>A máquina sem peças

>

“Por favor, não tire o Kidd do meu lado ou perceberão que eu fedo, amém.”
Como acabei não postando ontem por pura e indesculpável preguiça, resolvi que hoje vou me punir e, por isso, vou falar do San Antonio Spurs. Toda hora tem alguém me perguntando no “Both Teams Played Hard” o que diabos aconteceu com o time nessa temporada, e o desespero dos fãs é compreensível: o time sempre foi chato, mas pelo menos ganhava jogos. Agora que não ganha mais, os torcedores ficaram com uma bomba nas mãos.
A primeira dificuldade do Spurs nessa temporada tem sido a falta que faz Bruce Bowen. Sua saída da NBA tornou o mundo um lugar melhor, os pássaros cantam, as borboletas voam e as pessoas mandam dinheiro para o Haiti, mas sua defesa forte, suja e eficaz era essencial para o esquema tático da equipe. O Spurs tem uma impecável rotação defensiva e sabe colocar em prática muito bem uma série de defesas por zona, desde que a estrela adversária esteja sendo defendida no mano-a-mano pelo Bowen. A maioria das pessoas não imagina o impacto que sua aposentadoria causou na estrutura defensiva da equipe, e essa dificuldade já vem desde a temporada passada, quando ele não tinha mais físico para segurar os armadores adversários e começou a passar mais tempo no banco de reservas. Havia por baixo dos panos, em San Antonio, o sensacional “projeto Ime Udoka” que pretendia substituir Bowen por um jogador com as mesmas características. Udoka foi roubado do Blazers e cultivado com carinho por ser um excelente defensor capaz de marcar jogadores de todas as posições e ainda por cima acertar arremessos de três da zona morta – marca registrada de Bowen. Ainda não sei bem o que aconteceu, se o Udoka é pior do que parece, se ele não entendeu o esquema do Spurs ou se ele cutuca o nariz, o técnico Popovich é muito chato e acaba afundando uns jogadores sem que nunca saibamos o que está acontecendo. Mas o projeto obviamente foi abortado, o Udoka foi pra rua e o Spurs ainda não sabe como marcar Kobes, LeBrons, Nashs e Carmelos – o que explicita ainda mais as deficiências defensivas de Tony Parker e Ginóbili, que ficavam camufladas num sistema em que precisavam fazer menos e se posicionar mais.
As bolas de três pontos da zona morta também fazem uma falta brutal para o Spurs. Por muitos anos, foram um dos aspectos mais fundamentais da movimentação ofensiva da equipe. É impossível marcar o Duncan no garrafão, um armador penetrando, e conseguir cobrir as zonas mortas da quadra ao mesmo tempo. Não dá pra contar quantas vezes alguns times marcaram o Spurs perfeitamente, para então serem mortos pelos arremessos de três do Bowen, o cara de quem ninguém se lembrava (até ele quebrar seu pé). Quem assumiu essas bolas com sua aposentadoria, em geral, foi Roger Mason. Ele quebra um galho, mas além de sua inconsistência e tendência a fazer merda no final dos jogos, ainda há sua dificuldade com a zona morta. Mason é um bom arremessador de três pontos, mas prefere outras regiões da quadra para arremessar.
Esse simples fato explica o maior mérito e a maior dificuldade do Spurs: o técnico Gregg Popovich. Sem dúvida nenhuma ele desenhou um esquema maravilhoso, impecável, campeão, chato pra burro, que ganhou vários anéis de campeão. Mas o esquema não é maleável, não depende de que jogadores estão no time ou em quadra. O esquema é aquilo que ele é, cabe aos jogadores se encaixarem a ele. Quando o Tony Parker chegou na NBA, confessou que se focava nos contra-ataques porque era o único jeito de pontuar sem que o Popovich percebesse e ficasse bravo com ele. Quando penetrava no garrafão, as ordens eram para passar a bola para os lados – alimentando os jogadores de garrafão ou a zona morta – e não tentar uma bandeja. Quando arremessava de três, o Popovich surtava no banco de reservas, chegando ao ponto de limitar seus arremessos de fora para apenas um ou dois por jogo – se arremessasse mais do que isso, ele seria punido. Parker, então, comia pelas beiradas. Usava sua velocidade apenas nos contra-ataques, guardava aquilo que fazia de melhor porque não se encaixava na tática do time, e foi aos pouquinhos se soltando em quadra. Depois de um tempo, Popovich foi permitindo ao Parker finalizar mais, pontuar mais, mas nunca soltou as rédeas. O mesmo aconteceu com o Manu Ginóbili, mas como o argentino fazia suas maluquices para salvar o Spurs de situações terríveis, o Popovich foi aos poucos confiando nele – ainda que eu tenha visto ele ir parar no banco por algum drible mais plástico ou a insistência de tentar driblar a dupla-marcação. Lembro também de uma entrevista do técnico do Spurs afirmando que seu coração morria um pouquinho toda vez que o Ginóbili pegava na bola, mas que não tinha outro jeito. Aos poucos, foi dando certo.
Mas o resto do elenco, sem tanta moral, jogo de cintura ou personalidade, vai se anulando para encaixar no esquema do Popovich. O esquema é sempre o mesmo, o Spurs não era o time mais regular da década passada à toa. Todo jogo era perfeitamente idêntico ao anterior, o que garante ao time uma tranquilidade e segurança que permite estar perdendo por 20 pontos no último período e ainda saber que vai dar tudo certo. O Duncan não teria aquela cara de “vou tirar um cochilo no meu travesseirinho” se ficasse nervoso no final das partidas. Mas e quando o time não tem as peças para rodar o esquema? E quando é preciso mudar o jogo, quebrar um galho, lidar com as lesões? É aí que o Popovich se afunda e o Spurs despenca pelas tabelas.
Richard Jefferson foi trocado por dois contratos expirantes e todo mundo babou dizendo que o Spurs agora era forte candidato ao título. O problema é que Jefferson jogava bem no Nets no contra-ataque, usando sua velocidade, ao lado de Jason Kidd. Ainda assim, faltava agressividade e recursos para ser a primeira opção ofensiva, ele sempre se contentou em ser a segunda ou terceira. Nos seus melhores dias, era comum o pessoal debater se o Richard Jefferson conseguiria segurar um time sozinho (assim como se fala bastante do Tayshaun Prince) assim que passasse a ser a principal arma no ataque. No Bucks, sem Kidd e num jogo mais lento, não funcionou. Jefferson é limitado, seu arremesso é inconsistente, e sua defesa é apenas razoável – e isso quando ele está interessado em jogar na defesa. No Spurs, sua defesa deveria substituir Bruce Bowen, seus arremessos de três deveriam vir da zona morta. É claro que isso não funcionou, ele só serve se for a terceira opção de um time que corra muito e use sua capacidade atlética. Restringido pelo chato e briguento do Popovich, Jefferson foi apagando e passando a bola de lado ao ponto de terem que pedir por favor para ele ser mais agressivo. Quando passou a ser, o esquema tático do Spurs ficou todo bagunçado e o time piorou drasticamente. O mais incrível com o Jefferson é que, por causa disso, ele vem piorando seus números e suas atuações mês a mês, desde o começo da temporada. Esse é o problema desses esquemas que não se adaptam aos jogadores e exigem peças específicas: o Richard Jefferson não encaixou, então não há salvação. Pode dar a descarga.
Tá bom que ele veio pro Spurs quase de graça, o time não perdeu nada, mas os contratos expirantes mandados para o Bucks permitiriam à equipe de San Antonio brincar de contratar alguém da imensa lista de jogadores talentosos que terminam contrato nessa temporada. Nos últimos anos, essa tem sido a tônica do Spurs ao contratar jogadores: eles não perdem nada, mas deixam de ganhar muito. Richard Jefferson não funcionou e tirou deles a chance de conseguir algo melhor ao fim da temporada; Luis Scola era apenas uma escolha de segunda rodada que eles mandaram para o Rockets em troca de um jogador que preferiu voltar para a Europa; e a equipe deixou de draftar Josh Howard ou Leandrinho porque preferiu mandar a escolha pro Suns para não se comprometer financeiramente e ter grana para tentar contratar o Kidd (que no fim das contas preferiu ficar em New Jersey). Ou seja, o Spurs não perdeu nenhum grande jogador do seu elenco numa troca idiota, mas deixou de ter Leandrinho, Scola, e alguma estrela pro ano que vem.
Aliás, esse lance do Kidd não ter topado ir para San Antonio é sintomático: não apenas a cidade é famosa por ser meio chata (a cara do time!), mas o Popovich é famoso por ser um pentelho. Muitos jogadores sabem das restrições do sistema tático e além do medo de acabar não se encaixando, ainda tem a óbvia queda na produção e nos números do jogador, que dificultam um contrato depois. Quando o Kidd foi trocado para o Mavs e teve que se encaixar num esquema tático que lhe fazia tocar a bola de lado, ficou bem claro como grandes estrelas podem sofrer quando são mal utilizadas. Não acho que teria sido muito diferente no Spurs, o Kidd não teria nunca rendido como poderia em outros formatos, e nem acho que ele teria algo a acrescentar à equipe nesses moldes.
Essa busca constante do Spurs por regularidade, jogadores encaixados e constantes, tem sofrido ainda mais por culpa das contusões. Tony Parker já passou um tempão fora da temporada com uma torção no tornozelo, lesão grave no quadril, gripe e até uma intoxicação alimentar. Agora, como se não bastasse, acabou de quebrar a mão e deve passar até 6 semanas parado. O Ginóbili também se machucou e ficou doente, mas pelo menos agora está jogando em alto nível, assim como aconteceu com o Duncan. O tempo em que o time passa sem qualquer um dos três é desastroso, e só não foi pior porque o Spurs conseguiu bons imitadores para substituí-los. George Hill é um armador pirralho que lembra muito o Parker, mas é mais físico, mais forte e melhor defensor – e o mais importante, é obediente e o Popovich se apaixonou. O novato DaJuan Blair, que deveria ter ganho o prêmio de MVP no jogo dos novatos do All-Star, é um monstro no garrafão e segurou as pontas da equipe toda vez que o Duncan não jogou ou teve minutos limitados. Os dois são o futuro do Spurs e serão grandes jogadores, se encaixam no esquema tático e se sentirão em casa pela próxima década. Mas não há substituto para o Bowen, não há substituto para o Ginóbili porque faltam outros pontuadores na equipe. Richard Jefferson não serve em nenhum dos papéis, ele depende imensamente de um armador que corra e distribua a bola, coisa que o Parker nunca vai fazer e sequer faria sentido no modo com que joga o Spurs.
Uns anos atrás, eu sabia que o Spurs ganharia sempre do mesmo jeito, com as mesmas jogadas e a mesma defesa. Agora, cada jogo é uma surpresa, um tropeço diferente, uma lesão nova, um reserva com mais minutos, uma total falta de ritmo ou regularidade. Para um time que se acostumou a ser constante e sereno como a cara de bunda do Duncan, esses tempos de novidade são terríveis. A equipe precisa compreender que, pela idade avançada de seus jogadores, jamais terá de volta aquela constância se mantiver o mesmo elenco – sempre alguém estará contundido. Por outro lado, mudar o elenco é a parte mais arriscada de um esquema tático tão fixo. O Spurs parece preso num paradoxo terrível que me permite dormir tranquilo sabendo que eles não vão ganhar nada nos próximos anos. O único problema é que sem esse time chato para torcer contra, os playoffs vão ficar muito mais chatos! Não contem pra ninguém que eu disse isso, mas torço para que o Spurs se recupere logo. A primeira chance para isso acontecerá ao fim da temporada, quando o contrato do Ginóbili termina e a equipe terá que decidir se assina novamente o argentino ou traz outro jogador disponível. A questão é complicada, mas sabemos que desse jeito o Spurs vai mal das pernas. Manu pode até ter umas partidas sensacionais daqui pra frente e salvar a equipe, mas nos playoffs não há chances sem aquela consistência que fez história, sem a defesa que parou tantas vezes o Nash na base da porrada. O Spurs precisa de culhões para tomar decisões importantes, algo terrível de se fazer quando os torcedores são tão mal acostumados. Quem aí, torcedor do Spurs, está disposto a ver o time fazer mudanças drásticas e feder por uns tempos, e ainda seria capaz de acompanhar os jogos sem dormir ou tentar a forca?

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.