As 25 assistências de Rajon Rondo

Não faz nem um ano que fizemos uma longa análise de Rajon Rondo. Na época ele estava passando por uma disputa com seu então técnico, Fred Hoiberg, e estava relegado ao banco de reservas como punição. Não era uma situação nova: Rondo teve desavenças com seu técnico de escola, seu técnico na universidade de Kentucky, quase saiu na mão com Doc Rivers no Celtics, foi colocado na lista de contundidos pelo técnico Rick Carlisle no Mavericks e punido pelo técnico George Karl nos tempos de Kings, ao lado de DeMarcus Cousins. O padrão é sempre o mesmo: Rondo vê uma coisa que os técnicos não percebem, desobedece as instruções táticas e passa a sofrer represálias. Ninguém quer lidar com sua rebeldia, mas todo mundo quer se aproveitar de sua visão de jogo exemplar – como se uma coisa pudesse existir sem a outra. Muitas vezes nos esquecemos que aquilo que é considerado um “defeito” é parte fundamental da estrutura de uma outra coisa que é considerada sua maior “qualidade”. Rajon Rondo tem uma visão de jogo fora de série e usa essa visão para melhorar seus times JUSTAMENTE porque é um rebelde, alguém que faz as coisas do próprio jeito e não enxerga o jogo da maneira tradicional. Não dá para se ter uma coisa sem a outra. É o que a gente defende há anos sobre Russell Westbrook: não dá pra querer a agressividade dele no contra-ataque e também querer que ele cometa menos desperdícios de bola ou tenha melhor aproveitamento nos arremessos; uma coisa está diretamente relacionada com a outra.

A situação do Rajon Rondo sempre muda de figura quando algum técnico PRECISA de ajuda e resolve, em troca, abrir mão do controle total da equipe ou do esquema tático. Hoiberg voltou atrás e deu minutos para Rondo quando os Playoffs se aproximavam e o desespero tomava conta da comissão técnica. Com ele em quadra liderando a equipe – ou seja, segurando todas as rédeas – o Bulls, por pior que fosse, abriu uma vantagem de dois jogos a zero contra o Celtics nos Playoffs passados, ambos os jogos fora de casa. Sem Rondo, que quebrou a mão no terceiro quarto da segunda partida, o Bulls perdeu QUATRO JOGOS CONSECUTIVOS e foi eliminado da pós-temporada.

Isso não quer dizer que Rondo é genial e que com ele o Bulls teria se classificado para a próxima fase dos Playoffs; apenas significa que Rondo certamente pode fazer a diferença num time da NBA, mas que cobra um preço por isso: uma quebra total das regras e carta branca para fazer o que quiser enquanto tiver a bola nas mãos. Isso e, claro, uma série de limitações defensivas que ainda afligem o Rondo depois de tantas e tantas lesões na carreira.

Nesse ano Rondo sofreu uma hérnia na pré-temporada, passou 6 semanas fora e, agora no New Orleans Pelicans, tem apenas 20 partidas disputadas – todas com uma limitação de minutos que colocam sua média em 25 minutos por jogo. Mas seu retorno está transformando, aos poucos, todo o funcionamento da equipe – felizmente, para melhor. Fizemos uma longa análise para nossos assinantes sobre o esquema tático que coloca Anthony Davis e DeMarcus Cousins um ao lado do outro, com os dois basicamente se revezando e interferindo na jogada um do outro apenas indiretamente. Com Rondo a coisa muda bastante de figura, porque nenhum deles pode simplesmente “esquecer” do jogo e deixar o outro isolado, Rondo não deixa. Ele encontra os passes bizarros, recompensa o bom posicionamento e aumenta o ritmo do time.

Na partida de ontem contra o Nets, o Pelicans venceu – a terceira vitória seguida – comandados pelas 25 assistências de Rajon Rondo. Seria o recorde de mais assistências sem fazer nenhum ponto se o Rondo não tivesse acertado uma bandeja idiota. São 2 pontos e VINTE E CINCO ASSISTÊNCIAS. É muito estranho ver um armador que não pontua, algo que faz muita falta especialmente no basquete atual, e que não tem quase nenhum alcance nos arremessos. A maior parte dos times atuais não conseguiria colocar Rondo em quadra, sob risco de ter todo seu espaçamento comprometido, o esquema tático arrasado e o rendimento dos outros jogadores irem privada abaixo. Mas o Pelicans precisa, mais do que de qualquer outra coisa, dessas VINTE E CINCO assistências, de recompensas para que os jogadores se movam, participem, façam as coisas corretas. Os problemas do ataque do Pelicans são tão BÁSICOS que ter um armador que arremessa de três pontos é a última das preocupações.

Muitas dessas 25 assistências são passes comuns e um bom punhado delas nem deveria ser considerada uma assistência, é apenas um passe para o lado ou o jogador que recebe a bola não é colocado em situação de arremesso, precisa criar espaço. Mas nada disso importa. O que importa são algumas dessas 25 assistências que forçam o Pelicans a FICAR LIGADOS no jogo, encontrar saídas pouco convencionais e sair da PÉSSIMA dinâmica de simplesmente intercalar jogadas isoladas de suas duas estrelas.

Abaixo, um vídeo com todas as 25 assistências de Rondo na partida, pra dar uma ideia geral da atuação do armador:

 

Mas agora vamos focar nossa atenção em uma assistência em particular, essa aqui abaixo:

 

Primeiro: Rondo encontra DeMarcus Cousins por CIMA da defesa, com Cousins muito próximo ao aro. Isso é incrivelmente difícil de fazer na NBA atual e Cousins muitas vezes estabelece a posição e não consegue receber a bola porque ninguém entende qual é o ÂNGULO correto para a bola chegar no seu alvo. Rondo resolve isso como se fosse fácil, e percebam que no vídeo completo ele repete esse passe muitas vezes. Mas enfim, de volta à jogada: Cousins está cercado, porque os garrafões hoje em dia ficam amontoados de defensores, então ele encontra Anthony Davis para uma bola de três pontos. Minimamente contestado, Davis devolve a bola para Rondo, um indicativo de que Davis CONFIA em Rondo, mesmo que seu arremesso de três pontos seja medíocre. Esse lance é simbolicamente muito importante, mostra que Rondo já tem aceitação do elenco e se encontra numa posição de liderança: as duas estrelas tocaram na bola e, por não estarem em condições IDEIAS de arremesso, devolveram a bola para Rondo para recomeçar a jogada. E aqui vem a mágica: o passe óbvio seria para Anthony Davis infiltrando; o passe fácil seria para Cousins de costas para a cesta. Mas Rondo encontra E’Twaun Moore na linha de três pontos, totalmente livre. Agora volta lá e veja o final do vídeo: a coisa mais incrível disso tudo é que Rondo conseguiu o IMPENSÁVEL, colocar DeMarcus Cousins e Anthony Davis ao mesmo tempo no garrafão para um possível rebote de ataque.

Antes de Rondo isso nunca aconteceria. Isso quer dizer que um dos dois jogadores de garrafão estaria no perímetro, abrindo mão de seu poder de rebote, para não “sobrecarregar” a região do aro. Mas Rondo usou uma infiltração sem a bola e uma jogada de costas para a cesta de Cousins na MESMA SEQUÊNCIA para acionar uma bola de três pontos que, se não entrasse, teria os dois pivôs para lutar pela bola. Isso está fora do plano tático, completamente fora dos preceitos do basquete moderno, mas Rondo FAZ ACONTECER, pegando todo mundo de surpresa.

Uma das assistências mais para frente no vídeo é um pick-and-pop do Rondo com Anthony Davis na zona morta que pega o Cousins tão de surpresa que ele começa a correr desesperado para tentar um rebote de ataque; em outra assistências, Jrue Holiday recebe um passe tão inesperado que ele sequer tem tempo de dar um passo pra trás para valer três pontos e tenta um arremesso longuíssimo de dois. Aliás, ninguém se beneficiou tanto de Rando quanto Jrue Holiday, que conquistou situações de arremesso que antes ele teria que construir na marra, com baixíssimo índice de aproveitamento.

Não sei o quanto do sucesso do Pelicans é durável nem se Rajon Rondo conseguirá se manter nos vestiários, na defesa, na sua ausência de arremesso. Mas o que vemos na jogada acima é um resumo de sua capacidade de quebrar os hábitos, a rigidez e os maus vícios de um sistema ofensivo na NBA. O Pelicans precisava disso, criar uma cultura de criatividade e inovação que coincida com a dupla fora do comum que é Anthony Davis e DeMarcus Cousins. Nesse sentido, a contratação de Rajon Rondo já é um sucesso – resta apenas saber até quando o Pelicans pagará o preço de tê-lo como líder dessa equipe, e se sua abordagem sobreviverá quando ele não estiver em quadra. O time não pode ser dependente dele, mas precisa receber a água na cara que ele representa, o frescor, a originalidade. O Pelicans não pode se dar ao luxo de ser um time comum.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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