Água no feijão

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Garnett vai dar pipoco em quem fez o calendário dessa temporada

Numa temporada convencional da NBA, cada uma das 30 equipes joga 82 partidas, metade delas em casa e metade delas na casa dos adversários. Adversários de conferências diferentes (um do Leste e outro do Oeste) se enfrentam duas vezes durante a temporada, uma em casa e outra fora. Mas os adversários da mesma conferência se enfrentam uma tonelada de vezes: são 4 jogos entre todos os times da mesma divisão, 4 entre times de divisões diferentes, mas quatro adversários de divisões diferentes só se enfrentam 3 vezes. Resumindo: enfrenta-se os 15 times da conferência rival duas vezes cada, 10 times da sua conferência quatro vezes cada, e 4 times da sua conferência mas de outra divisão três vezes cada. Ou seja, é uma bagunça.

Os motivos para essa zorra são principalmente dois: primeiramente, a NBA quer ter mais de 80 jogos na temporada para lucrar o máximo possível com ingressos e jogos transmitidos na televisão. O outro motivo é que os Estados Unidos são um país absurdamente grande, as viagens para que as equipes se enfrentem são muito complicadas, e ficam ainda mais complexas porque um time não pode visitar o outro caso ele também não esteja em casa, caso o ginásio esteja sendo usado para um evento de rodeio, ou caso times de hóquei estejam jogando no mesmo ginásio. Por isso os times que moram em lados diferentes do país se enfrentam menos, e os times que moram perto uns dos outros se enfrentam o máximo possível, já que precisam viajar apenas pequenas distâncias. Quando um time vai para a conferência oposta, é melhor que enfrente o máximo de adversários por lá e que volte aos poucos para casa, enfrentando outras equipes no caminho.

O homem responsável por encaixar os encontros de todas as equipes, garantir que possam se enfrentar nas datas certas e minimizar o número de viagens que cada equipe faz é um só: Matt Winick. O Denis escreveu um post fantástico analisando o trabalho do sujeito, que faz tudo sozinho com o auxílio apenas de um computador que, diz, o impede apenas de cometer alguma grande cagada.

Matt Winick faz o melhor que pode tendo que conciliar as viagens das equipes, os ginásios disponíveis, as requisições dos canais de televisão, as datas mais importantes para cada time, o cansaço dos jogadores e algum tipo de equilíbrio para que nenhuma equipe saia muito prejudicada. É impossível evitar alguns problemas, portanto: às vezes ocorrem jogos “espelhos” (times que se enfrentam duas vezes em sequência), “back-to-backs” (ter que jogar em dois dias consecutivos) ou até o temido “4-in-5” (quatro jogos em cinco dias, com um “back-to-back”, um dia de descanso, e aí outro “back-to-back”). Com décadas de experiência, Matt Winick diminuiu o número de “back-to-backs” e “4-in-5” ao que considera o mínimo possível: cada time joga no máximo 23 “back-to-backs” e 4 “4-in-5” por temporada.

Essas situações são reduzidas ao mínimo porque exigem demais fisicamente das equipes e podem ter interferência no resultado de um jogo. Enfrentar uma equipe que descansou por 3 dias seguidos é bem diferente de enfrentá-la no último jogo de um “4-in-5”, especialmente se a equipe correr muito, jogar em velocidade ou tiver jogadores mais velhinhos.

O pessoal do NBAstuffer tem um gráfico fantástico para medir o impacto do descanso no rendimento das equipes durante a temporada passada. Em geral, quanto maior o tempo de descanso, melhor é a eficiência ofensiva; e quanto mais cansadas as equipes estão, maior é a eficiência defensiva. Existem algumas aberrações nos gráficos, equipes com dois dias de descanso foram menos eficientes no ataque do que times no segundo dia de um “back-to-back”, mas times com 3 dias de descanso são os que rendem mais e os no terceiro jogo em 4 dias são os que rendem pior ofensivamente. Em termos de ritmo e de velocidade de jogo, o papel do descanso aparece ainda mais óbvio: com 3 dias de descanso as equipes saltam do gráfico soberanas, deixando muito para trás equipes que já vem de partidas jogadas.

É claro que o descanso por si só não ganha partidas e com uma temporada de 82 jogos todas as equipes estão sempre exaustas. Há uma tentativa clara de que haja equilíbrio, então um time que joga mais back-to-backs terá algum outro momento da tabela em que terá mais dias de descanso, o problema é que como os oponentes serão outros nos dois momentos, existe uma pequena influência.

Bem, os dados acima e o número de vezes que cada equipe se enfrenta funcionam para uma temporada comum na NBA, com 82 jogos. Mas como sabemos, a NBA acaba de sair de um locaute entre donos e jogadores que quase acabou com a estrutura do espaço-tempo, e portanto teremos uma temporada ultra-super-giga condensada, com apenas 66 jogos feitos na menor quantidade de tempo possível: 120 dias.

Não é a primeira vez que isso acontece: Matt Winick teve que criar outra temporada encurtada pela greve em 99, com 50 jogos em 89 dias. O grande problema dessas temporadas curtas é que ao invés de simplesmente poder cortar fora os jogos que ocorreriam no tempo perdido com as negociações da greve, interessa aos donos que seja jogada a maior quantidade possível de jogos no período que resta. Então se numa temporada de 82 jogos temos vários “back-to-backs” e “4-in5”, nessas temporadas condensadas temos ainda mais problemas com o calendário.

Pra começar a encrenca, a temporada 2011-12 de 66 jogos teve que repensar o número de vezes que as equipes se enfrentarão. As partidas entre equipes da mesma conferência ficam como eram, porque o grande problema da temporada encurtada é conseguir lidar com as viagens longas. Mesmo se fossem apenas todos-contra-todos duas vezes, como no nosso Campeonato Brasileiro por exemplo (e o modelo que tanto queremos pra NBA um dia), seria quase impossível admnistrar todas as viagens entre equipes que moram tão longe. Então as equipes de conferências diferentes se enfrentarão apenas uma vez – enfrentando apenas 3 equipes da outra conferência duas vezes. Quais equipes? Depende, é aleatório.

Além disso, a temporada terá 42 novíssimos “back-to-back-to-backs”, em que as equipes jogarão 3 partidas em 3 dias. Cada equipe terá pelo menos um desses durante a temporada. A quantidade de “4-in-5” também decolou, sendo que agora é possível jogar três jogos seguidos, descansar um dia, e aí jogar mais um jogo – além do que acontecia antigamente, em que se jogava dois dias, descansava-se um, e jogava-se mais dois. Com isso temos também os novíssimos “5-in-6”, com 5 jogos em 6 dias (reservado para apenas algumas equipes sortudas). É uma tabela cheia de aberrações.

Dentre essas bizarrices, temos 9 jogos em 12 dias para o Atlanta Hawks, o Celtics tem 8 jogos em 13 dias fora de casa, e o Raptors joga 19 jogos em 31 dias. Nessa tabela aqui, dá pra ver exatamente o que cada time vai enfrentar, para ver se sua equipe foi favorecida. Algumas jogam mais back-to-backs, outras mais back-to-back-to-backs, outras tem mais 4-in-5, alguns tem 5-in-6, mas só há uma certeza: não importa para qual time você olhe, tá uma merda. Todo mundo pode choramingar que sua equipe tá com um calendário pior do que a outra, mas a verdade é que não tá fácil pra ninguém. É como cobertor curto: quem tem mais dias de descanso tem sequências piores depois, quem joga em três dias seguidos não precisa enfrentar tantas sequências de quatro jogos em cinco dias, e assim por diante.

O que dá mais margem para reclamação é o fato de que todos os times só enfrentam duas vezes três equipes aleatórias da conferência rival. Afinal, enfrentar duas vezes o Cavs é bem diferente de enfrentar duas vezes o Heat. O blog “Eye on Basketball” analisou a diferença entre o aproveitamento na temporada passada de cada equipe e das equipes que ela enfrentará duas vezes nessa temporada, para ver quem em teoria pegou as maiores mamatas. Claro que as equipes não continuarão tão boas (ou tão ruins) quanto eram na temporada passada, mas dá pra ter uma ideia da disparidade que pode existir. Segundo o blog, os grandes favorecidos são o Spurs (que enfrenta duas vezes Cavs, Magic e Sixers) e o Bulls (que enfrenta duas vezes Hornets, Grizzlies e Kings). Os que mais se lascaram, por sua vez, são o Celtics (que enfrenta duas vezes Lakers, Mavs e Thunder) e o Thunder (que enfrenta duas vezes Celtics, Heat e Magic).

Juntando o calendário de cada equipe com os times diferentes que cada um enfrentará duas vezes, dá pra encontrar bastante disparidade. Cavs com 3 dias de descanso ou Heat no último dia de um 4-in-5? No fim, isso pode decidir uma colocação importante para os playoffs. Mesmo assim, o trabalho do Matt Winick é fantástico. Muitas das equipes de conferências diferentes que se enfrentam duas vezes têm uma rivalidade forte, terão esses confrontos televisionados e isso de algum modo deixa o calendário mais equilibrado para ambas. O único problema grave com o trabalho do Matt Winick é, bem, a porcaria da greve da NBA ter acontecido. Deixando de lado um pouco a questão de quais equipes são favorecidas pela bagunça do calendário, a certeza que temos é que todas as equipes estarão exaustas e jogando inúmeras partidas em dias seguidos. Como vimos nas estatísticas, a qualidade ofensiva e o ritmo dos jogos vai despencar, nos restando então equipes exauridas que focarão exclusivamente na defesa e que diminuirão ao máximo a velocidade do jogo. Esse será o ano das defesas – mas também será o ano das contusões (que devem começar em breve e se alastrar como praga pela liga) e dos jogos feios, das decisões ruins em quadra, dos desperdícios de bola. No começo estamos vendo muitíssimos erros porque as equipes não treinaram juntas; no final veremos muitíssimos erros porque as equipes estarão exaustas. A tentativa é de nos dar o máximo de NBA possível no tempo que resta, mesmo que a qualidade despenque no processo – sem treinamento, e sem descanso. Ninguém pensou em como será para os times velhinhos, como o Celtics, e nem qual será o nível de jogo quando a temporada estiver chegando no final e as colocações para os playoffs estiverem se decidindo.

Muito pior do que essas gambiarras em que nem todas as equipes se enfrentarão o mesmo número de vezes é essa diluição da qualidade das partidas: os engravatados simplesmente colocaram mais água no feijão pro prato render mais. Legal, estávamos todos famintos, mas a comida com certeza será menos saborosa esse ano. Vamos ao menos torcer para que algumas equipes cheguem vivas nos playoffs, senão vai ficar todo mundo arrebentado no sofá decidindo a temporada no videogame – bendito seja o NBA2K12.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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