Na temporada regular passada, o Raptors teve 56 vitórias – apenas uma a menos que o campeão da NBA, o Cleveland Cavaliers, e recorde da franquia. O time chegou às Finais da Conferência Leste depois de 15 anos sem ser capaz de sequer passar da primeira rodada dos Playoffs. Toronto rendeu-se em definitivo para o basquete, com uma torcida apaixonada que lotava as ruas ao redor do ginásio para acompanhar cada partida da pós-temporada. Kyle Lowry e DeMar DeRozan, as estrelas da equipe, foram escolhas óbvias para o All-Star Game. E ainda assim, ao longo de toda a temporada, ninguém em sã consciência foi capaz de levar o Raptors a sério – não pelos resultados, que vieram com uma consistência admirável, mas pelo MODO como esses resultados eram obtidos. O basquete jogado pelo Raptors simplesmente não inspira qualquer traço de admiração ou confiança.
De certa maneira, essa é a mesma questão que aflige DeMar DeRozan ao longo de toda a sua carreira: suas médias, seus números pessoais e os resultados conseguidos com sua equipe são inquestionáveis, mas há algo na sua maneira de jogar que simplesmente nos faz sentir que ESTÁ TUDO ERRADO. Quem acompanhou os Playoffs aqui no Bola Presa sabe que fizemos análises táticas detalhadas que expunham o fato de que assistir ao Raptors e a DeMar DeRozan era um SUPLÍCIO. Havia pouca movimentação de bola, pouca variação nas jogadas, muitos arremessos forçados, e DeRozan constantemente recebia a bola em uma posição em que a defesa adversária podia simplesmente se amontoar sobre ele, levando o jogador a perder a bola ou tentar finalizações impossíveis. O Raptors chegou às Finais de Conferência aos trancos e barrancos, dependendo de alguns arremessos inexplicáveis, e a queda de rendimento de DeRozan ao ter defesas inteiramente focadas nele foi um dos grandes motivos para que o time tivesse tanta dificuldade em pontuar com constância. Em defesa de DeRozan, o Raptors simplesmente não foi capaz de colocar seu melhor pontuador em situações adequadas de arremesso, gerando um basquete forçado, truncado e digno de fazer OLHOS SANGRAREM.
Se um time que está lá no topo da sua Conferência oferecesse um contrato máximo para seu jogador mais talentoso, ninguém no mundo acharia estranho – ainda assim, o Raptors oferecer um contrato de 139 milhões de dólares por 5 anos para DeRozan deixou muitos ao redor da NBA desconfortáveis. O sucesso do jogador e da franquia pareciam ter sido por acaso – de fato, o time só alcançou esse grau de sucesso após ter decidido reconstruir, ter trocado Rudy Gay e aí ter começado a vencer sem parar, meio sem querer. Seria viável repetir as 56 vitórias? Quão realista seria imaginar que esse time, numa nova participação nos Playoffs, conseguiria novamente sobreviver ao próprio basquete rumo às Finais? DeRozan, um jogador que caiu de rendimento na pós-temporada, não conseguiu carregar o time nas costas, tem alguns problemas defensivos, um arremesso muito fraco da linha de três pontos e uma incrível dificuldade de criar espaço para os outros jogadores também parecia ter encontrado o caminho da vitória por mera ironia do destino, não sendo em nenhuma hipótese o jogador no colo de quem se deposita uma franquia – e, consequentemente, 139 milhões de dólares.
Mas essa percepção negativa tanto da equipe quanto do jogador está pouco relacionada ao basquete realmente apresentado por ambos, e mais ligada à expectativa que criamos nos últimos anos de como o basquete deve ser jogado. Quando olhamos para DeMar DeRozan, temos praticamente um resumo de tudo aquilo que aprendemos que NÃO FUNCIONA numa quadra de basquete: enquanto as estatísticas mostram que o arremesso de média distância é, disparado, o pior arremesso possível no esporte (com um aproveitamento que varia, em média, de 38% a 41% dependendo da distância), o astro do Raptors é o jogador da NBA que mais tenta esse tipo de arremesso. Quando as estatísticas mostraram que o arremesso de dois pontos a mais de 3 metros do aro deveria ser substituído pelos arremessos de três pontos, já que a vantagem de um ponto a mais compensa em muito a pouca variação no aproveitamento, DeRozan continuou sendo um dos piores arremessadores de três pontos da sua posição, tendo um aproveitamento muito superior em longas bolas de dois pontos. Com a NBA afastando os jogadores da cesta para criar espaços e arremessos longos, DeRozan se tornou o jogador que mais tenta arremessos de dois pontos e um dos que mais cobra lances livres, atrás apenas de James Harden e DeMarcus Cousins. Os números nos mostraram como deveria ser um jogador eficiente e DeRozan incomoda por estar fazendo TUDO AO CONTRÁRIO. Como consequência, quando comparado aos outros times, o Raptors sofre com espaçamento em quadra, não consegue criar arremessos livres e depende de jogadas individuais e de arremessos de baixo aproveitamento. Acontece que o Raptors e DeRozan são o ponto FORA DA CURVA na estatística – enquanto parecem jogar “errado” perto dos outros modelos táticos, os resultados mostram que seu caminho alternativo, de RESISTÊNCIA, é bastante funcional apesar de ofender nosso senso estético “moderno”.
[image style=”” name=”on” link=”” target=”off” caption=”Harden segura o choro ao ver DeRozan mais uma vez atacando a cesta sozinho”]http://bolapresa.com.br/wp-content/uploads/2016/11/Harden-e-DeRozan.jpg[/image]
Nessa temporada, DeMar DeRozan está dando mais arremessos de média distância do que nunca – aquele cujo aproveitamento médio da NBA não passa de 41% – e está acertando 56% deles. O resultado desse grau de aproveitamento num arremesso que NINGUÉM MAIS QUER DAR é assombroso: DeRozan lidera a NBA com 33 pontos por jogo, está acertando 51% dos seus arremessos totais, marcou mais de 40 pontos duas vezes nas primeiras dez partidas, e foi o primeiro jogador desde Michael Jordan a marcar 30 ou mais pontos 8 vezes nas primeiras 9 partidas de uma temporada. O arremesso mais desprezado da NBA – aquele que é o mais contestado, aquele que por ser estatisticamente ineficiente passou a ser OFERECIDO pelas defesas em qualquer situação de pick and roll – levou DeRozan ao topo da Liga, lhe deu estatuto de grande estrela, e finalmente colocou no mapa geral um jogador que era recebido com ressalvas ou desconhecimento. Agora, as defesas da NBA precisam se preparar com antecedência para negar a DeRozan esse arremesso inferior, mas seu aproveitamento permanece intocado porque ele está plenamente confortável com arremessos contestados, desequilibrados, forçados por cima de múltiplos defensores. Nessa zona indesejada, DeRozan montou o seu lar.
Estatisticamente, o aproveitamento de DeMar DeRozan não deveria se manter a longo prazo – ele tem todas os traços de um engano, uma anomalia, uma falha na Matrix. Mas não era esse o mesmo caso de Stephen Curry, que se especializou num arremesso dado como impossível – a bola de três alguns passos atrás da linha do perímetro – e todos os críticos ficaram apenas esperando o dia em que essa, e todas as suas outras bolas de três pontos, simplesmente parassem de cair para que seus números caminhassem na direção da “média” da NBA? Pois estão esperando até agora, um título e dois prêmios de MVP depois. Ainda há quem diga que as médias de arremessos de três pontos do Warriors como um todo eventualmente se adequarão à média, ignorando o fato de que o time é especial nesse sentido, não por mágica, mas porque seu esquema tático e os jogadores envolvidos permitem esse aproveitamento muito superior aos demais. DeRozan está muito provavelmente nessas mesmas condições: sua melhora gradual no número de pontos por jogo ao longo das suas últimas 8 temporadas mesmo com um aproveitamento pífeo nas bolas de três pontos mostra que ele está cada vez mais fora da curva nas bolas de 2 pontos, não progressivamente voltando à normalidade da média. Alguns dos seus números são tão absurdos que precisam estar para além de qualquer acaso: seu aproveitamento em arremessos entre 3 e 4 metros e meio da cesta é de quase SESSENTA POR CENTO, superior até mesmo aos seus números (e o da maioria dos pivôs) embaixo da cesta. Ainda que esses números abaixem um pouco ao longo da temporada, seja por cansaço, lesão ou marcações adversárias ainda mais específicas, é muito difícil que caiam o suficiente para que esses arremessos de 2 pontos de DeRozan deixem de ser eficientes ou se tornem menos eficientes do que bolas de três pontos, como é o caso do restante da NBA. Não há dúvidas de que o jogador encontrou seu nicho, e ele é bom o suficiente para se sagrar o maior pontuador da NBA nesse momento. Essa conquista nos permite voltar à máxima estatística que diz que as bolas de 2 pontos não são inúteis – elas apenas não valem a pena para um arremessador comum. Um especialista em QUALQUER arremesso, mesmo os menos recomendados, deve ter liberdade para dá-lo, já que seu aproveitamento justifica a tentativa, e DeRozan é – ainda que nadando contra a maré – um especialista que não pode mais ser ignorado dentro da NBA. Sua vez de ser reconhecido como “tendência” finalmente chegou.
A única ressalva é que sua especialidade pouco ortodoxa exige que o time se adeque a isso taticamente, e apesar do sucesso momentâneo, o Raptors ainda não encontrou uma maneira de fazer isso a contento. Talvez isso seja, simultaneamente, o que há de mais frustrante e mais animador na equipe de Toronto: embora vê-los jogar um basquete pouco eficiente e incapaz de incorporar DeRozan como deveriam seja profundamente irritante, imagine onde essa equipe será capaz de chegar quando finalmente resolverem essa questão e construírem um ataque orgânico e inteligente baseado nas especialidades de sua maior estrela. Se as Finais da NBA foram alcançadas aos trancos e barrancos por um time que jogava um basquete pouco esperto, não é absurdo considerar que poderiam de fato conquistar a NBA com um basquete finalmente capaz de explorar suas maiores qualidades.