🔒A história tática da NBA – Anos 1980

Na parte anterior do nosso especial sobre a história tática da NBA falamos sobre os loucos anos 1970, quando haviam duas ligas importantes rolando ao mesmo tempo, um campeão diferente por ano e quando o show, o estilo e as enterradas passaram a fazer parte essencial do que era o basquete americano. Para onde fomos depois disso?

A história tática da NBA – Anos 1950 e 1960

A história tática da NBA – Anos 1970

Os anos 1980 são bem diferentes em parte disso: desde o fim dos anos 1970 que a ABA e a NBA já haviam se unido num campeonato só, e essa liga única finalmente voltou a ter times dominantes. A liga teve apenas 4 campeões de 1980 a 1990, com o LA Lakers vencendo 5 vezes, o Boston Celtics 3, o Detroit Pistons 2 e o Philadelphia 76ers uma. O Sixers poderia ter vencido de novo, mas foi parado pelo Celtics. O Lakers teve a chance de vencer ainda mais, mas também parou nos verdinhos, que foram finalmente superados pelo Pistons no fim da década. Embora o período tenha tido outros grandes times, são desses quatro que a gente lembra e são estes que eram imitados e que ditavam as tendências. Eram a Regina George do basquete oitentista: podem amar, odiar ou torcer contra, mas tudo rodava em volta deles.

Faça-se o parênteses aqui, porém, para lembrar do Denver Nuggets que quebrou recordes e mais recordes de pontuação ofensiva nesta década, do Milwaukee Bucks que ganhou mais de 50 jogos por tantos anos em sequência, do Atlanta Hawks que era ótimo em fazer o Celtics suar até o último jogo e o Dallas Mavericks que teve seu único time relevante sem Dirk Nowitzki neste período. Todos poderiam ter estar nas páginas de destaque da história se não batessem de frente com equipes tão dominantes. Que um dia o Museu de Relevância Temporária relembre dos feitos de cada uma delas.

Se algo chama a atenção nos anos 1980, quando comparado a outras épocas, é o aproveitamento dos arremessos. Vejam só essa lista com as médias de todas as temporadas da história da NBA, desde os anos 1940 até 2017, ranqueados pelo FG%, a porcentagem de acerto dos chutes:

Temporada FG%
1983-84 49,2%
1984-85 49,1%
1981-82 49,1%
1985-86 48,7%
1980-81 48,6%
1982-83 48,5%
1978-79 48,5%
1979-80 48,1%
1987-88 48,0%
1986-87 48,0%
1988-89 47,7%
1989-90 47,6%

Que fique claro, esse é o ranking da HISTÓRIA DA NBA. E todas as DOZE temporadas com melhor aproveitamento de arremesso estão entre 1978 e 1990. É algo surreal e que provavelmente não vai ser superado tão cedo, não em uma NBA que caminha cada vez mais em direção aos chutes de 3 pontos, que tem aproveitamento bem mais baixo.

Curiosamente, a linha de 3 pontos foi adotada na NBA justamente em 1979-80, mas sua importância tática naquela época foi praticamente nula. Sem muitos especialistas no tipo do arremesso e com muitos técnicos ainda céticos sobre essa mudança de regras, a média geral da liga no período de pouco mais de DOIS chutes e 3 pontos TENTADOS por jogo! Só no fim dos anos 1980 que cada time passou a tentar perto de cinco bolas de longe por partida. Ah, e a média geral de ACERTO das bolas de 3 pontos só passou de 30% um par de vezes.

Em resumo, portanto, a NBA dos anos 1980 tinham muitos arremessos de 2 pontos com o aproveitamento mais alto da história e poucos chutes de 3 pontos, com péssimo nível de acerto. Não à toa, o jogo dessa época era uma batalha de força, tamanho, velocidade e passes para se chegar o mais próximo possível da cesta. Se hoje dizem que o esporte está muito “não-me-toque” é porque a galera se acostumou a ver NBA nesse período onde metade da partida era luta física por posicionamento no garrafão.

Abaixo temos os melhores lances de um duelo clássico entre Sixers e Celtics nos Playoffs de 1981. Temos mais BRIGAS e PORRADAS EM TORCEDORES do que arremessos fora do garrafão. Não é brincadeira!

O objetivo de todo lance é chegar o mais perto possível da cesta, e vale tudo para isso. Se a defesa dá certo, o contra-ataque era um bom jeito de conseguir uma bandeja ou enterrada:

Os anos 1980 não eram como o começo dos 1960 ou mesmo os 1970, mas mesmo assim os jogos eram bem velozes, com mais arremessos tentados por partida do que nos anos 1990 e mesmo hoje em dia. No quesito “Pace“, que é um cálculo mais preciso para estimar o ritmo de uma partida, os anos 1980 só ficam atrás dos 1970. Nesse caso, porém, os 1960 nem entram na conta porque a equação precisa de dados que não eram contabilizados na época.

Para se ter uma ideia, em 1982-83, o ano mais com maior “pace” da década, o Denver Nuggets liderou a NBA com 97,5 arremessos tentados por jogo e, acreditem, 123 PONTOS DE MÉDIA!!! Para se ter uma ideia, em 2016-17, o líder da NBA em arremessos tentados foi o Detroit Pistons, com 88,8, e o líder em pontos foi o Golden State Warriors com 115 por partida. Lances como os acima, portanto, eram comuns. Quem podia, corria.

Em lances de meia-quadra era mais difícil achar espaços porque não tinha arremessadores atraindo a defesa na linha dos 3 pontos, o jogo era mais embolado. Mas a obrigação da defesa individual (marcação por zona ainda era proibida), fazia com que a intensa movimentação dos atletas de ataque obrigasse a defesa a abrir pequenos espaços, então explorados por infiltrações ou passes para quem estivesse no pivô. Às vezes passamos minutos vendo jogos onde TODAS as jogadas envolvem um dos times fazendo QUALQUER COISA para entrar no garrafão adversário, seja com infiltração, jogo de costas para a cesta ou passes nas costas da defesa:

O Boston Celtics brilhava nesse tipo de jogo porque tinha no garrafão um domínio defensivo, especialmente com Robert Parish, e também ofensivo, com o excelente Kevin McHale. Aí o diferencial era Larry Bird, alguém capaz de pontuar lá dentro garrafão, abrir espaço com então raríssimos arremessos de média e longa distância e ainda achar passes GENIAIS para qualquer um. A chegada, anos depois, de Bill Walton, mesmo que já punido por lesões, adicionou um pouco mais de todos esses talentos. O resultado é o Celtics de 1986, um dos grandes times da história da liga e talvez o exemplo máximo de como o basquete dessa década podia ser jogado:

Ah, e o quanto era fantástico Kevin McHale no garrafão? Vale separar uns minutinhos para a aula e para entender a razão para o Celtics ser tão obcecado em dar a bola para ele sempre que possível. Incrível que hoje não temos caras com esse tipo de talento e muito menos vemos times capazes de colocar um mesmo jogador tantas vezes com a bola tão perto da cesta:

Mas o time que mais venceu na década foi o Los Angeles Lakers, outro time que ditou moda e brilhou pela excelência nos estilos que determinaram como o jogo era disputado nos anos 1980. A presença de Magic Johnson fez com que nenhum outro time fosse tão bom em transformar turnovers ou rebotes em contra-ataques mortais…

E essa era uma identidade do time como um todo, que abusava dos contra-ataques mesmo quando o armador não estava em quadra. Abaixo, o Denver Nuggets vacila duas vezes e vê os dois erros virarem cestas fáceis:

E se o time fosse obrigado a jogar na meia quadra, enfrentando uma defesa a postos? Bom, ajudava ter o MAIOR PONTUADOR DE TODOS OS TEMPOS dando os ganchos mais indefensáveis que alguém pode imaginar. Quando Kareem Abdul-Jabbar é seu mero escape ofensivo, você está em ótima situação:

A década onde todo mundo tinha um aproveitamento surreal de arremessos, porém, uma hora tinha que acabar. O jogo, que ficava cada vez mais físico e pegado pela quantidade absurda de jogadores dentro do garrafão, estava também ficando mais violento. Mais faltas duras, menos cestas fáceis e mais porradas para alguém ir lá “fazer por merecer” os pontos na linha dos lances-livres.

Pensando em retrospecto, era praticamente inevitável que eventualmente algum time levaria isso para outro nível. Afinal, como mais lidar com os times de super estrelas como Los Angeles Lakers e Boston Celtics se não dava pra ter um elenco como o deles? O responsável por essa pequena revolução foi o Detroit Pistons, que decidiu que era hora de cortar bruscamente a velocidade do jogo do jogo veloz dessa época e dar um jeito, seja lá como for, de impedir estrelas de marcarem 40 pontos e times de continuarem acertando mais de 50%. Só que talvez eles tenham exagerado um pouco na força…

Taticamente não haviam muitas soluções espalhafatosas, já que a defesa tinha que ser individual e a marcação dupla só podia ocorrer em quem estivesse com a bola na mão. O que o Pistons fazia era executar essa dobra na hora certa, ter ótimos defensores individuais para fechar o garrafão (o local SAGRADO dos anos 80!) e limitar os contra-ataques fazendo uma rápida transição para a defesa. No meio disso, nenhum medo de fazer faltas e testar os limites da arbitragem e da paciência do adversário. A força física, o “basquete de macho”, foi a alternativa para mudar a cara do basquete que estava ficando nas mãos dos mesmos times.

Abaixo temos dois lances que mostram algumas características básicas da defesa do Detroit Pistons na Final de 1989 contra o LA Lakers. Na primeira é possível ver como Isiah Thomas espera o momento certo para dobrar a marcação sobre um IDOSO Kareem Abdul-Jabbar e atrapalha completamente o seu gancho:

Neste outro lance, o time é absurdamente rápido para voltar para impedir um contra-ataque, forçando uma ação de meia quadra. Lá fazem algo que era pouco executado na época, uma defesa alta, pressionada além da linha dos 3 pontos. Isso atrapalha o passe para o garrafão, tira velocidade e espaço para infiltrações dos armadores. É legal ver como o mesmo Isiah Thomas volta para impedir o contra-ataque, pressiona o passe, depois corre para o garrafão para atrapalhar o arremesso e ainda corre de volta para contestar um chute de longe após o rebote ofensivo:

Neste último lance vemos de novo mais um pouco de tudo: o LA Lakers não consegue puxar contra-ataque porque o Pistons retoma sua defesa em segundos; depois a pressão no perímetro empaca os passes e o time rival não consegue sequer colocar a bola onde quer, no garrafão:

Neste ano do primeiro de seus dois títulos, em 1988-89, o Pistons foi o time mais lento da NBA inteira. Além de poucas posses de bola por jogo, o time ainda cedia poucos rebotes de ataque (6º melhor da liga no quesito) e forçava um aproveitamento de 44% nos arremessos adversários, 2ª melhor marca da temporada. No meio da correria da época, era um raro time que forçava partidas arrastadas onde os dois times gastavam bastante tempo para arremessar. Ir para um lado quando todos iam para outro rendeu dois troféus.

O sucesso do Detroit Pistons não é tão comentado hoje em dia porque, vamos falar a verdade, ninguém era lá tão fã deles. Os caras eram os Bad Boys, como eles mesmo se definiam, os vilões. Venciam por deixar feios os times que a gente gostava e é difícil negar que muitas vezes foram sujos e desleais. Mas foi a equipe responsável por mostrar o poder de um basquete diferente: a década seguinte foi marcada por uma NBA mais lenta, absurdamente física, com machões brotando para todo lado e com o maior deles, Michael Jordan, dizendo que só chegou onde chegou porque passou pelo vestibular de enfrentar esse time do Pistons. Era a hora deles serem imitados: em 1989 o Detroit Pistons criou o basquete dos anos 1990.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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