendo. Comecei a tentar explicar tudo com um post que concluía que o grande ponto de discussão entre as duas partes eram a divisão dos lucros em primeiro lugar e, só depois, a questão do teto salarial “duro” (o tal “Hard Cap“) e o atual modelo de “Soft Cap“, em que os times podem extrapolar o limite devido a algumas exceções na regra. Os que defendem o Hard Cap dizem que isso ajudaria os times de mercado menor e aumentaria a competitividade da NBA, mas esse será o assunto de um futuro post. Hoje cuidamos de detalhar o que os donos querem de verdade, o que David Stern tem a dizer sobre esse período de locaute e as dificuldades de comunicação encontradas até agora.

Como a questão é sobre dinheiro, gostaria de ter mais números para discutir o assunto, mas não é fácil. A NBA não divulga todos os seus dados, apenas solta, de vez em quando, alguns releases com números que não sabemos a procedência. Isso rendeu uma pesquisa independente da revista Forbes, que concluiu que a liga teve lucro de 183 milhões de dólares na temporada 2009-10. A NBA, em resposta, disse que na verdade o que houve foi um prejuízo de 340 milhões. Palavra de um contra a palavra do outro, acreditar em quem? David Stern afirmou a Bill Simmons que os jogadores tem acesso aos números que eles produziram e que não questionam mais, como fizeram no começo, a validade deles. A Associação dos Jogadores contratou seus economistas e parecem estar de acordo com o dito oficialmente pela NBA. Mas acusações de manipulação de estatísticas ainda rondam a área.

Segundo a Forbes, a NBA é “um negócio saudável e lucrativo”, a NBA diz que “a liga perdeu dinheiro em todos os anos do atual contrato da CBA e nunca operou no azul”. A diferença, para a revista, seria que a NBA estaria usando alguns truques na hora de contabilizar os números, para fazer com que alguns ganhos não sejam contados e assim a liga pareça menos lucrativa. A motivação para isso seria um pedido e pressão dos donos de times que, como divulgado em uma matéria de David Aldridge, teriam dito, sobre os jogadores, que estão “cansados de fazer esses caras ricos”. Eles dizem que se não fosse pela infraestrutura que a liga oferece, os atletas nunca teriam tanto dinheiro e por isso até uma porcentagem do dinheiro ganho em propagandas e contratos com empresas de material esportivo deveriam entrar no BRI, o PIB da NBA que é distribuído entre jogadores e equipes.

A acusação de que a liga está sim ganhando dinheiro, mas fazendo parecer que não, é pesada, mas faz algum sentido. Primeiro porque a maioria dos donos de equipes não são como Mark Cuban, um fã de basquete disposto a gastar dinheiro pra seu time ir bem nos playoffs. São na verdade homens de negócio que pulam fora e vendem a franquia quando acham que não dá pra faturar mais. Ou seja, são pessoas que seguem os princípios de mercado de que se não for para dar o máximo de lucro possível, não vale a pena.

E também faz sentido porque alguns números indicados pela própria NBA, aos poucos e ao longo dos anos, dão a entender que eles estão ganhando uma boa bolada. Os contratos de TV assinados há pouco tempo são os mais lucrativos da história, a NBATV hoje existe na maioria dos pacotes a cabo dos EUA, o League Pass é mais vendido do que nunca e agora atinge todo o mercado mundial junto com outros produtos relacionados à marca. Só a China, por exemplo, rende 50 milhões por ano à liga. A venda de ingressos só cresceu nos últimos 10 anos, 12% segundo números oficiais, 22% segundo a Forbes. E o BRI do último ano, segundo a própria NBA, foi de 3.8 milhões de doletas, é dinheiro demais. Como se gasta tantos bilhões de dólares assim? Com o quê? A NBA nunca divulgou como gasta seu dinheiro, apenas coloca a culpa nos salários enormes dos jogadores, que levam 57% do BRI.

Poderia ser a NBA, portanto, apenas um negócio mal administrado? Só os donos, com votos unânimes, podem tirar David Stern do poder, por que então eles se juntam a ele se o cara não consegue fazer uma liga que rende tanto dinheiro dar lucros? O fato é que até os próprios jogadores, com a exceção de Spencer Hawes até agora, também evitam falar mal do todo-poderoso comissioner. Nunca se sabe o dia de amanhã e muitos querem trabalhar dentro da liga (como comentaristas, assistentes, técnicos) quando se aposentarem e ter uma briga com o chefe tão bem relacionado não é um bom começo. E mesmo assim Stern disse que se acha mais atacado do que nunca, comentando inclusive aquela notícia de que ganha 23 milhões de dólares por ano. Na entrevista ele diz que o número mais real seria 1/3 disso, e que já cortou seu próprio salário em tempos de vacas magras.

Sobre as acusações do negócio ser mal administrado, Stern se foca no dinheiro que os jogadores ganham. Ao ser questionado se ele não deveria ter mais soluções criativas para ganhar mais dinheiro (o mais próximo de ser acusado de ser um mal administrador, Simmons sugere patrocinadores nos uniformes), Stern responde que tem sido criativo desde que entrou na NBA: O primeiro teto salarial era de 3 milhões de dólares por time, hoje beira os 60. A liga chegou até esse número porque cresceu, passou a render mais, foi inovador em contratos de TV, internet, em atingir o público global mas, nas palavras de Stern, “A cada dólar que faturamos, 57 centavos vão para os jogadores. Gastamos 50 centavos para render 1 dólar e 57 centavos vão embora logo depois, não dá para ter lucro assim”. 

A ideia que o líder da NBA tenta passar em toda a entrevista é que eles já fizeram de tudo para ter lucros, e que eles acreditam que estão fazendo o negócio acontecer do melhor jeito possível, mas que tudo o que chegam perto de faturar, acaba nas mãos dos jogadores. O salário médio de um atleta da NBA no último ano foi de 5.5 milhões de dólares, o que Stern disse ser “ridículo, é a união de trabalhadores com o salário médio mais alto no mundo”. E diz que os jogadores esquecem dos outros 5 mil funcionários, da liga e das equipes, que também ralam para a NBA acontecer e que também querem sua parte do bolo. Alguns desses, aliás, tem sido mandados embora mesmo com a promessa da liga de que não haveriam cortes de pessoal.

O David Stern deixou claro até demais (eu esperava mais mistério) a proposta deles para os jogadores e os motivos:

Divisão da receita da liga: Atualmente o sistema é 57% para os jogadores, 43% para a NBA. Stern quer deixar a divisão em 50-50, o que significaria para os jogadores abrir mão de 200 milhões de dólares por temporada nos atuais números. Segundo Stern é o único jeito da NBA ser um negócio lucrativo.

Diminuição dos anos de contrato: Os jogadores sempre dizem querer fazer um contrato para a carreira. Um com muito dinheiro e longa duração, imune à queda de produção e principalmente a contusões, o contrato que vai garantir a vida até depois da aposentadoria. Stern comenta de times que gastam demais com jogadores que não produzem nada, a ideia é que o máximo permitido para um contrato seja de 4 anos e não 6 como é hoje.

Quando comenta sobre isso Stern até fala de uma idéia que eu achei bem divertida. Dar a chance dos times quebrarem o contrato de um jogador em mais anos e assim abrir espaço na folha salarial. Ao invés de pagar 20 milhões para o Rashard Lewis esse ano, o Wizards poderia pagar 5 milhões por ano pelos próximos 4 anos. Eles ficam mais tempo com o jogador, pagam o que prometeram, mas abrem 15 milhões de espaço salarial para contratar alguém que possa jogar melhor. Só não vejo os jogadores aceitando isso, claro.

Pagar de acordo com a performance: Ele não dá detalhe de como seria esse sistema, mas seria algo que premiaria quem está jogando bem e daria menos dinheiro para quem está jogando mal. Uma reação clara aos donos de time cansados de ver o seu jogador mais bem pago não ser nem o terceiro melhor do time (ARENAS, Gilbert).

Hard Cap: Isso já estava claro desde muito antes da greve. Os times querem ter mais controle dos seus gastos e não querem enfrentar times que podem gastar mais do que eles. Mas, pra mim, os donos lutando pelo Hard Cap para gastar menos parece quando alguém está de regime e esconde os doces para não poder achar depois. É uma luta dos donos para se prevenir da própria incompetência.

Embora o David Stern tente fazer parecer que só aceitando tudo isso é que a NBA tem alguma chance de ser um bom negócio, é óbvio que vão ter que abrir mão de algumas coisas. Assim como os jogadores não podem abusar e ainda pedir aumento do salário médio, como o Stern disse que aconteceu. Já existem muitos empecilhos entre as duas partes e cabeça dura não deveria ser mais um.

Na semana passada haveria uma reunião entre as duas partes. Horas antes do seu início os jogadores mandaram dizer que só iriam comparecer se os donos aparecessem com uma proposta diferente da apresentada antes, a resposta foi de que eles tinham a mesma, mas que queriam conversar mesmo assim, argumentar sobre aquilo. Os jogadores se recusaram a ir e a reunião não aconteceu. O comissário insistiu que os jogadores não fizeram nada de errado, “estão em seu direito”, mas disse uma coisa que realmente é incontestável, “nunca se sabe que rumos tomarão uma conversa“. Nem que tivesse sido para falar “não” 100 vezes seguidas durante uma hora, os jogadores deveriam ter ido. Eles estão tão preocupados em se mostrar um grupo forte e unido que às vezes podem parecer só tolos.

Achei legal a entrevista do Stern, mas é muito difícil ficar do lado dos donos nessa questão. Quem faz a NBA ser interessante e um negócio atraente são os jogadores, por que eles não podem ficar com a maior fatia dos lucros? É uma discussão que me lembra aquela de com quanto os artistas deveriam ficar pela venda de cada disco e quanto ficaria com a gravadora. Por mais importância que a última tenha na divulgação, queremos que quem seja recompensado seja o artista, o talento. Será mesmo que só tirando essa “vantagem” dos jogadores é que a NBA, a melhor liga de basquete do planeta, disparado, teria alguma chance de ser lucrativa? Sério?

Isso me fez pensar bastante. Se a NBA que é a NBA, sem concorrentes no mercado de ligas de basquete, não consegue ter lucro, quem pode ter? Será que esse tipo de esporte pode ser rentável ou é um negócio fadado ao fracasso, a sobreviver com números ridículos? Pensar isso nos EUA deve ser uma loucura, mas existe um outro esporte famosos no resto do mundo que sobrevive há mais de um século sendo o que algumas pessoas chamam de “o pior negócio do mundo”, o futebol. O próximo post será uma comparação do mercado financeiro do futebol com o da NBA, tentaremos descobrir o que os dois mundos tem em comum e o que podem aprender um com o outro.

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