🔒Basquete Cabeça

De um tempo para cá tenho tido a tendência de analisar os jogos cada vez mais pelo seu lado tático. Ao lado do talento bruto, a estratégia é essencial para transformar um bando de bons jogadores da NBA em uma equipe de verdade. Mas a decisão de olhar mais para a prancheta também acontece porque sou incapaz de ver o que se passa dentro da cabeça dos jogadores. Em uma liga tão nivelada em termos de talento individual, com tantos bons técnicos, assistentes e managers, o psicológico pode ser decisivo: quem é mais confiante? Quem lida melhor com altos e baixos? Quem rende mesmo num vestiário dividido? Que time aparece mais motivado ou medroso na hora H? E, mais importante para o blogueiro, como diabos a gente percebe tudo isso?

Em uma entrevista ao Adrian Wojnarowski, o ex-General Manager do Los Angeles Lakers Mitch Kupchak falou extensivamente pela primeira vez sobre a polêmica NÃO-TROCA que quase levou Chris Paul ao lado roxo e dourado de Los Angeles em 2011. Na ocasião, os General Managers de Lakers, Rockets e Pelicans (então ainda chamado de Hornets) tinham tudo fechado quando a NBA, que controlava a franquia de New Orleans enquanto ela não achava um comprador, barrou a operação por “basketball reasons“. No ano passado, David Stern disse que a troca precisava de ajustes para valer a pena para o Hornets/Pelicans, mas que ainda poderia acontecer no futuro e só não foi assim porque “Kupchak entrou em pânico” e trocou Lamar Odom, peça-chave da troca original, com o Dallas Mavericks.

Claramente incomodado em falar sobre o tema, Kupchak negou que tenha entrado em pânico, afirmou que as conversas tinham morrido e contou que só ele e outras poucas pessoas sabem os reais motivos para terem feito aquilo. O mistério não é revelado, mas dá a entender que envolve a difícil personalidade de Lamar Odom. Kupchak diz que em seus 35 anos no mercado ele nunca viu um jogador tão devastado por ser trocado. É fácil de acreditar, afinal após deixar o time ele nunca mais foi o mesmo: não rendeu no Mavs, entrou em depressão, saiu da NBA, se divorciou e quase morreu de overdose. Neste ano chegou a dizer que a saída de LA acabou com sua carreira e tirou sua “vontade de viver”. Parece exagerado, mas Odom não teve uma vida fácil. Seu pai era viciado em heroína, a mãe morreu de câncer quando ele tinha 12 anos e ele nunca parou num mesmo lugar. Trocou várias vezes de escola, trocou de universidade e na NBA rodou por diversas equipes até finalmente, em suas palavras, achar um LAR no Lakers. A sensação de se sentir querido e desejado fez ele viver seus melhores anos, fez ele se sentir numa família pela primeira vez. Ser trocado da família o arruinou.

Antes do começo desta temporada, Lee Jenkins escreveu na SportsIllustrated sobre o novo LA Clippers. Contou sobre como as sucessivas derrotas traumáticas nos Playoffs criaram um clima de decepção no time, de como a dinâmica entre Chris Paul e Blake Griffin ficou estranha porque ambos davam sinais distintos sem deixar claro quem era o líder e de como Griffin disse lutar com si mesmo para saber como lidar com as emoções, boas ou ruins, durante uma partida. Mais chocante é ver o ala contando como desmoronou e começou a chorar quando se machucou (DE NOVO!) nos Playoffs do ano passado: “Eu estava fazendo tudo o que podia”. E como bem sabemos, o Clippers arrebentou nesta nova pré-temporada, começou bem 2017-18 e novamente viu Griffin machucar o joelho. Ficará ao menos dois meses de molho. A tal da “maldição do Clippers” é engraçada pra gente, só eles sabem como lidar com isso todos os dias.

A carreira de Blake Griffin já começou com uma lesão, ele perdeu a temporada 2009-10, logo após ser draftado, por uma lesão no joelho. História parecida com a de Julius Randle, que QUEBROU A PERNA nos seus primeiros minutos como profissional. Em um Breakway especial sobre lesões, Randle conta como foi o dia dos seus sonhos, quando ele tinha virado oficialmente um jogador da NBA e acabou com a perna quebrada, deitado sozinho no escuro em casa, esperando uma cirurgia no dia seguinte. É uma situação devoradora de confiança e auto-estima, especialmente para jovens que moram longe de casa, não são casados e não têm filhos. Este podcast seja a ser angustiante ao mostrar como é demorado e CHATO o lento processo de se recuperar de uma lesão que tira o jogador de uma temporada. Desde quando um moleque de 20 anos de idade tem paciência para esperar mais de um dia por qualquer coisa?

As sensações de Griffin e Randle, que não saberíamos sem essas longas entrevistas, nos lembram do caso de um cara que nunca gostou de se abrir: Derrick Rose. Conhecido tanto por ser o mais jovem MVP da história da NBA como por ser arrasado por lesões, o armador ABANDONOU o Cleveland Cavaliers nas últimas semanas e considerou largar o basquete. Embora sua última contusão não fosse das mais graves, era mais uma vez que ele não conseguia embalar muitos jogos na carreira sem que seu corpo o traísse. Em determinado momento, como apontou Dwyane Wade ao apoiar o companheiro de time, “você começa a questionar o seu amor pelo jogo”. Não à toa muitos caras veteranos decidem se aposentar quando o corpo deixa de responder suas ordens, nada é mais frustrante para um atleta do que não ter o controle daquilo é tão essencial para o seu trabalho.

Muitas pessoas não ficaram lá muito empáticas ao problema de Rose por causa de sua história: ele nunca foi o cara mais humilde do mundo, sempre foi fechado, se recusou a abrir mão de ser O CARA do Chicago Bulls mesmo quando o time precisava disso e esteve envolvido em algumas polêmicas extra quadra. Primeiro quando teve notas adulteradas no colegial para poder ir para a Universidade de Memphis, e depois quando, no ano passado, foi acusado de estupro por uma ex-namorada. Ele foi absolvido. A questão aqui, porém, não é se Rose é culpado ou não por tudo o que aconteceu em quadra, fora ou com seu corpo, mas tentar entender como alguém ainda jovem lida com tantas distrações. Por mais que talento e tática estejam presentes, não dá pra imaginar que tudo isso não faça diferença. Até o papo do “quando eu entro em quadra esqueço de tudo” tem limite.

Indo além de Griffin e Rose, dá pra achar jogadores com o psicológico abalado por outras coisas além das lesões. Podemos apenas especular sobre como Lonzo Ball está lidando com seu pai pirado e 95% das pessoas torcendo contra ele e hiper analisando todos os seus defeitos. No Dallas Mavericks, Nerlens Noel está esquecido no banco de reservas e se tornou o milésimo jogador da história a bater de frente com o difícil técnico Rick Carlisle. Seu ex-parceiro de garrafão Jahill Okafor também está de castigo, mas lá no Philadelphia 76ers, que não quer colocá-lo em quadra mas também não deseja dispensá-lo ou trocá-lo por mixaria. Sua juventude no basquete está nas mãos de engravatados que não revelam seus planos.

Todas essas histórias são para lembrar aquilo que todo cara old school comenta quando quer menosprezar estatísticas: basquete é mais do que números. Eles estão certos, embora errados em querer menosprezar os dados e análises frias. Muitas vezes os números servem para indicar, alertar ou até provar uma queda ou melhora de desempenho que pode estar sendo causada por fatores extra-quadra como problemas pessoais, de relacionamento, de lesão ou psicológicos. O perigo está nos extremos, seja achando que existe um número graal que dará todas as respostas, seja achando que todo problema visto dentro de quadra é resultado do cara ser corajoso, covarde, amarelão, MACHO ou só uma “fase quente” provocada por um boost de confiança.

Dois dos melhores times desta temporada, o Golden State Warriors e o Boston Celtics, estão enfrentando questões delicadas em relação à parte mental de seus jogadores. Os verdinhos viram Gordon Hayward, a principal e mais cara contratação deles na offseason, sofrer uma traumática lesão nos primeiros minutos do ano. Desde então a comissão técnica de Brad Stevens tem dividido as preocupações em duas frentes: uma é a de preparar os jovens Jayson Tatum e Jaylen Brown para lidar com as pressões de assumir uma responsabilidade que até outro dia jamais seria deles, a outra está preocupada em envolver Hayward no dia-a-dia do time. O técnico tem pedido para que o jogador o ajude com análises dos adversários do time, vendo vídeos e indicando pontos importantes, mais ou menos como o Brooklyn Nets faz com Jeremy Lin. É também um foco que ele possa fazer o máximo de viagens com a equipe, para que possa conviver com os novos companheiros, sair com eles, jantar em grupo e criar a união necessária em um time que mudou tanto para esta temporada.

Curioso que essa parece uma decisão até óbvia para a equipe, mas ela também depende do jogador. Alguns podem se deprimir com a lesão, outros são palestrantes motivacionais de dois metros de altura. Nesse caso de Hayward, ele diz que é sempre cético sobre tudo, e que nesse caso buscou diversos médicos e cobrou verdades sobre sua condição e sobre seu futuro, não só papo de “você vai voltar ainda mais forte”. Só tendo a certeza de que eles falavam a verdade e de que ele, sim, voltaria inteiro, que ele conseguiu levar a sua motivação e ânimo para bons níveis.

Lá na casa dos campeões, Steve Kerr tem batido desde o início da temporada que os desafios desta temporada são psicológicos. O Warriors já é um dos melhores times da história e tem elenco para ganhar mais e ir aumentando seu legado, e a barreira para isso, segundo seu técnico, está em manter os “hábitos de um time campeão”. Para Kerr, que viveu em ambientes vencedores no Chicago Bulls e no San Antonio Spurs, sendo treinado por dois dos técnicos que mais souberam manter um time no topo, Phil Jackson e Gregg Popovich, não dá pra se acomodar e deixar de fazer as pequenas coisas: comunicação, disciplina e especialmente o EQUILÍBRIO. O técnico diz que o time precisa se manter equilibrado quando enfrenta altos, baixos, lesões, provocações, torcidas hostis, discussões internas, críticas dos rivais, sempre alimentado pela certeza de que “nós somos os campeões, somos os melhores, podemos passar por isso”. Não é fácil e é por isso que poucos campeões viram dinastias.

Não é o que vemos nessa temporada até aqui, porém. O Warriors começou a temporada com jogadores ainda fora de forma, cometendo erros bobos e a equipe ainda volta e meia tem apagões terríveis com sequências de turnovers. Se nos últimos anos o Warriors era o time que matava jogos cedo e onde as estrelas nem precisavam entrar em quadra no último quarto, neste ano tem sido o time da virada. O grupo chega preguiçoso, toma um sacode e só aí VIRA A CHAVINHA e decide. É legal que consigam fazer isso, mas não é um bom sinal para essa proposta de Kerr de ter um time que mantém os hábitos de um time vencedor.

Nesta última semana a coisa ficou tão ruim que Kerr foi a público falar que o Warriors precisa se recompor e parar de reclamar tanto durante os jogos. “Nós estamos ficando muito emocionais em quadra, eu mesmo também. Temos que parar de nos preocupar com as coisas em volta e só nos focar no jogo”. Não é por menos: o Golden State Warriors lidera a NBA em faltas técnicas nesta temporada e Kevin Durant, outrora o maior BOM MENINO da NBA, já tem mais EXPULSÕES nesta temporada (3) do que em todo o resto da sua carreira (1).

E aqui está, de novo a cabeça dos jogadores que nunca conseguimos entender ou prever. Posso apenas especular: ouvindo tudo o que Kevin Durant fez a falou nos últimos anos, incluindo algumas longas entrevistas para o Bill Simmons, a impressão que eu tenho é que ele, embora soubesse das críticas que iria receber por deixar o OKC Thunder para o Golden State Warriors, ficou muito magoado com a agressividade de todos –mídia, fãs e até outros jogadores– sobre ele. Apenas ganhar o título não bastou para ele ~calar os críticos~, pelo contrário, o título foi o que fez Durant finalmente se sentir livre das amarras e DONO DO MUNDO para poder responder todo mundo. Com o anel no dedo ele se sente à vontade para finalmente responder todo o trash talk que ouve em quadra, para não baixar a guarda para DeMarcus Cousins e para falar tudo o que ficou engasgado em sua bizarra relação com Russell Westbrook:

Mas como irá reagir esse Kevin Durant às provocações em um jogo-chave dos Playoffs? Ele mesmo, nas entrevistas que citei acima, creditou sua atuação de altíssimo nível na decisão do ano passado ao fato dele se isolar de tudo e se focar só no basquete. Essa chavinha, tal como a da defesa, pode ser ligada ou desligada quando ele bem entender? Ou o novo Durant campeão é um cara que não sabe se controlar, que não QUER se controlar e deseja também se impôr no grito? Seja nas expulsões de Durant ou nas conhecidas explosões irracionais de Draymond Green, o caminho para desbancar o Warriors pode passar por esse lado oculto do jogo. Nas cabeças que a gente não vê, nem sempre entende e muitas vezes só deduz. Seguimos de olho na técnica e na tática, mas sabendo que lá escondido pode estar o que decide o campeonato.

Torcedor do Lakers e defensor de 87,4% das estatísticas.

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