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Se o Sonics não existe mais na NBA, podemos dizer no basquete internacional que a seleção brasileira também não existe mais, pelo menos não aquela que nos acostumamos a ver na última década.
Claro que ainda é cedo, o que vimos até agora foram meia dúzia de amistosos que, por melhores que fossem os adversários, eram só amistosos e um jogo contra o Líbano, que é uma porcaria de time. Tá bom que no último mundial a gente ficou atrás do Líbano, mas isso não vem ao caso, vamos fingir que não lembramos disso. E embora ainda seja cedo, isso não nos impede de tirar inúmeras conclusões e de dar palpites, afinal é para isso que temos um blog.
Essa seleção impressiona porque ela conseguiu, em poucas semanas de treinamento sob o comando do Moncho, alcançar muitas coisas que outros técnicos não conseguiram em períodos de anos, como por exempolo ter um time calmo e consciente em quadra. Todos os outros técnicos ficavam falando de como era importante o Brasil usar o que tinha de melhor, que é a velocidade, o contra-ataque e o improviso, mas o que a gente via era uma correria, um show de perdas de bola e arremessos precipitados.
Nessa seleção brasileira nova, parece que o equilíbrio está sendo encontrado. O time ainda erra, claro, ainda sente falta de mais talento em algumas posições e está longe de ser uma equipe ideal, mas pelo menos eles sabem o que tem que fazer dentro da quadra. Gostei de ver hoje como às vezes o Brasil errou, mas errou tentando fazer a coisa certa, às vezes errou um passe bobo, mas um passe bobo durante uma boa execução de jogadas, não um passe que deu na telha fazer.
Jogadas. Isso nos traz a outro assunto importante. Finalmente temos jogadas! Sou só eu ou isso não é realmente o máximo? E não é só um corta-luz para um arremesso de 3 do Marcelinho Machado ou uma isolação para o Leandrinho, agora temos jogadas desenhadas de verdade, temos uma movimentação padronizada e embora isso soe como basquete chato, é essa movimentação que faz os jogadores se acharem em quadra para boas movimentações de bola, que, convenhamos, é uma das coisas mais bonitas do basquete. Dentro das jogadas foi legal também ver como o Brasil tem várias jogadas feitas para colocar a bola dentro do garrafão, isso deu pra ver logo de cara, na primeira cesta do jogo, feita pelo Tiago Splitter. Não foi um balão para o pivô, foi um passe dado na situação certa para o pivô se virar em uma posição em que ele realmente poderia fazer a cesta.
Os méritos para essa mudança (mesmo que essa mudança não renda ainda uma vaga olímpica) vão em grande parte para o Moncho Monsalve, que está revolucionando a seleção brasileira, conseguindo fazer até caras como o Fúlvio e o Baby Araújo serem muito úteis, já que essa seleção pede mais dedicação, inteligência e treino do que só o talento puro como em outras épocas. Mas apesar de todo o mérito do Moncho, um cara deixou o trabalho dele muito mais fácil: Marcelinho Huertas.
Todos os sites e veículos que cobrem o basquete europeu já falavam do Huertas faz tempo. Desde que ele mudou de time na Espanha, tem sido monstruoso e, felizmente, não tem sido diferente na seleção nesses amistosos e na partida de hoje.
Para um time que quer ser disciplinado taticamente, nada melhor do que um armador inteligente como o Huertas, e para um time que não quer perder a velocidade, nada como um armador que consegue, ao contrário do lendário Mirandinha, correr e pensar ao mesmo tempo. Isso é um ponto que o Moncho largou na frente dos antigos técnicos, nenhum deles tinha nas mãos um armador principal tão bom quanto o Huertas.
Não há nada como um craque na posição 1 para fazer qualquer time render. Se você tem um craque na ala, ele provavelmente vai fazer toneladas de pontos e eventualmente arranjar jogadores livres com marcações duplas e coisas do tipo, mas ter um craque na posição de armador principal é ter a bola na maior parte do tempo na mão do seu craque, na mão do jogador mais inteligente. Além disso, o armador principal costuma (não é regra, mas costuma) ser o jogador com mais visão de jogo, o que entende melhor a partida. Faz muita diferença mesmo ter um cara bom como armador principal, assim você até pode se dar ao luxo de ter jogadores medianos em outras posições, caso, na NBA, do New Orleans Hornets, por exemplo.
Aliás, como nossa especialidade aqui é NBA, vale lembrar de alguns exemplos onde o armador principal faz muita diferença na liga americana.
O New Jersey Nets que foi duas vezes para as finais em 2002 e 2003 deve ser o exemplo mais óbvio. Era mais ou menos como essa seleção brasileira, um técnico bom que tem o time na mão, um armador ótimo como o craque do time e um bando de jogadores medianos. Kenyon Martin, Keith Van Horn, Kerry Kittles e Jason Collins nunca foram ninguém longe de Jason Kidd. Não que eles sejam ruins, mas só com Kidd eles conseguiam mostrar mais suas qualidades que seus defeitos. Se o Kittles só chuta de 3, que arranjem arremessos pra ele, se o Martin só enterra, ponte aérea pra ele, se o Van Horn só tem topete e é amarelão, cabe ao armador não passar a bola pra ele quando o jogo está sendo decidido. De boas decisões em boas decisões de Jason Kidd, junto com uma defesa muito boa, o Nets foi bi-campeão do Leste mesmo com um elenco que, quando tinha Marbury como armador, não chegava nem aos playoffs.
Um caso atual em que o armador é decisivo e não é o craque do time é no Houston Rockets. O Yao e o T-Mac são as estrelas do time, o Rick Adelman é um puta técnico, mas o time vai até onde o Rafer Alston levar eles. Quando ele está arremessando bem e tomando conta do jogo, o Houston é um timaço, quando ele está mal, nem T-Mac e nem Yao conseguem render o que deveriam. Parece bobagem? Parece. É verdade? É. O Danilo, que assiste um zilhão de jogos do Houston por temporada, já tinha me falado isso faz muito tempo. Assistindo com mais atenção nessa temporada, percebi que era verdade e nos playoffs, quando Alston se machucou contra o Jazz, ficou mais claro ainda. Foi com muita felicidade que achamos um jornalista do jornal Houston Chronicle que concorda com a gente.
Um outro caso que eu penso, mas que algumas pessoas podem discordar, é do Atlanta Hawks. Eles têm jogadores muito talentosos, atléticos, criativos, vários arremessadores, mas eles não jogavam como um time. Depois da chegada do Mike Bibby melhorou muita coisa, mesmo com o Bibby não sendo metade do que era no seu auge no Kings. Só ter um cara que sabe ler o jogo e que sabe tomar decisões já mudou a cara do elenco.
O Brasil tem o técnico, tem o armador, tem talentosos coadjuvantes. Foi o bastante para mostrar óbvia evolução sobre os times anteriores e foi até demais na hora de atropelar o Líbano. Será o bastante para bater a Grécia? Bom, se temos Huertas eles tem o Papaloukas como reserva. Eu acho a Grécia o time mais forte do torneio e mais forte ainda por jogar em casa, não espero uma vitória brasileira amanhã, mas é o jogo em que veremos se o time tem condição para ganhar de Alemanha, Croácia, Eslovênia e Porto Rico em possíveis encontros nas próximas fases do torneio.
Mas não custa torcer para que eu esteja errado e que o Brasil vença a Grécia. Na pior das hipóteses, veremos um épico duelo entre dois Babys, o Baby Araújo do Brasil e o Baby Shaq da Grécia. Jogão!