>Basquete de playoff

>

“Amigos, na vida é tão bom ter amigos…”

Existe uma percepção, na NBA, de que existem dois tipos diferentes de basquete: o “normal”, com o qual todos estamos acostumados na temporada regular; e o “basquete jogado nos playoffs”, bastante diferente. Não se trata, no entanto, de uma diferença apenas de importância, com mais pressão da torcida, da mídia ou dos próprios joadores. Trata-se de um basquete mais físico, brigado, em que pancadas não apenas são justificáveis mas aguardadas, necessárias.

Não vimos muito disso na série entre Cavs e Hawks ou entre Mavs e Nuggets até agora, simplesmente porque os jogos foram fáceis demais. Até mesmo o Celtics e Magic de ontem foi um passeio, afinal a equipe de Orlando aparentemente não apareceu para jogar e mandou 4 clones geneticamente alterados e um Rafer Alston, esse de verdade, mas que é como se não fosse. Não houve um basquete tão físico, mas ainda assim o gênio do Alston respondeu a um toque incidental que recebeu na cabeça numa comemoração do Eddie House (após acertar uma bola de três na sua cara) com um baita “pedada, Robinho!” dado com gosto. Os dois se encararam, quase rolou uma bitoca, mas não tivemos nenhum confronto real. Esse vídeo do tapa é genial porque lembra os antigos “replays de pagadinha” (tóim, tóim, tóim) dos finados Sérgio Mallandro e João Kléber, descansem em paz.

Foi em Los Angeles que vimos, então, esse tal de “basquete de playoff” acontecendo de verdade. Os times morderam um ao outro como se suas vidas dependessem disso. Houve muito contato, agressividade e provocação, e ao invés de achar natural eu não podia deixar de pensar no trabalho terrível que estava sendo feito pela arbitragem para evitar aquilo. Não me levem a mal, eu até gosto de bastante de boxe, mas sinto falta dos calções bregamente coloridos.

De fato, acho que eu não ficava tão bravo num jogo desde os bons e velhos tempos em que o Spurs dava um pau no Suns com pancadas do Bowen no Nash e quinhentos lances livres cobrados pelo Manu Ginóbili. Estou acostumado a ver meu Houston Rockets perder porque fede, porque o Rafer Alston forçou arremessos importantes, porque a bola não chegou no Yao e coisas do tipo. Ou seja, estou acostumado a me enervar com o próprio time, mas não estou acostumado a me enervar tanto com uma arbitragem que flutuou do total descaso ao exagero em marcações minuciosas. A verdade é que a arbitragem foi tão confusa que não conseguiu agradar ninguém, afinal os jogadores do Lakers também não estavam satisfeitos. Mas, quando o tal “basquete de playoff” está sendo jogado, uma arbitragem confusa é inaceitável e tem repercussões catastróficas para o espaço-tempo. Ninguém quer colocar o Mike Tyson num ringue e mandar o árbitro ir passear, não é mesmo? Algumas orelhas, certamente, iriam sofrer um bocado.

Para garantir minha choradinha e tirar isso logo do caminho, a arbitragem não deixou Yao Ming jogar. Com duas faltas logo no primeiro período, só conseguiu voltar no meio do segundo. Numa das primeiras posses de bola, então, após pegar um rebote ofensivo, jogou seu corpo contra Pau Gasol (que se encontrava dentro do semi-círculo abaixo da cesta) enquanto arremessava, numa jogada clássica de qualquer armador com um pouco mais de experiência (acho que Billups é o maior PhD do planeta nessa habilidade). Pelo clima do jogo naquele momento, em que o confronto dentro do garrafão deveria ser censurado para as crianças, o que Yao fez foi quase um chamego no espanhol. A falta de ataque marcada no Yao não foi apenas grotesca tendo em vista o andamento do jogo naquele momento, ela também mostrou que os árbitros não sabem para que serve aquele semi-círculo embaixo do aro, onde o jogador de ataque não pode ser tocado indo para a cesta. Outro erro similar foi feito nesse sentido mais pra frente, no terceiro período.

No primeiro tempo, então, o Yao Ming não conseguiu sequer molhar a camiseta e chinesa que lava suas roupas tirou o dia de folga. Carl Landry assumiu a função de jogar no garrafão e, naquele jogo exageradamente agressivo, pegou um punhado de rebotes ofensivos e sofreu trocentas faltas. Jogou muito bem, sem dúvida nenhuma, mas o problema é que Landry erra seus lances livres. Ao todo, acertou 7 em suas 13 tentativas, coisa que Yao Ming não faria (dos 42 que cobrou até agora nesses playoffs, acertou 39).

Foi sem o chinês, portanto, que o Houston teve que correr atrás do prejuízo no segundo período. E o prejuízo já era grande demais, afinal Kobe Bryant estava num daqueles dias de Kobe, aquela expressão de “eu sou foda e não precisaria estuprar nenhuma mulher, a Alinne Moraes deve ser louca por mim” na cara e os arremessos impossíveis caindo constantemente. Shane Battier não podia fazer nada, nesses “dias de Kobe” o melhor a fazer é sentar no chão e jogar um pokerzinho.

O Houston até chegou a liderar a partida no segundo quarto, mas Kobe encerrou o primeiro tempo com uma bola de três para empatar o jogo. Tava na cara que ele faria qualquer coisa que fosse preciso para o time ganhar, até andar sobre as águas, então moralmente o Houston já tava no buraco e se tivesse bom senso poderia ter saído de quadra e se concentrado já no próximo jogo. Teria poupado muita, muita dor de cabeça.

As marcações dúbias da arbitragem, a falta de critério (“pode ou não pode tocar garrafão, professor?”), e o jogo físico em excesso que não foi coibido obviamente iam dar merda rapidinho. Primeiro foi, depois de muito contato no garrafão, uma discussão entre Luis Scola e dois jogadores do Lakers, Luke Walton e Lamar Odom. Cada um ganhou uma faltinha técnica para mostrar pra esposa em casa. Minutos depois, Scola tomou uma cotovelada do Derek Fisher quando ia fazer um corta-luz, e caiu como se tivesse sido baleado por um canhão. Argentinos à parte, a queda pareceu até que um tanto convincente porque a pancada foi de verdade, e o Fisher foi expulso do jogo. Ninguém percebeu, nesse ponto da história da humanidade o Lakers joga melhor com Shannon Brown.

A agressividade continuou. Nos dois garrafões, só sobrava tabefe. Pelamordedeus alguém dê uma olhada no que fazem com Yao Ming em todo maldito rebote ofensivo, seguram seus braços e puxam sua camisa, e após trombar tentando ir pra cesta ainda acaba recebendo um par de faltas de ataque. Olha, vou ser bem sincero, o chinês às vezes fede e mal consegue receber a bola, ele definitivamente não precisa de uma arbitragem que o torne ainda pior! Ainda assim, em quase todas as posses de bola em que tocou na bola (foram poucas), Yao cobrou lances livres. Ele acaba desequilibrando o jogo, é uma pena que tenham feito ele passar tanto tempo sentado e proíbam ele de pegar rebotes no garrafão.

Ainda dava para o Houston alcançar, embora o Lakers estivesse em geral 10 pontos à frente e Kobe estivesse multiplicando pães e transformando água em vinho. Vale dar uma olhada na cesta que o senhor Bryant fez, prova máxima de seu “dia de Kobe”:

Se não fosse o suficiente, a pancadaria ainda continuava e ninguém dava a mínima. Até que, na disputa por um rebote, Kobe deu uma cotovelada na garganta de Ron Artest, que saiu como uma bala na direção do árbitro. Uma falta havia sido marcada, mas contra o Rockets. Desesperado, Artest atravessou toda a quadra, no que pareceu para mim todo o trajeto da São Silvestre em câmera lenta, para peitar Kobe e ficarem testa-a-testa. Kobe não é burro nem nada e tirou o corpo fora, Artest foi puxado para longe, recebeu uma técnica, mas aí fez um gesto de “haka” repentino: passou um dedo horizontalmente na garganta, no maior estilo briga de cadeia: “vô te degolá”.

Foi expulso, e todo o elenco do Houston teve muito trabalho para tirar Ron da quadra (pelo menos não era para tirar Ron da arquibancada, vejam bem). Com ele em quadra, Yao praticamente sem jogar e Kobe imparável, o jogo já estava perdido. Sem ele em quadra, então, o jogo tava mais perdido do que o Gilberto Barros em horário nobre.

Ter o Ron Artest no time tem dessas coisas: saber que, num jogo importante nos playoffs, a qualquer momento, ele pode perder a cabeça e desfalcar o time. Na noite de ontem estava jogando demais, acertando tudo que arremessava da cabeça do garrafão, e aí numa sequência de 15 segundos já estava no chuveiro. Acho que era isso que os fãs do Kings tanto temiam, e é isso que lhe dá a fama de maluco instável que deixa o time na mão. Sua entrevista coletiva, no entanto, foi uma das coisas mais sensatas que já ouvi.

Artest começou dizendo que, na infância e adolescência, jogava um basquete na rua ultra-competitivo, sujo e agressivo, e que viu um garoto (literalmente!) se matar em quadra uma vez (e você achava que tinha histórias estranhas quando conta, em volta da fogueira, que sua avó uma vez se engasgou um com um Doritos). Então, explicou que está acostumado com esse tipo de jogo mas que, com os anos, foi aprendendo a se controlar e modificar sua forma de jogar.

“É assim que eu cresci, brigando nas quadras jogando basquete. Me levou anos para eu recuar e entender que a liga não era sobre isso, era sobre um tipo diferente de jogo.”

Todos nós sabemos que Artest é emocional e perde a cabeça, mas ele realmente não é mais um cara que dará uma porrada em alguém em quadra. Ele atiça, discute, peita, faz seu jogo de animador de luta-livre.

“Pra mim eu achei o jogo legal, achei divertido, mas para essa liga foi agressivo demais – foi um jogo divertido de se participar mas foi agressivo demais e é preciso ter bolas para me golpear na garganta. Mas eu espero que a liga olhe para isso e possamos ir para o próximo jogo.”

Assim como eu, Artest também expressou seu desejo de que os árbitros tivessem coibido a agressividade antes, o contato físico excessivo. Segundo ele, Kobe passou o jogo inteiro estapeando seus braços, batendo toda vez que Artest lhe marcava. “Você não vai iniciar nada, eu não vou reagir, vou deixar os árbitros controlarem você”, disse para Kobe. Também alertou os juízes. Mas aí tomou a cotovelada, a arbitagem não fez nada, e ele surtou.

“Eu sabia que receberia uma falta técnica, o objetivo era, de preferência, fazer os árbitros verem que eu estava puto, que eu estava cansado desse cara.”

Bem, que ele estava puto acho que todo mundo conseguiu perceber, imagino que a eminência de cortar a garganta de alguém seja algum tipo de linguagem universal. Mas será que os árbitros perceberam o que Kobe fez? Notaram que o jogo havia saído do controle ainda no primeiro quarto? Que eles eram responsáveis pelo confronto inicial ter ido longe demais? O Artest curte o confronto, já bateu boca antes com o Kobe, seu grande ídolo do basquete, mas nem mesmo ele quer que a brincadeira chegue a esse ponto.

“Nós nos enfrentamos antes, sem socos, sem cotoveladas, apenas confronto. E então eu fiz isso, era uma falta técnica, mas uma expulsão?”

Segundo Artest, o Kobe é que deveria ter sido expulso. Em sua entrevista coletiva, Bryant disse discordar, alegando que ninguém deveria ter sido expulso em momento algum.

“Pra ser honesto, acho (o Artest) ótimo, não acho que ele deveria ter sido expulso por isso, esse é um basquete competitivo, ele não vai recuar e sabe que eu não vou recuar. (…) Estávamos apenas disputando posição embaixo do garrafão, não foi nada malicioso de modo algum”

No fundo, é um modo de tirar o corpo fora e evitar qualquer tipo de punição. Disse que “o Artest não disse nada” para ele quando veio peitá-lo, e afirmou que a partida “foi um bom jogo físico”. Legal, deve ter sido bom mesmo para o lado vencedor, se o Kobe tivesse sido expulso ou tivesse jogado meia dúzia de minutos e tivesse um blog, provavelmente estaria fazendo um post parecido com o meu, mas não tão bem humorado.

Artest lembra que num jogo de playoff, quando Ginóbili acidentalmente cortou seu lábio, Ron Ron ficou bravo e levantou os braços, atingindo o argentino. Por esse ato, que não foi uma cotovelada, acabou punido com uma suspensão de um jogo. Eu duvido que Kobe será punido e, na verdade, torço para que ele não seja. Que se lasque o fato de que o Houston ganharia o jogo com os pés nas costas sem o Kobe em quadra, por acaso eu esperei uma temporada regular inteira para assistir meu time enfrentando o Lakers sem sua maior estrela? Que jogo porcaria seria, uma perda de tempo. Se for para vencer essa série, o que já é improvável o suficiente, não seria legal ter motivos idiotas para isso. Eu não iria querer que o Houston Rockets fosse campeão depois de ter sido convidado pela FIFA para participar daquele torneio de verão, como o Corinthians (alfinetei!). Tudo que eu quero, crianças, é uma série disputada, competitiva, divertida, em que os jogadores dos dois lados tenham chances de ficar em quadra e não abrir a cabeça de ninguém com um pé-de-cabra. Será que é pedir demais?

Gostaria de acabar com esse mito idiota do “basquete de playoff”. Um contato que é faltoso na temporada regular também é faltoso nos playoffs. A culpa é do critério da arbitragem, como se seguisse um estranho senso comum, de que na pós-temporada vale violência, o que traz apenas confusão e agressividade desmedida. Quando um árbitro entra em quadra disposto a apitar diferente porque “isso aqui é playoff, vai rolar mais porrada mesmo”, as chances do jogo saírem do seu controle são grandes demais e depois não dá para recuperar sem que algum dos lados – às vezes os dois – esteja muito prejudicado.

Vamos ser honestos, tenho Ron Artest no meu time, se puder rolar porrada é o Houston quem sairá sempre prejudicado. A equipe do Houston é bastante física (depois que o T-Mac saiu), o garrafão é forte e o elenco é um dos melhores em lances livres na NBA, mas se as cotoveladas rolarem soltas ignoradas, não tem nem as faltas (que gerariam lances livres) e nem Ron Artest, que vai acabar indo dar um passeio.

A série agora vai para Houston, na minha torcida de uma mudança de postura dos árbitros responsáveis. Também espero que Kobe esteja presente – contra o meu time ou não, quero ver mais bolas inacreditáveis, arremessos espíritas, bolas na tabela. Quero ver mais Kobe em “dia de Kobe”.

Como funcionam as assinaturas do Bola Presa?

Como são os planos?

São dois tipos de planos MENSAIS para você assinar o Bola Presa:

R$ 14

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

R$ 20

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo: Textos, Filtro Bola Presa, Podcast BTPH, Podcast Especial, Podcast Clube do Livro, FilmRoom e Prancheta.

Acesso ao nosso conteúdo exclusivo + Grupo no Facebook + Pelada mensal em SP + Sorteios e Bolões.

Como funciona o pagamento?

As assinaturas são feitas no Sparkle, da Hotmart, e todo o conteúdo fica disponível imediatamente lá mesmo na plataforma.