🔒A questão das faltas técnicas

Na semana passada, DeMarcus Cousins recebeu uma falta técnica, ameaçou partir para cima do juiz, foi contido por seus companheiros e imediatamente expulso do jogo com uma segunda falta técnica. Aguardando julgamento da NBA para saber se Cousins receberia um jogo de suspensão pela ameaça física ao árbitro além das faltas técnicas, o general manager Vlade Divac conversou com Cousins e o tranquilizou dizendo que, ao seu ver, o jogador não havia feito nada de errado.

A conduta do Cousins não é recente: em todas as suas cinco temporadas completas até agora ele ficou entre os cinco jogadores que mais cometeram faltas técnicas. Como novato foram 15 delas, bom para um quinto lugar. Em seu segundo ano, a temporada encurtada pela greve, foram 12 faltas técnicas, suficiente para o segundo lugar na Liga. Na temporada seguinte ele enfim foi líder da NBA com 17, posto que ele repetiu em seguida com 16. Para a temporada 2014-15, Cousins decidiu que iria parar com essa bagunça e colocou como objetivo pessoal receber apenas 5 faltas técnicas ou menos. CINCO OU MENOS. Resultado: levou 14, terceiro lugar na Liga atrás de Markieff Morris com 15 e Russell Westbrook com 17, ambos lendários por bater boca com árbitros. Nessa temporada nova, Cousins já tem 6 faltas técnicas, empatado em segundo lugar. Justamente por isso é tão curioso que Vlade Divac passe a mão na cabeça do seu pivô dizendo que nada foi feito de errado – o que temos aqui é um comportamento constante, sistemático, que não apenas gera lances livres gratuitos para o adversário como também acarreta em expulsões e suspensões que deixam frequentemente o Kings sem seu melhor jogador.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”‘Mãe, ele me bateu!'”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Cousins.jpg[/image]

Na NBA, duas faltas técnicas para um mesmo jogador durante um único jogo geram uma expulsão. Um total de 15 faltas técnicas ao longo da temporada geram uma suspensão automática, com uma nova acontecendo a cada duas faltas técnicas a partir daí. Nos playoffs, 7 faltas técnicas acumuladas são suficientes para gerar a primeira suspensão. Além disso, cada falta técnica dá ao time adversário um lance livre a ser cobrado pelo jogador que o time beneficiário preferir e mais a posse de bola após a cobrança. Para completar ainda há a bizarra punição extra-jogo, a famosa multa paga à NBA: 2 mil dólares para cada uma das 5 primeiras faltas técnicas de um jogador na temporada, 3 mil dólares para as próximas 5, 4 mil dólares para as faltas técnicas de 11 a 15, e 5 mil dólares para cada falta técnica a partir disso.

Essas faltas técnicas são dadas para coibir condutas “anti-desportivas”: provocar ou humilhar adversários, desrespeitar árbitros, sair na mão com alguém, fingir faltas, pedir tempo técnico sem ter nenhum sobrando, se pendurar no aro sem a intenção de escapar de uma trombada, e atrasar o jogo por duas vezes no mesmo jogo impedindo o adversário de cobrar rapidamente lateral ou saída de bola. A torcida arremessar algo na quadra ou exagerar em barulhos artificiais como cornetas (alguém ainda se lembra do inferno das “vuvuzelas“?) também acarreta em falta técnica contra o time da casa. Há uns 5 anos, a NBA também passou a permitir que árbitros dessem uma falta técnica para jogadores que reclamem de faltas marcadas ou não marcadas – algo bastante subjetivo, já que só as reclamações mais afrontosas são punidas, num critério que varia de juiz para juiz e que acaba levando em consideração a história do juiz com alguns jogadores em especial.

Como árbitros são seres humanos (mais complicado ainda: são seres humanos COM PODER), aquilo que pode ofendê-los ou não é altamente variável e leva em consideração ao mesmo tempo as orientações da NBA, suas experiências pessoais e seus conhecimentos prévios sobre os jogadores. Se alguém que nunca leva faltas técnicas se aproxima de um juiz para conversar, ele certamente será bem recebido; se o Rasheed Wallace, recordista da história da NBA com 317 faltas técnicas na carreira, se aproxima, o juiz já começa a tremer, suar, espumar pela boca e dá uma falta técnica por puro reflexo de auto-preservação. Caso famoso: o Rasheed Wallace sendo expulso de um jogo por ter ficado parado olhando para um juiz, numa clara tentativa de lhe SUGAR A ALMA com os olhos.

Também tem aquele caso clássico do Tim Duncan ter sido expulso uma vez por RIR de uma falta no banco de reservas. Pode até parecer absurdo, mas levemos o histórico em consideração: o Tim Duncan passa 10 anos sem conseguir MOVER OS MÚSCULOS DA FACE, e de repente tá lá GARGALHANDO de uma marcação de falta – só pode ser afronta ao juiz, né?

Isso nos leva à conclusão de que jogadores que contestam as marcações do árbitro, que discutem com frequência, que demonstram seu descontentamento na linguagem corporal, ou que provocam frequentemente seus adversários acabam ficando “marcados”: os árbitros vão entrar em quadra já de olho nesses jogadores, perceberão com mais atenção suas ações e terão menos paciência com suas atitudes. É o famoso “fez a fama, deita na cama”: depois de um histórico com um par de juízes, os outros acabarão julgando inconscientemente baseados nesse histórico. É difícil se livrar de uma imagem atrelada, especialmente quando ela é a respeito de um comportamento. Então quanto mais faltas técnicas você recebe, maiores as chances de você receber mais delas – a não ser que exista um esforço hercúleo de afastar-se dos árbitros para iniciar uma mudança de percepção ao redor da Liga.

A tentativa de DeMarcus Cousins de limitar-se a 5 faltas técnicas foi um fracasso completo – aliás, por que haveria de ser bem-sucedida se os engravatados não percebem nenhum problema em seu comportamento? Mas Russell Westbrook, líder em faltas técnicas na temporada passada com 17, disse ter passado um tempo considerável de suas férias assistindo a vídeos de suas punições para perceber os erros que estava cometendo: linguagem corporal, expressões faciais, distância com que conversava com os árbitros, etc. Nessa temporada está fora da lista dos 10 jogadores com mais técnicas, o que é ao menos um avanço e deve impedir que ele lidere a Liga mais uma vez. Sua intenção é, claro, impedir que o time fique sem ele em quadra, levando em conta a importância que ele tem para o bom funcionamento da equipe.

Mas nem todos os jogadores e equipes estão interessados em diminuir as faltas técnicas – alguns querem aumentá-las! Benjamin Morris, do fantástico site FiveThiryEight, fez uma extensa pesquisa que associou o número de faltas técnicas que um time comete com o número de vitórias que esse time consegue na temporada. A enorme maioria dos times que estão no topo em número de faltas técnicas também estão no topo em número de vitórias: dos 27 times com mais vitórias desde 1982, dois terços deles cometem mais faltas técnicas do que a média da Liga – número esse que é puxado para baixo pelo Spurs, um dos times que menos recebe faltas técnicas na NBA e a exceção à regra. Os números coletados por Benjamin apontam para duas possibilidades: ou os times com mais vitórias jogam de maneira mais intensa e séria e acabam recebendo mais faltas técnicas no processo, ou os times que cometem mais faltas técnicas acabam aumentando com isso o número de vitórias. Todo o processo de análise parece tender para a segunda opção, com as faltas técnicas levando progressivamente a um aumento de desempenho das equipes.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Perkins não se importa de levar faltas técnicas porque ele está morto por dentro”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Perkins.jpg[/image]

A explicação para esse fenômeno é o que costumo chamar de “Efeito Kendrick Perkins”: um jogador é capaz de chegar a uma nova equipe, como Kendrick Perkins no Thunder, e garantir aos jogadores um grau maior de competitividade puramente simbólico com base em sua atitude. Perkins deixou bem claro quando chegou a Oklahoma que seus colegas de equipe não precisavam mais temer sofrer abusos físicos dos defensores adversários pois esses abusos seriam devolvidos do outro lado da quadra. Times pouco físicos costumam sofrer faltas muito duras até que por desgaste natural acabem se afastando do garrafão – quando essas faltas duras são devolvidas do outro lado, o jogo se equilibra tanto por função do desgaste imposto igualmente aos adversários, quanto pelo aspecto psicológico de ser mais difícil de bater em um time combativo. Perkins era o responsável por fazer faltas mais físicas de um lado e por levantar seus companheiros imediatamente caso sofressem faltas duras do outro – uma demonstração de que “não doeu”, de que o contato não abalou ninguém. Além disso, o pivô batia boca e ameaçava os adversários, contestava as marcações dos árbitros e motivava a equipe física e verbalmente. Ficou marcado pelos árbitros como alvo de faltas técnicas e marcado pela torcida como “bebê chorão”, mas isso não importa: a transformação que ele trouxe para a motivação e a intensidade do Thunder foi um legado inestimável. Ficar marcado até servia para proteger os seus companheiros de virarem alvo dos árbitros. Quando ele saiu da equipe, a mesma postura continuou nas mãos de Russell Westbrook, Kevin Durant e Serge Ibaka. Tirando os exageros do Westbrook que acabam gerando expulsões e atrapalham a equipe, as faltas técnicas e flagrantes que os três acumulam são extremamente benéficas para a moral da equipe. A média de pontos cedidos ao adversário por falta técnica (0.85) é muito inferior ao ganho geral – tanto estatístico quanto na imagem – que a equipe recebe desse tipo de motivação e proteção (tanto do aro quanto dos corpos). Até mesmo o Spurs – penúltimo colocado em faltas técnicas na temporada passada, com apenas 8 cometidas pelos seus jogadores – tem o Popovich, o sétimo técnico com mais faltas técnicas na temporada, para contestar as marcações dos árbitros e manter o time motivado no processo. Se o objetivo da NBA é minimizar as condutas dignas de faltas técnicas, fica claro que estão fazendo um péssimo trabalho – as punições em quadra não são suficientes para que elas deixem de valer a pena em todas as circunstâncias. É por isso que recentemente a NBA passou a analisar as faltas técnicas após os jogos de modo a gerar suspensões maiores e multas maiores de acordo com a gravidade da ação – ou eventualmente até cancelar a falta técnica ou a expulsão, quando a Liga entende que o árbitro cometeu algum equívoco ou exagero.

DeMarcus Cousins recebe apoio dos engravatados para continuar contestando árbitros porque a direção da equipe entende que isso é benéfico para o time. Alguém precisa intimidar adversários, injetar competitividade, colocar os juízes em xeque e ser o porta-voz da equipe nas reclamações, e calhou de que a personalidade do DeMarcus Cousins é perfeita para isso. O único problema é que Cousins ficou tão marcado pelos árbitros que seu comportamento exagerado e caricato o tornam um alvo fácil demais para faltas técnicas. Quando a equipe recebe a punição do lance livre mais perda da posse de bola sem receber nenhum tipo de benefício simbólico no processo – apenas a frustração de ganhar uma falta técnica aleatória, fruto de uma risada ou de um meandro de cabeça – então a postura não vale mais a pena.

Com 65 faltas técnicas na temporada passada, o Houston Rockets se consolidou como um time “bad boy” que contesta os adversários e joga duro – as faltas técnicas que Dwight Howard ganhou por ficar choramingando sem propósito poderiam ter sido evitadas, claro, mas o restante delas tornou o Rockets o time chato a ser vencido, e que só foi cair na Final do Oeste. Mas com 84 faltas técnicas na temporada passada, isolado na liderança do quesito, o Los Angeles Clippers ultrapassou essa linha do “bad boy” e adentrou o perigoso terreno da punição aleatória. Não há dúvidas de que o Clippers é um time que ninguém quer enfrentar: eles são físicos, chatos, pulam no seu pescoço, tomam porrada e todo mundo vem ajudar a levantar, não se intimidam e contestam todas as jogadas. Mas chegou num ponto em que os ÁRBITROS não querem apitar jogo do Clippers de tão chatos que eles são. É do Clippers e piscou um olho? Dissimulação, falta técnica. Assobiou? Falta de profissionalismo, falta técnica. Pendurou no aro para não criar uma CRATERA no chão? Exibicionismo, falta técnica. Na temporada passada, DeAndre Jordan, Matt Barnes e Blake Griffin ficaram no Top 10 de faltas técnicas da Liga, e o Doc Rivers foi o segundo técnico com o maior número dessas infrações. Nessa temporada, DeAndre Jordan e Blake Griffin colecionam juntos 14 técnicas, quase o mesmo número total que o segundo time que mais comete faltas técnicas inteiro, que é o Bucks com 15. Muitas delas vieram em jogos completamente perdidos, com o Clippers 20 pontos atrás no placar, e são fruto de frustração, não de motivação ou intimidação do adversário.

[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Montagem do ‘Got’em coach’: Blake Griffin nunca acredita no que está acontecendo”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2015/12/Griffin.jpg[/image]

A falta técnica, assim como uma falta comum, é um mecanismo que precisa ser pesado dentro do jogo: por vezes, fazer uma falta é melhor do que sofrer um contra-ataque, da mesma forma que uma falta flagrante pode ser melhor do que ter seu garrafão invadido em toda posse de bola, ou uma discussão com o juiz pode ser melhor do que ele não perceber que a regra de 3 segundos está sendo ignorada pelo adversário em toda posse de bola, por exemplo. É tudo uma questão de analisar e gerir os riscos, os ganhos e as perdas na hora de cometer uma falta técnica. Ela não pode ser fruto de destempero, descontrole ou frustração, mas sim um ato controlado e escolhido de interferir no resultado do jogo, na atitude da própria equipe e dos adversários, e de se comprometer com a seriedade da disputa. Dono do Mavs, Mark Cuban sabe disso bem e sempre acumulou faltas técnicas para si mesmo e pagou do próprio bolso faltas técnicas dos seus jogadores – desde que elas não fossem COMPLETAMENTE ESTÚPIDAS, claro. O que falta para DeMarcus Cousins, portanto, é alguém que saiba pesar quais faltas técnicas ele deve ou não deve levar, quais condutas dele em quadra ajudam ou atrapalham o time. Se a intenção do Kings é ser “bad boy”, essencial para que os adversários te levem a sério e não te usem de saco de pancada, é preciso tomar cuidado para não cruzar a linha e virar o Clippers, o time mais chorão da NBA e que prejudica a si mesmo muito mais do que se beneficia.

Quando as estatísticas – e o “Efeito Kendrick Perkins” – mostrarem que faltas técnicas são desejáveis para aumentar o número de vitórias de uma equipe que não é levada a sério, lembre-se sempre que existe o outro lado: Tracy McGrady chutando duas bolas para a torcida, levando duas técnicas na cabeça e conseguindo um total de ZERO COISAS no processo. Parabéns aos envolvidos.

T-Mac batendo tiros de meta: nunca esqueceremos.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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