O Bola Presa começou a existir em 2007 e a gente começou já fazendo uma análise do Draft, foi quando dissemos que Kevin Durant era um futuro All-Star e que Greg Oden iria mudar a cara da NBA tal qual LeBron James anos antes. Não dá pra ganhar todas, né? Mas não desistimos e escrevemos análises de TODOS os Drafts desde então, mesmo que com uma crise de identidade que quase me fez não escrever nada no ano passado. Mas tradição é tradição e aqui estamos.
Muito mudou desde 2007. Antes a gente achava legal cravar que um time acertou ou errou em uma escolha, hoje sabemos muito bem que é impossível saber disso na hora, às vezes é preciso esperar ANOS até descobrir se as decisões daquela noite foram boas ou ruins. Essa análise, portanto, serve para outros propósitos: é uma desculpa pra gente pesquisar mais sobre a história dessa molecada e apresentá-los para vocês, afinal esses nomes vão nos acompanhar pela próxima década de NBA e de Bola Presa. Analisar (ou deduzir) o processo de tomada de decisão dos times também nos ajuda a entender seus planos e como operam seus General Managers, o que eles pensam, como avaliam talento e quais são os objetivos para o futuro de médio e longo prazo. Em resumo, tentar fugir o máximo possível de um mero exercício de futurologia, embora nunca dê pra escapar totalmente disso.
Outra parte importante da TRADIÇÃO do Draft no Bola Presa são os Selos de Qualidade™ que damos para cada time por suas escolhas. Por tudo o que escrevemos no parágrafo acima, não é pra ser levado tão a sério, mas vale como avaliação de momento. A cada ano o tema dos selos mudam, já tivemos selos inspirados em redes sociais, memes de internet, manifestações políticas, a carreira de Michael Jackson, Game of Thrones e outras ideias que conseguiram ser ainda menos brilhantes. Nos Drafts de 2010, 2014 e 2018 fizemos selos inspirados na Copa do Mundo e no ano passado usamos constrangedoras FRASES MOTIVACIONAIS de coaches para ranquear os times. Um nojo. Em 2o20 só há um tema que pode guiar nossos selos: ela, a PANDEMIA. Em um Draft em que 99% dos olheiros e especialistas cravaram como ruim e sem futuras estrelas, nada como a maior desgraça de um ano desastroso para servir como referência e critério de nota.
MÁSCARA – Andar de máscara não é legal, não é bonito, não é confortável e só piora quando o dia está quente. Mas é também a a maneira mais eficaz de se prevenir da Covid-19 e evitar que o vírus se espalhe ainda mais. Selo para os times que podem não estar empolgados com esse Draft, mas que fizeram o que tinham que fazer.
A BOLHA – Jogar basquete sem torcida na Disney durante uma pandemia e com os movimentos sociais tomando as ruas? Soa bizarro, mas até que foi bem legal, não foi? Selo para os times que não conseguiram a situação ideal mas que saíram no positivo.
ZOOM – Ninguém quer assistir aula no Zoom com aquele microfone péssimo do professor, ninguém se empolga em ser convidado para uma videochamada e ninguém quer uma festa de aniversário online com o delay estragando o ritmo do parabéns. Esse ano nos apresentou à “fadiga do zoom”, mas também foi essa tecnologia que nos salvou do isolamento total e absoluto. Selo para os times que fizeram o que dava na atual situação.
NEGACIONISTAS – Pior que tentar levar a vida (e seguir vivo) durante uma pandemia é ter que fazer isso ao lado de quem, tal qual o meme do cachorro dentro de uma casa em chamas, insiste que está tudo bem. Não está, por favor não atrapalhe. Selo para os times que fizeram tudo errado e ainda acreditam que é só uma gripezinha.
Minnesota Timberwolves
#1 – Anthony Edwards, SG/SF
#23 – Leandro Bolmaro, SG
#28 – Jaden McDaniels, PF
Ricky Rubio (via troca)
As notícias dão que o Minnesota Timberwolves estava pendurado no telefone até o último segundo para tentar trocar sua escolha no topo do Draft 2020, mas que sem uma proposta digna, acabou por ir pelo o que considerou uma rota de segurança e selecionou Anthony Edwards, ala da Universidade da Geórgia. São afirmações que fazem sentido, mas são terrivelmente INCOMUNS em Drafts da NBA: desde quando quem tem a PRIMEIRA posição quer sair de lá? E desde quando uma escolha tão alta é considerada uma rota de segurança ao invés de uma decisão que irá mudar os rumos da franquia?
Pois é, bem vindos ao Draft 2020! Assim como o ano em que foi realizada, a seleção de novatos dessa temporada tem suas bizarrices. A maioria dos especialistas, olheiros, General Managers e até fãs casuais que acompanharam mais de perto essa geração de meninos vem cravando há algum tempo que esse é um Draft sem estrelas e que o mais próximo que pode se chegar disso estava no trio Anthony Edwards, James Wiseman e LaMelo Ball, mas que os próprios tem tantas dúvidas os rondando que era compreensível que times cogitassem trocar uma seleção no Top 3 por algo mais baixo somado a alguma outra compensação.
Só que é aquela história, né? Se o Wolves sabia que a posição 1 não era tudo isso, o resto do mundo também sabia, então não ia rolar nenhuma proposta de arrasar quarteirão. Calhou que o Top 10 tinha um monte de time fazendo anúncio na OLX pra se livrar de suas escolhas e ninguém queria comprar, então nada aconteceu. Tendo que escolher o melhor do trio já citado, o Wolves foi de Edwards, um encaixe que começa pela sua posição: Ball bateria cabeça com D’Angelo Russell que, dizem, tinha deixado claro que não estava nada afim de jogar com o menino, enquanto Wiseman nem queria ser selecionado pelo Wolves por jogar na mesma posição de Karl-Anthony Towns. Como objetivo número um da franquia é manter a dupla feliz, Edwards neles!
Edwards começou a temporada passada sendo considerado um dos principais nomes do Draft 2020 e ficou no topo das listas ao longo de todo o ano mesmo que sua temporada na Geórgia tenha sido de altos e baixos: o time não deslanchou e ele nem sempre liderou a equipe, mas quando esteve engajado e inspirado fez seus jogos de mais de 30 pontos, impressionou pela capacidade atlética e pela facilidade de penetrar no garrafão. Esse talento, somado a um gosto por step-backs, até fizeram nascer algumas comparações com James Harden, mas o Barba mesmo nos tempos de faculdade tinha aproveitamento muito superior nos arremessos. E aí vem a primeira dúvida sobre Edwards: dá pra desenvolver o arremesso de longa distância? Alguns acham que não, mas outros creem que os números abaixo da média eram mais fruto dos tiros difíceis e forçados que ele tentava do que por uma incapacidade de colocar a redonda na cesta. Com Russell, Towns e Ricky Rubio a seu lado, ele certamente terá que tomar menos decisões e tentar arremessos mais fáceis.
Mas se alguns viam um quê de Harden em Edwards, outros viam algo muito mais preocupante: um quê de Andrew Wiggins. Se isso já é um alerta vermelho para boa parte da liga, imagina para o Wolves! Além dos jogos onde ele parecia estar lá só de corpo presente, ele já disse que preferia ser jogador de futebol americano do que de basquete e que nem se interessava tanto por assistir jogos. Será que um cara assim vai trabalhar toda a offseason para melhorar cada pequeno aspecto de seu jogo? Ele vai crescer e aprender mesmo sem assistir jogo atrás de jogo como fazem os melhores da liga? Como Wiggins, o medo é que a gente seja capaz de ver todo o talento mas que ele simplesmente não apareça com frequência.
Apesar da pegadinha dos deuses do basquete, a escolha é compreensível. Edwards não precisa ser o próximo deus do basquete para o Wolves. Na atual formação do time ele só precisa ser a TERCEIRA OPÇÃO ofensiva e tá mais que bom. Soa bizarro gastar uma escolha tão alta pra isso, mas é o que tem pra hoje. Com o futuro comprometido ao redor de Towns e Russell, o importante era não errar completamente a escolha, não pegar alguém que simplesmente não consegue contribuir com nada no curto e médio prazo, especialmente porque a escolha do ano que vem já foi trocada. Convenhamos que pelo o que sabemos hoje, os riscos eram maiores com Wiseman e Ball, que pouco jogaram nos últimos tempos e trazem ainda mais interrogações.
Além de um cuidado grande na hora de aprender a motivar Edwards, o Wolves precisa também se segurar na caneta: um dos problemas de Wiggins era o seu contrato gigante, uma extensão do seu acordo de novato que foi assinada muito antes do prazo final por um apressado Wolves. Se daqui alguns anos o ala for uma segura terceira opção e que ganha de acordo com sua função, o Wolves conseguiu o que planejava no Draft 2020.
Depois da escolha mais importante, o Wolves seguiu ativo no WhatsApp e se mexeu bastante: primeiro mandou a Escolha 17 do Draft e James Johnson para o OKC Thunder em troca de Ricky Rubio e a Escolha 28, que se tornou Jaden McDaniels. Depois o time mandou as Escolhas 25 e 33 para o New York Knicks para subir até a posição 23 e selecionar o argentino Leandro Bolmaro.
Conseguir Rubio por uma escolha nem tão alta no Draft das Incertezas (e olha que TODO Draft é o das incertezas) pode ser considerado uma vitória. O time precisa de estabilidade, de veteranos, de líderes, de defesa e nunca atrapalha ter uma ligação pessoal com a franquia e com a torcida. Rubio traz tudo isso. O arremesso inconsistente incomoda e a hesitação em atacar a cesta pode enlouquecer, mas vai ser um alívio também não precisar ter Russell ditando o ataque em 100% das posses de bola. Normalmente Rubio sempre ajuda seus times, mesmo que depois de uns anos as equipes sintam que precisam trocá-lo para dar um próximo passo mais ambicioso. O porém da história está em Aleksej Pokusevski, o pivô escolhido pelo Thunder com a escolha que receberam do Wolves. Muita gente acha que ele pode ser o grande ACHADO desse miolo do Draft e isso pode fazer essa troca parecer bem pior daqui uns anos, mas na hora fez sentido.
A outra escolha feita via troca foi Leandro Bolmaro, que vem do mesmo Barcelona onde brilhou o adolescente Rubio e que terá como mentor o agora assistente e também argentino Pablo Prigioni. São ligações que vão além de uma mera trivia, são rede de apoio a um garoto de 20 anos que vai mais uma vez mudar de país, de estilo de basquete, de nível de fama e tudo mais. Só não tenhamos pressa: com uma temporada encavalada, sem training camp decente e meio caótica, o plano parece segurar Bolmaro na Catalunha por um ano antes de levá-lo aos EUA. Depois de uma temporada no time B do Barça, será legal ver como o ala se desenvolve e que protagonismo no time principal nessa temporada.
Por fim, Jaden McDaniels chegou na temporada universitária cheio de nome e expectativa após brilhar como colegial, mas deu tudo absurdamente errado. Problemas de comportamento e de desempenho o colocaram até no banco de reservas. Ele é atlético e versátil o bastante para alguém projetado para jogar na ala, mas parece uma seleção baseada completamente em potencial. O Jonathan Wasserman, do Bleacher Report, chegou a comparar McDaniels com Mario Hezonja: “alguém capaz de jogadas espetaculares que são seguidas de tomadas de decisões terríveis”. Que medo! Será um teste para a capacidade da gestão de Gersson Rosas de transformar o Wolves em um time que sabe desenvolver suas jovens promessas.
Não é um Draft para sair dando saltos de alegria e contando que os anos de fracasso acabaram, mas há talento, encaixe e algum padrão. E compreensível que a escolha mais segura tenha sido a primeira e a mais arriscada na 28ª posição, não é momento de loucuras.
FORÇA NOMINAL – O nome de Anthony Edwards não exala aquele BRILHO de um jogador único e realmente especial que merecia o topo do Draft. Não tem nem como chamá-lo por um nome só como LeBron, Zion ou mesmo Dwight. Só que fui pesquisar e descobri que na história da NBA tivemos apenas outros 12 caras de sobrenome Edwards, será que ele é mais especial que eu pensava? Talvez, mas Força Nominal é FEELING e não é estatística. De que vale um nome único que soa como o de um advogado comum? A título de curiosidade, os únicos Edwards que jogaram na NBA nos últimos 15 anos são Vince e Carsen Edwards, que jogaram juntos na Universidade de Purdue mas que não tem qualquer parentesco.
Golden State Warriors
#2 – James Wiseman, C
#48 – Nico Mannion, PG
# 51 – Justinian Jessup, SF
Horas depois de descobrir que Klay Thompson havia sofrido uma lesão seríssima, o Golden State Warriors tentava salvar um pouco da alegria do dia com a segunda posição no Draft 2020. Enquanto os favoritos eram James Wiseman ou uma troca com o Chicago Bulls, muitos se perguntaram se talvez o time pudesse mudar os planos e arriscar LaMelo Ball para cobrir o espaço recém-aberto pela lesão de Klay. Tudo indica que não e com razão: atitudes imediatistas fariam sentido ANTES da lesão, na ânsia pelo título, não depois dela. Era a hora de só escolher quem eles achavam melhor, Wiseman.
Se Anthony Edwards teve altos e baixos na sua temporada universitária, Wiseman nem teve tempo para isso. Ele fez apenas TRÊS JOGOS pela Universidade de Memphis antes de ser suspenso por ter recebido ajuda financeira de Penny Hardaway, a ex-estrela da NBA que hoje é técnico do time. Em 2017, Penny deu 11.500 dólares para a mãe de Wiseman para ajudar a família na mudança de Nashville para Memphis, onde o pivô iria jogar para o time colegial de Penny, que só no ano seguinte iria assumir o comando do time universitário. O pivô chegou a contestar a decisão e a processar a NCAA, mas desistiu do caso e após sua suspensão decidiu simplesmente dar o fora e se focar só na preparação para o Draft. Com a soma de sua saída precoce e o atraso no Draft 2020 pela pandemia, não vemos um jogo de Wiseman há TREZE MESES. Como julgar?
Seu físico impressionava antes e impressiona agora ainda mais, já que ganhou músculos nesse ano sem atuar. Ele também diz que tem treinado seu arremesso de média e longa distância, mas impossível saber em que nível está agora. De qualquer forma, dá pra saber que ao menos ele será alguém capaz de dar tocos, apanhar pontes-aéreas e causar algum impacto no garrafão da NBA. Segundo o técnico Steve Kerr, Wiseman pode causar um impacto imediato só com sua capacidade física, mas que ele tem tanto a aprender que é preciso paciência para julgá-lo. Importante lembrar que ao contrário dos outros anos, os novatos não terão meses de treinos com os assistentes das equipes e nem uma Summer League para serem testados.
Dito tudo isso a questão é: e daí? Pivôs atléticos que agarram passes perfeitos existem aos montes e nem saem tão caro assim hoje em dia, para valer uma escolha tão alta o Warriors deve ter visto algo a mais. Alguns elogiam seu jogo refinado ao redor da cesta, outros a versatilidade defensiva. Alguma coisa disso vai ter que ser verdade para que ele seja o que o time esperava quando fez a péssima campanha na temporada passada rumo ao topo do Draft, um jogador capaz de ao mesmo tempo ajudar Steph Curry e Draymond Green na busca por mais glória e também o nome da franquia quando a dupla e mais Klay ensaiarem uma decadência. Veremos.
Na segunda rodada o Warriors foi com o ruivinho Nico Mannion, filho de Pace Mannion, que jogou na NBA nos anos 1980 e que começou sua carreira justamente em Golden State. No basquete internacional ele defende a Itália, terra de sua mãe, que conheceu Pace em Siena quando ele atuava no país. O armador é conhecido do público há muito tempo, vídeos de seus lances viralizaram anos atrás e ele ficou famosinho no Instagram a ponto de ser tema de uma reportagem longa e profunda de Chris Ballard na Sports Illustrated. Curiosamente, a matéria chega a comparar Nico com seu novo companheiro de time Steph Curry: ambos filhos de ex-jogadores da NBA e de mães ex-jogadoras de vôlei, ambos são armadores e eles até dividem a mesma data de aniversário. E Mannion, assim como Wiseman, participou de um camp organizado pelo bi-MVP:
O armador da Universidade do Arizona chegou a ser cotado para o Top 20 do Draft, mas foi caindo aos poucos até chegar nessa desastrosa 48ª posição em que foi selecionado. Apesar do talento, parece ter incomodado muita gente que seu físico não é nada acima da média e que seu arremesso, que recebeu elogios no basquete colegial, não parece ter passado no vestibular. O que o manteve na briga por uma vaga entre os profissionais foi a intensidade e a agressividade, qualidades essenciais para que essa molecada que chega na segunda rodada do Draft tenha chance de ganhar a vaga de caras mais talentosos. Era o nome mais conhecido restante no Draft no momento da escolha e foi uma boa aposta para um elenco que ainda tem um banco de reservas magro. A ver se entre os mais velhos terá a mesma facilidade de passar por defensores e atacar a cesta.
Por fim o time selecionou Justinian Jessup, um “veterano” para o padrão do Draft com 22 anos e que vai ser mandado para uma temporada na NBL, a liga australiana que vem sendo cada vez mais usada como local para dar experiência a jovens atletas. É possível que nunca sequer jogue uma partida na NBA.
FORÇA NOMINAL – Aqui o Warriors voltou a ser a DINASTIA que nos acostumamos a ver! Começaram com o Homem Sábio, que parece alcunha de líder povos nativos americanos, depois selecionaram um maluco nervosinho chamado NICO e terminaram com o rapaz que tem nome de papa e sobrenome que parece gíria urbana dos anos 2000. Nota 10 de 10.
Charlotte Hornets
#3 – LaMelo Ball, PG/SG
#32 – Vernon Carey Jr., PF/C
#42 – Nick Richards, C
#56 – Grant Riller, PG
Os rumores eram de que o Charlotte Hornets queria subir para a primeira posição para fisgar James Wiseman, mas dessa vez os deuses do basquete não deixaram o time de Michael Jordan realmente tomar uma decisão. Sem a troca e com a terceira posição em um “Draft de três jogadores”, ficaram com LaMelo Ball, o que sobrou do trio do topo. Considerando o histórico do Hornets em tomadas de decisão, talvez tenha sido a melhor coisa.
Os especialistas não conseguia cravar com certeza quem é o melhor do trio Edwards-Wiseman-Ball, mas a maioria dizia com tranquilidade que Ball é o mais talentoso de todos. Qual a diferença entre “melhor” e “mais talentoso”? É confuso como todo o léxico de olheiros, mas eu resumiria assim: os melhores são os que aprenderam a transformam o talento em produção e eficiência. Dos três, Ball parece ser o que tem mais recursos, mais genialidade, mais criatividade, mais lances que a gente vê e pensa que só estrelas são capazes disso. A frequência com que isso vai acontecer, porém, é um mistério.
Se Wiseman só tem três jogos de basquete universitário no currículo, Ball tem um histórico maior, mas muito mais confuso: antes de sequer terminar o ensino médio ele se transferiu para a Lituânia ao lado do irmão LiAngelo Ball. Jogou pouco tempo por lá, perdeu um mês machucado e saiu antes do fim da temporada quando seu pai, o folclórico Lavar Ball, levou todo mundo embora reclamando que o técnico não colocava seu filho para jogar. Em 2018 Ball jogou no Los Angeles Ballers, da Junior Basketball League, uma liga criada pelo seu pai como alternativa ao basquete universitário. LaMelo foi campão, principal jogador, teve média de triple-double e jogo com 55 pontos, mas alguém sabe qual era o nível da competição? Por fim, em 2019, Ball foi para o Illawara Hawks da NBL, a liga de basquete da Austrália. Lá jogou apenas DOZE partidas antes de se machucar, mas foi bem o bastante para ser eleito o novato do ano. Ele até se recuperou antes do fim da temporada, mas preferiu deixar o time e se focar no Draft da NBA. Seu último jogo foi em 8 de Dezembro de 2019, quase um ano atrás.
Explicado o motivo dele ser tratado como um mistério, né? Os vídeos são impressionantes, os números são empolgantes, mas na prática a gente viu ele em somente 20 jogos DE VERDADE nos últimos três anos, considerando que nem sabemos como avaliar a tal Junior Basketball League organizada pela Big Baller Brand. Quando seu irmão Lonzo Ball foi draftado na segunda posição do Draft anos atrás, muita gente disse que era fruto do marketing e do buzz criado por Lavar, mas a real é que Lonzo teve uma carreira tradicional: basquete colegial contra escolas conhecidas seguido de basquete universitário em UCLA. Toda a interpretação, seja ela certa ou errada, não foi feita por falta de informação. Não podemos dizer o mesmo sobre LaMelo.
Para ficar na comparação dos irmãos, LaMelo parece ser muito mais confiante, agressivo e com vontade de atacar adversários no mano-a-mano, enquanto Lonzo é mais um armador tradicional que sempre está pensando em passar a bola. A visão de jogo dos dois impressiona, mas os vídeos de LaMelo mostram um jogador mais disposto a arriscar coisas malucas, lindas e que ficam sempre entre o genial e o estúpido. A mecânica de arremesso é melhor que a do irmão mais velho, mas são tantos arremessos difíceis que o aproveitamento acaba sendo baixo. Por essa combinação de características que acho que uma comparação de estilo é mais apropriada com Trae Young do que com o outro Ball. Como o armador do Atlanta Hawks, LaMelo também nunca se deu ao trabalho de mostrar se realmente sabe defender ou não.
Apesar de tantas incertezas, LaMelo tem algo que o Hornets não vê na sua frente há milênios: alguém com características e carisma para ser a cara do time. Só sua presença lá já traz uma vontade de assistir jogos que nem Kemba Walker conseguia proporcionar. Se seus passes e agressividade se traduzirem bem para a NBA, ele parece ser o tipo de jogador que faz os companheiros melhores e dita o estilo do seu time. Imagina o Hornets com um estilo característico! Existem inúmeros riscos e mistérios, mas ele pode (PODE!) ser o passaporte para o Hornets sair de mediocridade.
Na segunda rodada o Hornets selecionou Vernon Carey Jr, de Duke, na 32ª posição. Filho do ex-jogador da NFL Vernon Carey, o pivô teve boas médias de 17 pontos e 8,8 rebotes em apenas 25 minutos de quadra e tem um corpanzil largo de quem já parece profissional. Os 2,08m de altura e os 120kg ajudaram muito nos rebotes ofensivos no basquete universitário, onde ele também pontuou muito bem no jogo clássico de costas para a cesta, aquele mesmo que quase nunca é usado na NBA. Muitos acreditam que ele caiu para o começo da segunda rodada porque os times não sabem ao certo como usá-lo: sem arremesso de média ou longa distância e sem ser o cara mais ágil do mundo, como deixá-lo em quadra contra tantos times que jogam baixo? Acho que ainda há lugar para jogadores mais clássicos, alguns times ainda usam pivôs tradicionais e rebotes ofensivos são muito importantes, mas é compreensível que General Managers não gastem suas escolhas mais altas em alguém com essas características.
Na longínqua posição 42 o Hornets apostou em Nick Richards, outro jogador de garrafão de uma universidade tradicional, Kentucky. Mas ao contrário de Carey Jr, Richards se encaixa mais no molde dos pivôs atuais: veloz, atlético, envergadura de mais de 2,20m, capaz de voar de um lado para o outro em busca de tocos ou pontes-aéreas. O problema é que ele demorou muito para deslanchar: já tem 23 anos e até a temporada passada tinha médias modestas de 4 pontos e 3 rebotes quando era reserva de, vejam só, PJ Washington, seu de novo companheiro no Hornets. Foi só nessa última temporada que ele começou mesmo a fazer a diferença no basquete universitário. Não é encorajador, mas com a concorrência nem tão pesada de Cody Zeller e Bismack Biyombo, talvez Richards ganhe uma chance de mostrar que demorou mas chegou.
Por fim, o Hornets seguiu sua tradição de pegar jogadores experientes. Eles terminaram o Draft com Grant Riller, armador de 23 anos do pequenino College of Charleston. Ele brilhou como pontuador no basquete universitário, mas jogou numa conferência pouco relevante contra adversários nem tão qualificados. Difícil prever o que vai rolar com ele em um time recheado de armadores.
FORÇA NOMINAL – Ser atleta profissional de basquete com o sobrenome Ball só não é mais legal que ser um piloto chamado Scott Speed, nasceu para brilhar. Me incomoda que chamam LaMelo apenas de Melo sendo que esse nome tem dono na NBA, mas o sobrenome valoriza demais o menino. Ponto para o Hornets pela escolha! Da segunda rodada temos que apreciar o autor de quadrinhos adultos Grant Riller, criador do vilão sanguinário (e empresário de sucesso) Vernon Carney.
Na continuação da Análise do Draft (que certamente vai acabar só um dia antes da temporada regular começar, porque aqui o trabalho é feito sem qualquer pressa), falaremos dos outros 11 times que tinham as Lottery Picks no Draft 2020.