As contratações do campeão

Enquanto a NBA inteira está focada em adicionar novos jogadores, seja para reconstruir, seja para montar um elenco capaz de ter chances reais de título, o Golden State Warriors trabalha em outra lógica: sua prioridade é tentar manter o maior número possível de jogadores que já estavam no elenco que acabou de ser campeão. Se grande parte da NBA está em pânico porque esse elenco do Warriors parece imbatível, quebrando recordes atrás de recordes, então manter as peças envolvidas parece suficiente para continuar no topo por bastante tempo.

O problema é que parte considerável do elenco campeão vem de contratos antigos, quando ainda não se esperava que esses jogadores fossem ser tão bons, ou foram adicionados à equipe quando tinham pouco valor de mercado. Para termos uma ideia, Klay Thompson ainda está em um contrato que lhe pagará 17 milhões de dólares na próxima temporada, enquanto Draymond Green receberá 16 milhões – para efeitos de comparação, basta lembrar que Dwight Howard, Bradley Beal, Chandler Parsons e Andre Drummond, só pra citar alguns exemplos, receberão mais de 23 milhões cada.

Essa situação fica ainda mais explícita no caso de Stephen Curry, cujo último contrato começou em míseros 9 milhões na temporada 2013-14 e terminou em 12 milhões na temporada passada – pouco mais que os 11 milhões de Andre Iguodala. O Warriors só foi capaz de manter esse elenco por tão pouco dinheiro porque draftou a maior parte dos seus jogadores e alcançou o sucesso com eles antes que fossem jogadores consagrados, cobiçados pelas outras franquias. Agora, com o modelo do Warriors sendo visado por virtualmente todos os times da NBA, seus jogadores valem dinheiro demais no mercado. Basta lembrar de Harrison Barnes, uma peça secundária no esquema da equipe, que recebeu um salário inicial de 22 milhões de dólares para jogar pelo Dallas Mavericks.

Embora o caso do Harrison Barnes – e desse Warriors como um todo – seja um dos mais extremos, é justamente essa situação que as regras de contrato na NBA tentam evitar: um time apostar num jogador por muitos anos, ajudar em sua evolução, vê-lo se consagrar e então perdê-lo para outro time assim que o contrato termina. Times em reconstrução jamais conseguiriam investir em seus novatos se assim que eles se tornassem jogadores estabelecidos na NBA fossem contratados por times melhores com espaço salarial disponível.

É por isso que os times possuem algumas vantagens na hora de oferecer contratos para os jogadores que já estão em seu elenco. A mais simples é o contrato um ano maior, com uma pequena porcentagem em valor acima do que os outros times da NBA podem oferecer. Se o jogador quer a garantia de um ano a mais de contrato, ficar com o time atual é sempre a melhor opção. Além disso, uma nova regra diz que caso um time tenha o jogador desde seu primeiro contrato – ou seja, nos seus anos iniciais de NBA – e esse jogador se transforme numa estrela inegável (Melhor defensor da Temporada, MVP ou fazer parte de um dos times All-NBA, ou seja, ser um dos 15 melhores jogadores segundo a crítica especializada) até dois contratos depois, esse time pode lhe oferecer um contrato super-máximo, que nós chamamos por aqui carinhosamente de POTE DE OURO, para que essa estrela não prefira buscar outra equipe já consagrada.

Mas a maior ajuda para os times nessa situação é mais antiga e data dos tempos de Larry Bird: trata-se da “Bird Exception”, a famosa “Exceção Bird”. Quando um jogador assina um contrato de pelo menos 3 anos, o time que detém os direitos desse jogador pode reassiná-lo quando o contrato acabar por qualquer valor, mesmo que ultrapasse para isso o teto salarial da equipe. Em casos de 2 anos de contrato temos a “Early Bird Exception”, que funciona da mesma maneira mas o novo contrato não pode ser superior a 175% do contrato anterior; em casos de apenas um ano de contrato, temos a “Non-Bird Exception”, caso em que a oferta nova não pode exceder 120% do salário anterior.

As regras acima tentam duas coisas simultaneamente: a primeira é permitir que times possam manter seus jogadores quando eles ficam BONS DEMAIS e devem receber contratos gigantescos que o time atual não teria a permissão de pagar; a segunda é evitar que um jogador sacana assine um contrato mínimo com um time que já está no limite salarial por um ano apenas para no próximo ano topar um contrato máximo que as regras deixarão ultrapassar o teto salarial da equipe. O objetivo é proteger as equipes que querem manter seus jogadores, não criar mecanismos para a criação de super-equipes que ignorem o teto salarial da NBA.

É por isso que dizemos que na NBA o teto salarial não é “duro”, ele é molenga como gelatina. Nenhum time pode oferecer um salário para um jogador que acabe extrapolando o limite de gastos decidido pela Liga, A NÃO SER que o time já tenha esse jogador e esteja lhe oferecendo um novo contrato. Ainda assim, quando o teto salarial é ultrapassado dessa maneira os times precisam pagar taxas para a NBA. A Liga estabelece um valor pouco acima do teto salarial para que os times tenham uma margem de manobra na hora de reassinar seus jogadores, cerca de 20 milhões de respiro. Cada dólar que passar dessa linha vira um dólar e meio em multas; se essa linha for ultrapassada em mais de 5 milhões, então cada dólar vira um dólar e setenta e cinco; mais de 10 milhões transformam cada dólar numa multa de dois e cinquenta e assim por diante. Caso o time tenha ultrapassado essa linha em temporadas anteriores, então é acrescentado mais um dólar de multa para cada dólar excedente – além dos valores acima descritos, claro. Ou seja, os times podem manter seus jogadores, oferecer contratos gordos e impedir que migrem para outras equipes, mas precisam pagar multas severas para isso, que posteriormente são repassadas para as equipes que não precisaram cometer essas estrepolias.

Já mencionamos que o último salário de Stephen Curry foram ridiculamente baixos (para os padrões da NBA, claro, não estou nadando em dinheiro desse jeito) 12 milhões de dólares. Para mantê-lo – e também como agradecimento e reconhecimento pelo seu jogador – o Warriors ofereceu um contrato super-máximo, aquele que apenas jogadores que estão desde o começo com a mesma equipe e são estrelas absolutas podem receber. São 34 milhões só pra começar, chegando a 45 milhões na temporada 2021-22, num total de mais de DUZENTOS MILHÕES DE DÓLARES por 5 anos de basquete. É claro que esse valor arremessa a folha salarial do Warriors acima do teto, mas graças à “Bird Exception” o time não precisa se preocupar com isso, desde que pague as multas adequadas.

Stephen Curry não foi o único a continuar no Warriors através dessas exceções: Andre Iguodala topou um contrato de 17 milhões (48 milhões em três temporadas), Shaun Livingston receberá 8 milhões (24 milhões em três temporadas, depois de receber apenas 5 milhões no último ano de seu contrato anterior) e Zaza Pachulia receberá 3 milhões e meio. O núcleo do banco está intacto, com até os jogadores mais cobiçados, como Iguodala, escolhendo permanecer na equipe após uma oferta digna que usa a vantagem de se poder ultrapassar o teto salarial.

Os resultados financeiros, no entanto, são assustadores: na próxima temporada o Warriors pagará 40 milhões de dólares só em taxas para a NBA, e esse valor aumentará exponencialmente graças às multas de reincidência rumo a 222 milhões de dólares em taxas na temporada 2020-21. O valor somado até lá será de mais de 400 milhões de dólares em multas, quase o preço do Warriors quando os atuais donos compraram a equipe em 2010.

Frente a isso, Kevin Durant tomou uma decisão polêmica. Abriu mão de seu último ano de contrato, que lhe pagaria 27 milhões de dólares e assinou um contrato novo, através da “Bird Exception” para jogadores que ficaram apenas um ano em seus times (a “Non-Bird Exception”), de 25 milhões de dólares. São 9 milhões a menos do que o contrato máximo possível e 6 milhões a menos do que o Warriors poderia lhe dar usando a “Non-Bird”. A escolha de Durant não mudou as chances do time de manter Iguodala, Livingston ou Pachulia, já que o limite salarial poderia ser extrapolado mesmo, apenas ajudou os DONOS do Warriors a pagar menos multas. Um gesto de carinho para os engravatados que tornaram seu sonho de ser campeão possível? Um incentivo financeiro para que os donos paguem ainda mais multas com as futuras renovações de Draymond Green e Klay Thompson? Um ato simbólico que mostra que ele não se importa com o salário, incentivando o elenco a se manter unido não importa quanto dinheiro tenha que ser abdicado no processo? Um ato espiritual de desapego aos bens materiais e à futilidade do dinheiro? Um protesto político contra a frivolidade do papel-moeda e da influência do capital? Um erro de matemática de seu empresário, talvez até amigo dos gorilas sorteadores de decisões no Magic? Não sabemos.

Mas a diretoria do Warriors agradeceu o gesto mostrando que não apenas estão decididos a manter o elenco junto, pagando as taxas necessárias – coisa que a gente sempre lembra que o Thunder poderia ter feito para manter James Harden em 2012 ao lado de Kevin Durant e Russell Westbrook – mas que também querem melhorar o elenco sempre que possível. Todos os times que não possuem mais espaço salarial ganham de presente um contrato mínimo (cerca de 2 milhões) e uma “Mid-level Exception”, ou seja, ganham um espaço adicional como exceção para contratar um jogador de salário médio (calculado como a média de TODOS os salários da NBA), o que nessa temporada é de 8 milhões. Mas times que estão pagando multas ganham uma exceção diferente, a “Mini Mid-level”, de apenas 5 milhões – uma opção melhor para esses times por, sendo menor que a padrão, gerar menos multas. O salário mínimo virou Omri Casspi, um ala itinerante na NBA que já teve seus dias arremessando do perímetro e deve ser apenas uma opção no banco de reservas. Mas com essa mini-exceção-média (?!) o Warriors contratou Nick Young, que ganharia pouca coisa a mais do que isso se tivesse escolhido ficar mais um ano no Lakers.

Nick Young teve o segundo melhor aproveitamento da NBA na temporada passada em situações de “catch and shoot”, ou seja, arremessando sem driblar, apenas recebendo passes. Melhor que ele, somente Stephen Curry:

No esquema de Luke Walton no Lakers, Young tinha exatamente essa função de se manter constantemente em movimento, receber um corta-luz fora da bola e arremessar do perímetro. Apesar de passar vergonha ao ter se auto-intitulado o “melhor arremessador de três pontos da NBA” uns anos atrás, ele se tornou de fato um dos 10 melhores arremessadores da NBA em aproveitamento, pontos produzidos e bolas convertidas, saltando para os três melhores quando consideramos somente o perímetro. Basicamente o Warriors está usando sua única exceção capaz de contratar um novo jogador para assinar o cover do Klay Thompson lá no Lakers. A ideia é simples: se funcionava no cosplay de Warriors em Los Angeles, por que não funcionaria no time real? Percebendo o encaixe, Nick Young abriu mão de ofertas melhores – vários times lhe ofereceram a “Mid-Level” tradicional, de 8 milhões. Mas a chance de participar desse time, de construir um legado, é tentadora demais.

É essa tentação que fez com que os donos do Warriors tenham pulado de cabeça nas taxas. Mesmo os jogadores que poderiam ter recebido mais dinheiro do que aceitaram – caso óbvio de Durant, mas possivelmente de Iguodala – não estão ajudando o teto salarial do Warriors, que já está estourado e poderia ficar ainda mais sem grandes transtornos. Estão apenas ajudando os donos a pagarem menos multas, para que eles possam pagar outras multas em outras situações. Só o tempo dirá se esse tipo de investimento fará sentido, se o Warriors verá esse dinheiro de volta em patrocínios, em títulos, em imagem internacional, como destino óbvio de jogadores futuros, etc. Mas por enquanto, o Warriors é apenas a realização máxima de uma regra que existe desde Larry Bird: a chance de manter juntos os jogadores que desabrocharam juntos, oferecendo-lhes para isso o dinheiro merecido rumo a sonhos maiores.

Torcedor do Rockets e apreciador de basquete videogamístico.

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