A separação

Há alguns anos, pensar em Dwyane Wade fora do Miami Heat era uma piada. Algumas coisas na NBA nunca mudam: Kobe Bryant joga no LA Lakers, Tim Duncan no San Antonio Spurs, Dirk Nowitzki no Dallas Mavericks e Wade, claro, no Heat. Em uma franquia relativamente jovem, ele era o seu principal rosto, nome, recordista e dono de três anéis de campeão. Se hoje a franquia é considerada um exemplo de gestão vitoriosa, Wade é parte essencial disso. Falar de Wade fora dessa franquia era, repetimos, uma piada. Uma que o próprio jogador resolveu fazer na televisão:

Quando aconteceu, foi um choque diferente da decisão de Kevin Durant deixar o seu OKC Thunder. Naquele caso o seu destino impressionou mais que a saída em si, mas com Wade nem importava onde ele iria jogar, a notícia do dia era que ele não era mais do Miami Heat. Só isso. Como foi possível?!

As notícias estavam pipocando aí faz um tempo. Aliás, desde o ano passado. Na última offseason existiram rusgas nas negociações de um novo contrato entre o jogador e a franquia, e as duas partes, sem chegar numa conclusão a longo prazo, decidiram por uma solução band-aid: os 20 milhões por uma temporada satisfaziam o desejo de aumento de Wade, mas não comprometiam a flexibilidade desejada pelo presidente da equipe, Pat Riley.

Um ano se passou o impasse voltou ao mesmo lugar: Wade queria um salário alto, condizente com o novo teto salarial da NBA, que pulou de 70 para 94 milhões de dólares, e seu status na história do time. Já Riley queria um contrato mais curto e que o desse a oportunidade de fazer mais negócios, trocas e contratações nos próximos anos. Depois de muita conversa, muita não-conversa (o famoso GELO), o Heat fez a sua oferta final: dois anos de contrato, os mesmos 20 milhões de dólares por cada ano. Wade não topou.

Você está agora no trabalho, voltando dele ou de férias da escola enquanto lê esse texto. Depois de contar moedas para pegar um ônibus que custa caro, você lê que um ser humano achou que não era um bom negócio receber QUARENTA MILHÕES DE DÓLARES para jogar basquete por dois anos. Em Miami. Com uma torcida apaixonada por tudo o que ele faz. Sim, é difícil aceitar de primeira, mas vamos analisar com calma porque Dwyane Wade não é simplesmente um cara ultra ganancioso.

Wade_Shaq

Mesmo sendo o principal jogador da HISTÓRIA do Miami Heat, Wade nunca teve o maior salário do time em seus 13 anos de franquia. Primeiro era Eddie Jones, depois Shaquille O’Neal, depois Jermaine O’Neal. Na época do Big 3, Chris Bosh tinha um salário levemente maior que o dele, o que persistiu depois da renovação dos dois. Com os 20 milhões anuais, ele novamente ficaria abaixo de Bosh, e mais perto do terceiro colocado (Goran Dragic), do que do líder. O que Wade sente é que ele fez sacrifícios financeiros ao longo da carreira para manter o time competitivo e agora, no fim dela, gostaria de ver o time retribuir o esforço. O salto de 24 milhões do teto salarial de um ano para o outro era a oportunidade perfeita para esse mimo, mas ele não conseguiu.

O que aconteceu depois disso foi uma tradicional briga de velhos namorados. Um lado é apaixonado pelo outro, mas as rusgas de um relacionamento de 13 anos deixam marca: Wade sente que precisa receber mais demonstrações de carinho; Riley quer que o jogador entenda que a situação é complicada. Mas, como em todo casamento em crise, eles não falam a respeito. Alguns repórteres dos EUA dizem que durante boa parte do processo de negociação dessa offseason, Wade e Riley não conversaram. Os papos foram com agentes e, no máximo, com Micky Arison, dono da franquia. Wade então partiu para o jogo de ciúmes: marcou um encontro com o Denver Nuggets, conversou com o dono do Milwaukee Bucks e deixou vazar na imprensa os valores mais gordos e generosos vindos de outros lugares. O Heat ouviu, mas não caiu no blefe. Foi quando Wade perdeu a paciência, ligou para o seu CRUSH dos tempos de escola e mandou a real: e aí, lembra de mim? É agora ou nunca.

Nascido em Robbins, no sul de Chicago, Wade nunca escondeu que foi já fã do Chicago Bulls e que esse era o único time que ele se via jogando se não fosse no Miami Heat. Mas com seu sucesso na Flórida, isso era mais nostalgia da infância do que realidade. Nunca ficou perto de acontecer e mesmo no dia que aconteceu, a notícia da manhã era que o Bulls tentou, sem sucesso, marcar um mero encontro com o jogador. Foi de uma hora para a outra, do nada, que o jogador resolveu que tinha cansado de esperar e que era para lá que ele queria ir. Como todo adolescente traumatizado por não ter conquistado seu amor juvenil, o Bulls não pensou, agiu no impulso e correu para os braços do amor sonhado: adeus Mike Dunleavy, adeus José Calderón. Em segundos duas trocas foram feitas e o espaço para dar os 47 milhões por 2 anos que Wade pediu estavam lá. Foi só por 7 milhões que ele trocou de time? Não, foi por correr atrás. Um o ignorou, o outro fez acontecer.

Vimos tudo isso acontecer pelo Twitter e não acreditávamos. O “nós”, nesse caso, engloba todas as pessoas que acompanham a NBA na Terra. O casamento Wade-Heat tinha problemas, todos sabíamos, mas era aquele casal que você sabe que no final se resolve. A separação rápida foi de cair o queixo e colocou as três partes envolvidas em novas fases que eles sequer esperavam viver.

Wade-Butler

Para Dwyane Wade é um novo desafio e uma nova cobrança. Eu não diria que ele ficaria desmotivado em Miami, mas certamente não seria pressionado. Ele já atingiu um status que poderia aparecer gordo e fumando no vestiário que a torcida iria aplaudir QUALQUER coisa que ele fizesse. Ele não é irresponsável assim, jamais faria isso, mas o ponto é que ele PODERIA e não encontraria reação negativa da torcida. No Bulls, por outro lado, ele chega como novidade e esperança. Sem o ídolo Derrick Rose e sem a diretoria do time admitir que o time passa por uma reconstrução, Chicago quer ver um time de Playoff, quer brigar lá em cima e boa parte do peso disso passa pelas costas de Wade. Essa situação não é como Kevin Garnett indo para o Timberwolves para se aposentar perto dos fãs, Wade jogou bem nos Playoffs desta última temporada e o Bulls espera muito dele em quadra. A pressão sobre Wade também é tática: ao contrário do que acontecia no Heat, é menos provável que o Bulls se molde completamente para se encaixar no seu estilo de jogo.

Rondo

Para o Chicago Bulls, essa contratação é, acima de tudo, um mistério. Claramente Wade não fazia parte dos planos do time e simplesmente CAIU NO COLO deles, que não souberam dizer não para um sonho tão antigo. Como o Danilo contou no seu texto sobre a troca de Derrick Rose, Jimmy Butler sabia que ele ou o armador iriam ser trocados porque a coisa não estava rolando. Por mais que não houvesse rusga pessoal entre os dois, ambos queriam o mesmo papel no time: líder, bola na mão para criar jogadas, voz para ser também o comandante fora da quadra. Um não sabia o que fazer quando o outro armava o jogo e não havia ritmo ofensivo, arremessos de longa distância ou espaçamento. A troca de Rose parecia, na época, uma chave sendo colocada nas mãos de Butler: você é o rosto do Chicago Bulls agora.

Passaram-se então algumas semanas e o Bulls que, viu seu General Manager dizer que queria um time “mais jovem e mais atlético”, contratou Rajon Rondo e Dwyane Wade, dois jogadores que já passaram do seu auge físico e que funcionam basicamente (pra não dizer EXCLUSIVAMENTE, no caso de Rondo) apenas quando tem a redonda na mão. O que Rondo irá fazer em quadra quando Wade ou Butler estiverem no comando do ataque? O que Butler acha de Wade, o “garoto da cidade”, veterano e campeão chegando no time que deveria ser dele? Quem ganha na NBA em 2016 com seus três jogadores de perímetro não sabendo, gostando ou sequer acostumados a chutar de longa distância?

E nem pode-se dizer que existe um plano por trás disso, que o técnico sabe como lidar com esses três e criar uma forma diferente de jogar que vai dar certo. Fred Hoiberg foi contratado na última temporada e disse que queria implantar um jogo mais rápido, veloz e com espaçamento de quadra e chutes de longa distância. Um ano depois e o enchem de jogadores veteranos, que seguram a bola ao invés de passar e que não arremessam. Lembra muito quando o NY Knicks contratou Mike D’Antoni, pediu que ele implementasse seu sistema ultra veloz de jogo, passes e posses de bola rápidas, e então, depois de poucos meses, mandaram meio time embora numa troca por Carmelo Anthony.

Depois de muito tempo analisando times de basquete por aqui, errando muitas vezes e me surpreendendo tantas outras, deixei de sempre tentar adivinhar ou dar notas para o que cada um faz. Prefiro, hoje, entender os planos e a linha de pensamento de quem tem um dos trabalhos mais legais do planeta: montar times da NBA. Mesmo pojetos que dão errado às vezes são interessantes, respeitáveis, mas não sei se posso dizer isso do Chicago Bulls. Desde a demissão de Tom Thibodeau a única coisa que enxergo é uma dissonância entre o que é dito e o que é feito, e movimentos que não parecem muito bater um com o outro. E pior, não sei se Dwyane Wade pensou nisso quanto topou o risco. Que sua experiência numa franquia mais bem sucedida nos últimos dez anos possa ajudar o Bulls a clarear os ares e criar um novo plano agora, do zero, começando desse grupo ainda estranho que eles têm em mãos. Existem muitos ajustes, sacrifícios e treinos a serem feitos por lá.

Riley

Por fim existe o Miami Heat e a grande mente de Pat Riley. Estamos assistindo a queda de um dos maiores estrategistas da história da NBA? Ou essa é mais uma jogada de gênio que só vamos perceber daqui um ano? Riley já ganhou tanto nessa vida que ele recebe essa dúvida de brinde. Mesmo quando parece que foi teimoso e perdeu, no fundo achamos que ele tem uma carta na manga.

A derrota parece derrota porque ele deixou escorrer pelos dedos o time que deveria ganhar não um, não dois, mas muito mais títulos ao longo dessa década. Mas ele não foi capaz de convencer LeBron James a ficar e, dizem, é o cara que magoou o King James ao dizer que “voltar para o Cavs seria o maior erro da sua vida“. O jogador lembrou disso quando foi campeão nessa temporada e a maior parte da imprensa americana acredita que quem disse isso foi Riley, na sua última tentativa frustrada de evitar a saída do seu principal jogador.

Essa derrota, porém, parecia temporária. Logo depois ele conseguiu evitar que Chris Bosh fosse para o Houston Rockets e alguns meses mais tarde mostrou que não estava pensando em reconstrução ao mandar duas escolhas de Draft para o Phoenix Suns por Goran Dragic. Mas a troca não rendeu o esperado, e somada a uma série imprevisível de lesões, fez o Heat não ser o candidato a título que Riley esperava.

A última cartada parecia ser essa offseason, quando Riley tentaria operar malabarismos matemáticos para renovar o contrato de Hassan Whiteside, manter Dwyane Wade e trazer Kevin Durant para ser o herdeiro de LeBron no Big 3 de South Beach. O plano naufragou, com Wade em Chicago, Durant em Oakland e Chris Bosh doente sem saber se poderá jogar basquete de novo. Sobrou Whiteside com um salário MONSTRUOSO. Como isso ainda pode ser um plano que dá certo?

Nós vimos como o Los Angeles Lakers foi massacrado pela crítica quando resolveu dar um último contrato-de-agradecimento à Kobe Bryant, lembram? Embora o time tivesse espaço para assinar com mais jogadores mesmo com Kobe tendo o maior salário da liga, muitas vezes isso foi visto como um empecilho ao crescimento do time, afinal Kobe não jogou mais regularmente no seu nível depois da lesão no tendão de aquiles. O que Pat Riley pode ter feito nessa última semana foi ter decidido não repetir o feito. Ele não iria gastar mais do que achava que deveria apenas para agradecer Wade por serviços prestados. Isso pode pegar mal ao redor da liga? Sim, mas ele acha que não o bastante para fazer com que os jogadores deixem de querer jogar em Miami.

Com o novo aumento do teto salarial na próxima temporada, o Heat pode entrar novamente nos negócios dos Free Agents de peso. Uma troca envolvendo Dragic ou a possível aposentadoria de Bosh pode liberar espaço o bastante para correr atrás da lista imensa de jogadores que estarão livres daqui um ano, que inclui Russell Westbrook, Chris Paul, Blake Griffin e, por que não, Kevin Durant de novo. Será que o clima, (a falta de) impostos, Whiteside e o promissor Justise Winslow serão o bastante para atrair novos nomes? A lábia de Pat Riley ainda tem poder? Os anéis de campeão jogados na mesa antes das reuniões não causam mais calafrios? Daremos mais uma chance, Pat Riley tem mais um ano para mostrar que as saídas de LeBron James e Dwyane Wade não são o fim de sua brilhante carreira.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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